Para Sempre e Um Dia

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Para Sempre e Um Dia
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P A R A S E M P R E , M A I S U M D I A

(A POUSADA EM SUNSET HARBOR – LIVRO 5)

S O P H I E L O V E

Sophie Love

Sophie Love é a autora da série de comédia romântica A POUSADA EM SUNSET HARBOR, que já conta com sete livros (mais estão por vir), e que começa com AGORA E PARA SEMPRE (A POUSADA EM SUNSET HARBOR – LIVRO 1).

Sophie gosta muito de ler os comentários de seus leitores. Visite www.sophieloveauthor.com se quiser enviar-lhe um e-mail, receber eBooks de graça, saber das novidades e manter contato!

Copyright © 2018 por Sophie Love. Todos os direitos reservados. Exceto como permitido pelo Ato de Direitos Autorais dos EUA, publicado em 1976, nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida em qualquer formato ou por qualquer meio, ou armazenada num banco de dados ou sistema de recuperação, sem permissão prévia da autora. Este eBook está licenciado apenas para uso pessoal. Este eBook não pode ser revendido ou doado a outras pessoas. Se você quiser compartilhar este eBook com outra pessoa, por favor, compre uma cópia adicional para cada indivíduo. Se você está lendo este livro sem tê-lo comprado, ou se não foi adquirido apenas para seu uso, por favor, devolva-o e compre seu próprio exemplar. Obrigado por respeitar o trabalho da autora. Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, organizações, lugares, eventos e incidentes são produto da imaginação da autora ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência. Foto da capa: Phase4Studios, todos os direitos reservados. Usada sob licença da Shutterstock.com.

LIVROS DE SOPHIE LOVE

A POUSADA EM SUNSET HARBOR

AGORA E PARA SEMPRE (Livro 1)

PARA TODO O SEMPRE (Livro 2)

PARA SEMPRE, COM VOCÊ (Livro 3)

QUEM DERA, PARA SEMPRE (Livro 4)

PARA SEMPRE, MAIS UM DIA (Livro 5)

ÍNDICE

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULO TRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO QUATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE

CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

CAPÍTULO VINTE E UM

CAPÍTULO VINTE E DOIS

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

CAPÍTULO VINTE E CINCO

CAPÍTULO VINTE E SEIS

CAPÍTULO VINTE E SETE

EPÍLOGO

CAPÍTULO UM

“Pai?” Emily hesitou.

Olhou para o homem parado nos degraus da varanda; um homem que ela quase não reconhecia mais. Seus cabelos, antes pretos, estavam grisalhos. Uma barba rala por fazer no queixo. Rugas e sulcos cobrindo o rosto. Mas não havia dúvidas. Era o seu pai.

Ela ficou sem palavras. Mal conseguia respirar.

As rugas nas laterais dos olhos de Roy se aprofundaram quando ele sorriu. "Emily Jane", ele

falou.

Foi quando Emily soube que era real. Ele era real. Era o seu pai.

Ela correu o mais rápido que pôde e se jogou em seus braços. Imaginou esse momento tantas vezes, pensando em como se comportaria quando ele voltasse. Na sua imaginação, agiria de modo indiferente, frio, mostrando que havia passado por cima de tudo para não deixá-lo ver a dor que o seu desaparecimento lhe causara, nem o grande alívio que sentiu ao saber que ele estava bem. Mas é claro que a realidade foi completamente diferente. Em vez de parecer distante, abraçou-o como se fosse uma criança outra vez.

Ele era quente, sólido. Podia sentir que respirava com dificuldade por causa da emoção. Suas lágrimas vieram quase que imediatamente. Como se respondendo a isso, ela sentiu as próprias lágrimas rolarem pelo rosto e pescoço.

“Você voltou”, Emily conseguiu dizer, com a voz embargada. Sentia-se pequenina e vulnerável e não escondia isso.

“Voltei”, Roy respondeu, soluçando profundamente. “Eu...”

Mas ele não conseguiu terminar a frase. Emily sabia instintivamente que a única maneira de concluí-la seria com um “sinto muito”, mas seu pai ainda não estava pronto para lidar com a torrente de emoções que aquela expressão iria desencadear. Emily também não. Ainda não estava pronta para ir àqueles lugares dolorosos. Só queria permanecer neste momento. Aproveitá-lo.

Perdeu a noção de quanto tempo ela e seu pai ficaram ali abraçados, mas sentiu uma mudança repentina na forma como ele a segurava, uma contração dos músculos, como se, de repente, ele se sentisse desconfortável. Afastou-se um pouco e virou o rosto para ver em que o olhar do pai se fixara: Chantelle.

A menina estava de pé na porta da pousada, com uma expressão surpresa, como se tentasse compreender a estranha cena diante dela. Emily podia ler as perguntas em seus olhos. Quem é este homem? Por que Emily está chorando? Por que ele também está? O que está acontecendo?

“Chantelle, querida”, disse Emily, estendendo a mão. “Venha aqui”.

Emily viu na hesitação dela uma timidez incomum.

“Não precisa ter medo”, acrescentou Emily.

A menina deu alguns passos. “Por que ele está me olhando assim?” sussurrou de tal forma que Roy pôde ouvir claramente.

Emily olhou para o pai. Seus olhos úmidos estavam arregalados, confusos. Ele enxugou o rosto.

“Você tem uma filha?” ele finalmente balbuciou, emocionado.

“Sim”, disse Emily, envolvendo Chantelle com um dos braços. “Bem, ela é filha de Daniel. Mas eu me considero mãe dela”.

Chantelle se agarrou a Emily. “Ele vai me levar embora?” perguntou.

“Ah, não, querida!” Emily exclamou. “Este é meu pai. Seu avô”. Levantou os olhos para o pai. “Vovô Roy?”, sugeriu.

Ele assentiu imediatamente. Parecia enfeitiçado pela criança, como demonstrava o brilho em seus olhos claros.

“Parece muito com ela”, falou.

Emily entendeu imediatamente o que ele queria dizer. Que Chantelle se parecia com Charlotte. Não admira que ele tenha achado que ela era filha de Emily; a própria Emily às vezes se esforçava para acreditar que não havia características genéticas de Charlotte expressas em Chantelle.

“Eu também vejo isso”, ela confessou.

“Com quem eu pareço?” perguntou Chantelle.

Emily sentiu que essa linha de raciocínio era demais para a criança. Preferiu mudar imediatamente o rumo da conversa. Apesar de se sentir como uma menina assustada, sabia que tinha que se recompor e assumir o comando.

“Alguém que conhecemos há muito tempo, só isso”, disse ela. “Vamos, vovô Roy precisa falar com o papai.”

O rosto de Chantelle se iluminou de repente. “Eu vou chamá-lo”. Então sorriu, entrando saltitante na casa.

Emily suspirou de alívio. Entendia por que seu pai ficara tão chocado com Chantelle, mas ver um estranho olhando para ela daquele jeito, como se ela fosse um fantasma, era a última coisa que a criança precisava.

“Ela não é mesmo sua filha biológica?”, Roy perguntou no instante em que a criança desapareceu.

Emily balançou a cabeça. “Eu sei, é incrível. Ela também é sensível como Charlotte. E doce. Engraçada. Criativa. Mal posso esperar para que vocês dois se conheçam melhor”. Sua voz então ficou presa, com o medo repentino de que Roy não fosse ficar, que esta talvez fosse apenas uma visita rápida. Talvez ela nem devesse saber que ele esteve aqui. Talvez o plano dele fosse evitá-la completamente, entrar e sair antes que a filha tivesse a chance de perceber que estava de volta, como nas visitas secretas em um carro batido que Trevor tinha testemunhado de sua janela de espionagem. Ela esfregou atrás da orelha, sem graça. “Quer dizer, se você tiver tempo”.

 

“Eu tenho tempo”. Roy assentiu, com um leve sorriso.

Então, Chantelle retornou, arrastando Daniel junto a si. Ele parou na porta e olhou para Roy.

“Vovô Roy?” falou, levantando as sobrancelhas, repetindo claramente a expressão que Chantelle tinha tão inocentemente retransmitido para ele.

Emily notou a maneira como os dois se olhavam e se lembrou de como Daniel havia lhe contado sobre quando era adolescente e precisava de um amigo, como Roy o ajudou a colocar sua vida de volta nos trilhos. Ela percebeu naquele momento que o retorno de Roy a Sunset Harbor era quase tão importante para Daniel quanto para ela mesma.

Roy ofereceu a mão para Daniel apertar. Mas para surpresa de Emily, Daniel pegou a mão dele e puxou-o num forte abraço. Sentiu um aperto estranho no peito, uma emoção peculiar que estava em algum lugar entre a alegria e a tristeza.

“Acho que você já conhece Daniel”, disse Emily, com a voz novamente embargada.

“Já”, respondeu Roy quando Daniel o soltou, passando o braço pelos seus ombros. Ele parecia dominado pela emoção, trilhando aquela linha tênue entre lágrimas de alegria e uma gargalhada de alívio.

“Vamos nos casar”, Emily acrescentou, meio sem jeito.

“Eu sei”, disse Roy, sorrindo de orelha a orelha. “Li seu e-mail. Estou muito feliz”.

“Não quer entrar?” Daniel perguntou a Roy, gentil.

“Se eu puder”, respondeu Roy, parecendo preocupado em não ser aceito de volta na vida da filha.

“É claro!” ela exclamou. Apertou a mão dele com força, tentando dizer-lhe que estava tudo bem, que ele era desejado aqui, aceito aqui, que seu retorno era, para ela, uma alegria.

A expressão de Roy era de alívio. Ele visivelmente relaxou, como se tivesse superado um obstáculo que o preocupava.

Enquanto caminhavam em direção à porta, ocorreu subitamente a Emily que a casa que seu pai havia abandonado há mais de vinte anos não era mais a mesma. Havia se transformado de uma casa de família em uma pousada. Ele ficaria com raiva?

“Fizemos algumas reformas”, ela falou rapidamente.

“Emily Jane”, respondeu seu pai com uma voz gentil e firme, “sei que você mora aqui. Que é uma pousada agora. Está bem. Estou muito feliz por você.”

Ela assentiu, mas ainda se sentia ansiosa ao vê-lo entrar. Chantelle abriu caminho e, um por um, entraram na recepção. Roy entrou por último, com um andar mais lento e mais rígido do que Emily se lembrava ao pensar no pai.

Ele parou no corredor e olhou em volta, de queixo caído. Quando viu a mesa da recepção, seus olhos se arregalaram.

“Esta é…?”

“A mesma que você vendeu para Rico?” Emily disse. “Sim.” A pousada tinha sido originalmente uma hospedaria antes de os proprietários a abandonarem. A história de Roy com a casa espelhava a dela em sentido inverso. Ele queria que este lugar fosse uma casa familiar, um paraíso para as férias de verão. Emily a transformou novamente em uma hospedaria, em um negócio.

“Eu não acredito que ele a guardou por todos esses anos”, disse Roy surpreso, ainda olhando para a mesa. Então voltou-se para Emily. “Lembra-se do dia em que eu a vendi para ele?”

Emily balançou a cabeça silenciosamente.

“Você estava convencida de que eu não deveria vendê-la”, disse ele com uma risada. “Colocava uma Barbie em cada uma das gavetas. Disse que era um hospital para suas bonecas”.

“Acho que me lembro”, Emily respondeu, um pouco melancólica.

“Rico foi muito gentil”, acrescentou Roy. “Ajudou você a ‘transferir’ suas ‘pacientes’ para outro local. Acho que você escolheu o armário embaixo da pia”. Ele também ficou um pouco melancólico e desviou sua atenção da recepção para as outras reformas. “A casa está incrível. Você fez um trabalho fabuloso”.

O tom de orgulho na voz dele fez o coração de Emily saltar de alegria. Este momento foi muito mais do que ela poderia esperar. Foi perfeito.

“Quer que lhe mostremos tudo?” ela perguntou.

Roy assentiu. Emily levou-o para a cozinha primeiro. De lá, puderam ouvir os sons dos cachorros latindo da lavanderia.

“Eu não sei o que comentar primeiro”, exclamou Roy, examinando a cozinha totalmente restaurada com seus eletrodomésticos e decoração retrô originais. “Esta reforma incrível ou o fato de você ter cachorros!”

“Esta é Mogsy e seu filhote Chuva!” Chantelle anunciou, abrindo a porta da área de serviço e permitindo que os dois cães entrassem correndo.

Os dois foram até Roy, cheirando-o e tentando lamber seu rosto. O homem riu, as linhas finas ao redor de seu rosto se tornaram mais pronunciadas, estendendo-se para trás das orelhas.

“Normalmente, não os deixamos correr pela cozinha”, explicou Emily. “Mas já que é uma ocasião especial...”

Sua voz embargou quando a pontada de melancolia que ela sentiu mais cedo retornou. Estar com o pai não deveria ser “especial”; o fato dele ter ido embora foi o que mudou tudo.

Ainda agachado, ele olhou para a filha, cheio de arrependimento.

De repente, Emily sentiu uma onda de raiva. Algumas de suas feridas profundamente esquecidas estavam começando a se abrir de novo.

“Vamos para a sala de jantar”, ela disse rapidamente, não querendo que aquilo aflorasse.

Entraram na sala da grande mesa de carvalho. Imediatamente, Roy notou que a pesada cortina que outrora escondia a porta do salão de baile não estava mais lá.

“Você encontrou o salão de baile”, disse ele.

Alguma coisa naquele comentário irritou Emily ainda mais. Isto não era uma brincadeira de esconde-esconde. Sentiu o rosto corar.

“Encontrei. Restaurei. Logo me casarei nele”, disse ela, enquanto passavam pelo corredor de teto baixo e entravam no enorme salão de baile.

Ela notou a frieza em sua voz e respirou fundo para se acalmar.

“Bem, está lindo”, disse Roy, alheio à crescente raiva da filha ou ainda não disposto a enfrentá-la. “Fico surpreso pelo vitral estar tão bem depois de todo esse tempo”.

“O amigo de Daniel, George, renovou as janelas”, explicou Emily.

“George?” Roy disse, levantando as sobrancelhas. “Eu me lembro dele quando era deste tamanho”. Indicou com a mão a cintura para indicar a altura de uma criança.

Ocorreu a Emily que Sunset Harbour era mais a cidade do pai do que dela, que ele conhecia as pessoas daquele lugar melhor do que ela, que nos anos em que ele morara ali, plantara mais raízes do que ela podia imaginar. Uma nova emoção penetrou na complexa mistura de sentimentos que ela já tentava manter a distância: ciúme. Tentou ao máximo manter uma expressão neutra em seu rosto.

Subiram a escada e Emily mostrou a Roy a suíte principal, que já fora dele e de Patrícia, depois, supostamente, dele e de Antonia, quando ela o visitava, antes de finalmente se tornar sua e de Daniel.

“Está fantástico”, Roy exclamou. “As cores são tão vivas”.

Ele costumava gostar muito mais de cores escuras, nuances de carmesim e azul náutico que ela usara no quarto de hóspedes. O branco neve e o azul claro estavam muito mais próximos do gosto de sua mãe, e Emily percebeu pela primeira vez, ao olhar para o quarto, que seu estilo era uma mistura perfeita de ambos. A predileção de Roy por antiguidades podia ser vista na enorme cama, na penteadeira, na poltrona, e o minimalismo de Patrícia era notado no branco e nas cores claras. Emily sentiu como se estivesse olhando para o quarto de uma forma completamente nova.

“Meu quarto é o próximo”, disse Chantelle.

Emily ficou aliviada pela distração. Guiou Roy para fora do quarto e entrou no de Chantelle, onde ele sentou em uma maravilhosa poltrona decorada com animais que Emily havia comprado para a menina. Chantelle caminhou quase dançando pelo quarto, mostrando com orgulho sua estante de livros, seu guarda-roupa cheio de vestidos, sua pilha de adoráveis bichos de pelúcia e a parede em que pendurava suas “obras de arte”.

“Chantelle, seu quarto é lindo”, Roy disse amavelmente, e Emily se lembrou do jeito suave que ele tinha com as crianças, da gentileza com que falava com ela quando fazia parte de sua vida.

Chantelle sorriu com orgulho.

“Você preferiu não colocá-la no quarto que era seu e de Charlotte?”, ele perguntou. “A sala de jogos com o mezanino?”

Emily sentiu uma pontada de dor no peito ao ouvi-lo se referir ao quarto de sua infância. Ele o trancou depois da morte de Charlotte, forçando-a a trocar de quarto. Esse tinha sido o primeiro sinal, Emily percebia agora, que o pai dela não iria processar a morte de Charlotte, que a morte dela ia se tornar o catalisador para ele abandoná-la.

“Essa é a suíte nupcial”, Daniel explicou, assumindo o controle enquanto Emily permanecia muda. “O mezanino é ótimo para atrair hóspedes. Além disso, queríamos Chantelle perto de nós”.

A emoção estava ficando demais para Emily. Ela não tinha ideia de que era possível sentir tantas coisas complexas e conflitantes ao mesmo tempo. De repente, percebeu que, assim que aquele tour acabasse, assim que eles se sentassem na sala frente a frente, ela descontaria toda a raiva que estava sentindo em seu pai.

De repente, sentiu a mão do pai em seu braço, estabilizando-a, tranquilizando-a. Ela olhou em seus olhos azuis, viu a dor e arrependimento dentro deles, misturado com um alívio absoluto. Ele estava silenciosamente dizendo a ela que estava tudo bem, que entendia sua raiva. Ela não precisava ficar escondendo.

Eles caminharam pelo resto do andar, olhando alguns dos quartos de hóspedes para que Roy pudesse ter uma ideia da decoração. Ele parou brevemente ao lado da porta do escritório. A última vez em que esteve aqui, era duas décadas mais jovem, seu cabelo era preto em vez de cinza, seu corpo era mais magro e mais ágil em vez da pequena pança que agora estava acima de seu cós.

“Está do mesmo jeito”, Emily respondeu. “Eu não reformei”.

Ele assentiu, mas não disse uma palavra. Ela se perguntou se ele estava pensando sobre a miríade de documentos que havia trancado em sua mesa, aqueles que ela tinha lido. As cartas e segredos dele que ela havia descoberto. Emily sabia que não tinha como saber o que Roy estava pensando. O homem continuava a ser um mistério para ela, como sempre havia sido.

Foram para o terceiro andar e Roy demorou-se um pouco ao lado das escadas até chegarem na pequena varanda que havia no telhado. Será que ele lembrou daquela véspera de Ano Novo? Emily se perguntou. Aquela em que lhe disse para não ter medo, para abrir os olhos e ver os fogos de artifício? Ou ele tinha bloqueado todas aquelas memórias, como ela havia feito?

Chantelle mostrava, saltitante, todos os quartos vazios a ele. Ela parecia animada por tê-lo aqui e muito orgulhosa de lhe mostrar sua casa. Emily desejou poder se sentir tão leve quanto a criança, mas havia tanta coisa acontecendo em sua mente que a enchia de angústia.

“Estou realmente impressionado com o trabalho que você fez aqui”, disse Roy. “Não deve ter sido fácil reformar todas essas suítes”.

“Não foi”, Emily respondeu. “Além disso, só tivemos cerca de vinte e quatro horas para arrumar tudo. Mas isso é uma longa história”.

“Eu tenho tempo”, Roy sorriu.

Emily nem sabia como responder a isso. O tempo não era algo que ela podia desperdiçar com ele. Não conseguia mais confiar nos sentimentos do pai.

“Vamos para a sala de estar”, preferiu mudar de assunto, rigidamente. “Quer algo para beber?” Então, percebendo seu deslize em oferecer álcool para um alcoólatra, acrescentou rapidamente, “um café?”

Enquanto descia a escada, a cada passo Emily sentia sua raiva crescer. Odiava se sentir assim. Queria que esta fosse uma ocasião alegre, mas como, se ela tinha todo esse ressentimento dentro de si? Seu pai tinha que ouvir sobre a dor que lhe causou.

Chegaram ao corredor do andar de baixo. Daniel foi para a cozinha fazer o café enquanto Chantelle mostrava a sala de estar a Roy. Ele quase perde o fôlego quando viu a decoração, a maneira como Emily misturava estilos novos e antigos, a forma como ela incorporava a arte moderna e as peças de vidro Kandinsky.

“Este é o meu velho piano?”, ele perguntou.

Emily assentiu. “Contratei alguém para restaurá-lo, Owen, que toca aqui às vezes. Aliás, ele vai tocar no nosso casamento”.

Pela primeira vez, Emily sentiu um senso de triunfo. Mesmo sem ter morado por muito tempo em Sunset Harbor, Owen era alguém que seu pai não havia conhecido antes dela, por mais tempo que ela, ou que conhecia melhor do que ela. Havia pessoas aqui que eram só dela, que não estavam manchadas pelo desagradável passado que compartilhava com o pai.

 

“Owen me ajuda com o meu canto”, disse Chantelle.

“Ah, você canta?”, Roy respondeu. “Posso ouvir um pouco?”

“Talvez mais tarde”, Emily interrompeu. “Chantelle me prometeu que iria arrumar todos os seus brinquedos hoje”.

“Eu não posso fazer isso depois?” Chantelle choramingou.

Ela claramente queria passar mais tempo com o vovô Roy e Emily não podia culpá-la. Na superfície, ele era como um gigante gentil, um Papai Noel. Mas Emily não podia continuar colocando um sorriso fingido em seu rosto para sempre apenas por amor a Chantelle. Era hora dela e seu pai falarem como adultos.

Emily sacudiu a cabeça. “Por que você não faz isso agora, e aí terá o dia todo para brincar com o vovô Roy, ok?”

Chantelle cedeu, mas saiu do quarto pisando forte.

“Você abriu o bar secreto”, observou Roy, olhando para o bar renovado. Ele parecia impressionado com a maneira como Emily manteve a atmosfera do lugar da mesma forma que ele, uma homenagem ao passado. “Você sabe que é original”.

Ela assentiu. “Percebi que estava tudo como antes. Exceto as garrafas de bebida”.

Sem Chantelle para amenizar a situação, surgiu uma tensão entre eles. Emily apontou o sofá com a mão.

“Quer sentar?” Roy assentiu e se acomodou. Seu rosto estava pálido como se sentisse que o momento do acerto de contas havia chegado.

Mas antes que Emily tivesse uma chance, Daniel apareceu com uma bandeja com uma cafeteira, leite, açúcar e canecas. Ele a colocou na mesinha de café. O silêncio aumentou à medida que servia as bebidas.

Roy pigarreou. “Emily Jane, se você quiser me perguntar alguma coisa, tudo bem”.

Naquele momento, Emily perdeu a habilidade de permanecer educada e cordial. “Por que você me abandonou?”

A cabeça de Daniel se levantou com a surpresa. Seus olhos estavam tão arregalados que se pareciam com os pires. Ele provavelmente não tinha percebido que a alegria de Emily em ter Roy de volta também havia trazido sua raiva junto, que ela estava tentando conter a emoção durante o passeio pela casa. Então, se levantou.

“Acho que vocês precisam de um tempo para conversar a sós”, falou educadamente.

Emily olhou para o noivo. Parecia tão desconfortável ali, como se subitamente invadisse um assunto particular, e ela se sentiu um pouco culpada por ter mudado a conversa de forma tão súbita em sua presença, sem lhe dar a chance de se desculpar melhor.

“Obrigada”, ela falou, enquanto ele saía.

Então, voltou seu olhar para o pai. Roy parecia magoado por sua dor, mas respirava calmamente e olhava para ela com olhos gentis.

“Eu estava arrasado, Emily Jane”, ele começou. “Perder Charlotte me destruiu. Comecei a beber. Tive casos. Eu me afastei de meus amigos em Nova York até não aguentar mais ficar lá. Sua mãe e eu nos separamos, embora isso tenha levado tempo. Vim pra cá organizar minha vida novamente”.

“Só que você não fez isso”, Emily rebateu, com raiva. “Você fugiu. Você me abandonou”.

Podia sentir seus olhos se encherem de lágrimas. Os do pai também estavam ficando vermelhos e embaçados. Ele baixou os olhos, envergonhado.

“Eu estava ignorando as coisas”, disse ele com tristeza. “Pensei que podia fingir que estava tudo bem. Mesmo anos depois da morte de Charlotte, não me permiti sentir nada. Nunca entrei no quarto de vocês. Preferi te colocar em outro, não sei se você se lembra”.

Emily assentiu. Lembrava-se vividamente de seu pai bloqueando o acesso a algumas partes da casa, fazendo com que certas áreas fossem proibidas para ela quando vinha passar as férias de verão: o mirante no telhado, o terceiro andar, as garagens, seu escritório, o porão, até que ela esqueceu que eles existiam ou o que havia dentro. Lembrou-se de seu comportamento cada vez mais errático, sua obsessão em colecionar antiguidades que lhe parecia mais uma compulsão do que um passatempo, um sintoma de que havia se tornado um acumulador. Mas, além disso, lembrava-se da diminuição do contato, do modo como passava cada vez menos tempo com ele no Maine até os quinze anos e quando, num verão, ele simplesmente não apareceu para buscá-la. Essa foi a última vez que o viu.

Emily queria compreender o pai. Mas embora uma parte dela entendesse que ele era um homem destruído, que um dia sofrera um golpe forte demais para suportar, o tormento que suas ações lhe causaram não podia simplesmente ser explicado.

“Por que você não disse adeus?” Emily disse, as lágrimas caindo em torrentes por sua face. “Como você pôde simplesmente sumir assim?”

Roy também parecia estar sobrecarregado de emoção. Emily notou que suas mãos tremiam. Seus lábios estremeceram enquanto ele falava. “Eu sinto muito. Vivia atormentado por essa decisão”.

“Você vivia atormentado?” Emily gritou. “Eu não sabia se você estava vivo ou morto! Eu só podia imaginar, sem saber. Tem ideia do que isso faz a uma pessoa? Tive que pausar minha vida inteira por sua causa! Porque você foi muito covarde para dizer adeus!”

Roy sentiu as palavras da filha como vários socos no rosto, um após o outro. Sua expressão era de dor, como se ela realmente tivesse desferido golpes físicos sobre ele.

“Isso foi indesculpável”, ele disse, pouco mais que um sussurro. “Nem vou tentar me desculpar”.

Emily sentiu o coração disparar descontroladamente em seu peito. Estava tão furiosa que não conseguia enxergar direito. As emoções reprimidas durante anos estavam inundando-a com a força de um tsunami.

“Você pelo menos pensou em como isso me machucaria!?” ela exclamou.

Roy estava tomado de angústia, com o corpo todo tenso, o rosto contorcido de arrependimento. Emily ficou feliz em vê-lo assim. Queria que ele sofresse tanto quanto ela.

“Não no começo”, ele confessou. “Porque eu não estava no meu juízo perfeito. Eu não conseguia pensar em nada ou ninguém além de mim, em minha própria dor. Pensei que você estaria melhor sem mim”.

Então, ele se descontrolou, soluços começaram a agitar todo o seu corpo, que tremia de emoção. Vê-lo assim era como uma facada no peito. Emily não queria ver seu pai se despedaçar e desmoronar diante de seus olhos, mas ele precisava saber. Não haveria nenhuma mudança, nenhuma reparação sem que tudo isso fosse revelado.

“Então você pensou que indo embora estaria me fazendo um favor?” perguntou Emily, cruzando os braços contra o peito, para se proteger. “Você sabe como isso é doentio?”

Roy chorou amargamente com o rosto entre as mãos. “Sim. Eu estava doente naquela época. Permaneci assim por muito tempo. Quando percebi o mal que causei, já havia se passado muito tempo. Não sabia como voltar àquele ponto, como desfazer aquele sofrimento”.

“Você nem mesmo tentou”, Emily acusou.

“Eu tentei”, disse Roy, mas o apelo em seu tom irritou Emily ainda mais. “Muitas vezes. Voltei para casa em várias ocasiões, mas toda vez a culpa do que eu havia feito me dominava. Havia muitas lembranças. Muitos fantasmas.”

“Não diga isso”, Emily retrucou, quando sua mente foi tomada por imagens de Charlotte assombrando a casa. “Não se atreva”.

“Sinto muito”, repetiu Roy, ofegando de angústia.

Ele baixou os olhos para o colo, onde suas velhas mãos tremiam.

Na mesa em frente, as canecas de café estavam esfriando.

Emily respirou fundo. Sabia que seu pai estava deprimido - ela encontrou a prescrição de antidepressivos entre os seus pertences - e que ele não era ele mesmo, que a dor estava fazendo com que se comportasse de maneira imperdoável. Não deveria culpá-lo por isso, e ainda assim não conseguia evitar. Ele a decepcionou demais. Abandonou-a com sua dor. Com sua mãe. Havia tanta raiva dentro do coração de Emily, mesmo sabendo que a culpa não tinha lugar ali.

“O que posso fazer para compensar, Emily Jane?” disse Roy, suas mãos em posição de oração. “Como posso começar a curar o dano que causei?”

“Por que você não começa preenchendo os espaços em branco?”, Emily respondeu. “Diga-me o que aconteceu. Aonde você foi. O que tem feito todos esses anos.”

Roy piscou, como se surpreendido pelas perguntas da filha.

“O que me angustiava era não saber”, explicou Emily, com tristeza. “Se eu soubesse que você estava seguro em algum lugar, poderia ter lidado com isso. Não tem ideia de quantos cenários eu criei na minha mente, quantas vidas diferentes eu imaginei que você estava vivendo. Passei anos sem conseguir dormir por causa disso. Era como se minha mente não parasse de conjurar alternativas até encontrar a correta, mesmo que não houvesse como fazer isso. Foi uma tarefa impossível e inútil, mas eu não consegui parar. É assim que você pode me ajudar. Comece pela verdade, me dizendo o que eu não soube por todos esses anos. Onde você estava?”

As lágrimas de Roy finalmente diminuíram. Ele fungou, enxugando os olhos com a manga da camisa. Pigarreou.

“Eu divido meu tempo entre a Grécia e a Inglaterra. Construí uma casa em Falmouth, na Cornualha, no litoral inglês. É um lugar bonito. Tem falésias e paisagens maravilhosas. Tem uma cena artística fantástica lá”.

Que conveniente, Emily pensou, lembrando-se de sua obsessão pela arte de Toni, chegando até a pendurar um dos quadros dela na casa em Nova York que dividia com Patricia e da raiva que ela mesma sentiu ao perceber o quanto ele tinha sido descarado, o quanto havia sido desrespeitoso.

“Como pôde pagar por isso?” Emily desafiou. “A polícia disse que não havia atividade em suas contas bancárias. Foi uma das razões pelas quais achei que você estava morto”.