Za darmo

Hamlet

Tekst
iOSAndroidWindows Phone
Gdzie wysłać link do aplikacji?
Nie zamykaj tego okna, dopóki nie wprowadzisz kodu na urządzeniu mobilnym
Ponów próbęLink został wysłany

Na prośbę właściciela praw autorskich ta książka nie jest dostępna do pobrania jako plik.

Można ją jednak przeczytać w naszych aplikacjach mobilnych (nawet bez połączenia z internetem) oraz online w witrynie LitRes.

Oznacz jako przeczytane
Hamlet
Audio
Hamlet
Audiobook
Czyta Mark Bowen
4,36 
Szczegóły
Audio
Hamlet
Audiobook
Czyta William Szekspir
60,18 
Szczegóły
Czcionka:Mniejsze АаWiększe Aa

SCENA III

Um quarto no castello de Elsenor
Entram o REI, ROSENCRANTZ e GUILDENSTERN
O REI

Ha n'elle alguma cousa que me desagrada, e creio que haveria perigo para nós em não vigiar a sua loucura; façam pois todos os preparativos de viagem. Vou dar as ordens, e quero que parta sem demora para Inglaterra acompanhado pelos senhores. O interesse da nossa corôa me veda o expor-me aos continuos perigos com que a sua demencia me ameaça.

GUILDENSTERN

Vamo-nos preparar. É um receio santo e salutar o que tem por objecto assegurar a salvação de innumeras existencias, que depende da vida de vossa magestade.

ROSENCRANTZ

É um dever que toca a cada um na sua esphera individual, o applicar todas as suas forças e toda a energia para defender a propria vida contra qualquer ataque; quanto mais obrigado a fazel-o é aquelle de cuja vida dependem tantas existencias! Quando um rei morre, não morre só, é um turbilhão que attrahe tudo quanto encontra no caminho, ou lhe fica proximo: roda colossal fixada no cume de uma elevada montanha, cujos gigantescos raios estão carregados de innumeros accessorios, e cuja quéda os impelle forçosamente a um desastre commum. Quando o rei padece, padecem todos.

O REI

Preparem-se, peço-lh'o, para uma partida immediata, porque estamos resolvidos a pôr um termo ás causas de inquietação que demasiado livremente se dão n'este paiz.

AMBOS

Não nos faremos esperar. (Sáem.)

Entra POLONIO
POLONIO

Senhor, Hamlet entrou agora para o quarto de sua mãe; occultar-me-hei cuidadosamente para ouvir a sua conversa. Asseguro a vossa magestade que a rainha o vae reprehender severamente. É conveniente, como el-rei muito bem disse, que outros ouvidos que não sejam os de mãe, naturalmente propensos á indulgencia, ouçam o que se disserem mutuamente. Adeus, meu senhor; virei aos seus quartos antes que vossa magestade se recolha, e o rei será sabedor de tudo quanto se passou.

O REI

Obrigado, Polonio. (Polonio sáe.)

O REI (só)

O meu crime já não tem perdão no céu, está marcado pelo estigma da maldição divina, como o foi o primeiro fratricida. Apesar de todos os meus desejos, não posso orar; pareço um homem que duas occupações reclamam, e que, não sabendo por qual optar, não escolhe nenhuma. Poisque, quando sobre esta mão maldita se formasse uma crosta de sangue mais espessa que a propria mão, não teria o céu bastante misericordia para que a onda da sua graça a purificasse e a tornasse branca como a neve? Para que serve a bondade divina, senão para remir as nossas culpas? De que vale a oração, se não tem a dupla virtude de prevenir a nossa quéda, ou obter o perdão depois d'ella? Dirijâmos as nossas supplicas ao céu, já que não podemos evitar o crime consummado. Mas, infeliz, como hei de orar? Perdoae-me, Senhor, o meu crime nefando. Não posso, poisque possuo os objectos que me induziram ao assassinio, corôa, throno e consorte. Poder-se-ha obter o perdão, quando se conservam os fructos do crime? N'este mundo corrompido, a iniquidade póde a preço de oiro desviar o curso da justiça, e com o producto do crime comprar a impunidade; mas o céu é justo, todo o subterfugio é inutil; ali os nossos actos são justamente avaliados e os nossos crimes conhecidos. Que devo fazer? Nada me resta. Tentemos o arrependimento. Grande é a sua efficacia; mas que póde n'aquelle a quem mesmo o arrepender-se é vedado? Oh! deploravel condição, oh! consciencia negra como a morte, oh! minha alma, não tens perdão, e quanto mais te esforçares por obtel-o, mais aggravas a tua situação. Anjos do céu, vinde em meu auxilio, tentae um esforço supremo. Dobrae-vos, joelhos rebeldes. E tu, meu coração, que as tuas fibras de aço voltem ao estado primitivo das do recem-nascido. Ainda me resta esta ultima esperança. (Retira-se a um lado da scena, ajoelha e ora.)

Entra HAMLET
HAMLET (vendo o rei)

A occasião é propicia, está orando. Coragem, Hamlet. Sim, mas salvar-se-ía a sua alma, e não é essa a minha vingança desejada. Reflictâmos; um scelerado assassina meu pae, e eu, seu filho unico, abro as portas do céu a esse infame! Seria uma recompensa e não um castigo. Assassinou meu pae, entregue ás preoccupações da carne, quando seus peccados mais vivazes estavam, como as flores na primavera; e quem sabe, a não ser o céu, que contas daria ao Creador? as penas eternas, de certo, não o pouparam. Seria uma vingança immolar este scelerado, quando a sua alma deve estar pura, quando está preparado para a sua ultima viagem? Não! Entra na tua bainha, minha espada, e espera para ferir, golpe mais terrivel e justo. Quando estiver ebrio ou adormecido, ou encolerisado, ou immerso nos prazeres de um leito incestuoso, ou absorvido pelo jogo, ou blasphemando, ou praticando algum acto contrario á salvação da sua alma, então fere, que as penas do inferno serão poucas para um tal crime. (Olhando para o rei.) Prolonga ainda os teus dias enfermos: adiar não é desistir. (Sáe.)

O REI

Sobem as minhas palavras, o pensamento não, e as palavras sem o pensamento não chegam ao céu. (Sáe.)

SCENA IV

Um quarto no castello
Entram a RAINHA e POLONIO
POLONIO

O sr. Hamlet não tarda. Reprehenda-o asperamente; diga-lhe que os seus atrevimentos excedem os limites da paciencia, e que vossa magestade já teve que se interpor entre elle e a colera do rei. Nada mais digo, senhora, peço só que falle com firmeza.

A RAINHA

Fallar-lhe-hei com firmeza, esteja descansado. Afaste-se, ouço os seus passos. (Polonio esconde-se.)

Entra HAMLET
HAMLET

Que me quer, minha mãe?

A RAINHA

Hamlet, offendeste gravemente teu pae.

HAMLET

Minha mãe offendeu gravemente meu pae!

A RAINHA

Como insensato fallas.

HAMLET

A rainha falla como culpada!

A RAINHA

Que queres tu dizer, Hamlet?

HAMLET

O que é, senhora?

A RAINHA

Esqueces quem eu sou?

HAMLET

Pela cruz do Redemptor, que não. Rainha é, foi esposa do irmão de seu marido, e prouvera a Deus que não o fosse, mas é minha mãe!

A RAINHA

Mandar-te-hei alguem que melhor do que eu te saiba fallar.

HAMLET

Vamos, sente-se, minha mãe. Não se moverá, não saírá d'aqui emquanto eu não tiver posto diante dos seus olhos um espelho em que possa ver até ás profundidades da sua alma.

A RAINHA

Que pretendes de mim? queres tu porventura assassinar-me? Acudam á rainha, acudam!

POLONIO (por detrás do reposteiro)

O que é! olá, soccorro!

HAMLET (desembainhando a espada)

Que é isso? Um rato? (Dando-lhe uma estocada.) Aposto um ducado em como o matei!

POLONIO (atrás do reposteiro)

Mataram-me, eu morro. (Cáe para fóra do reposteiro e morre.)

A RAINHA

Que fizeste, infeliz?

HAMLET

Ignoro-o; seria o rei? (Levanta o reposteiro e puxa pelo cadaver de Polonio.)

A RAINHA

Que acto de crueldade e de sangue!

HAMLET

De sangue; quasi tão reprehensivel, minha mãe, como assassinar um rei e desposar o irmão!

A RAINHA

Assassinar um rei?

HAMLET

Sim, um rei, foi o que eu disse. (A Polonio.) Quanto a ti, pobre diabo, louco, temerario e indiscreto, as nossas contas estão ajustadas, aprendeste á tua custa o perigo que corre quem se intromette nos negocios dos outros. (Á rainha.) Cesse de estorcer-se. Silencio, sente-se, quero torturar o seu coração, e fal-o-hei, se ainda possue alguma sensibilidade, e o habito do crime não a bronzeou a ponto de ser insensivel a toda a especie de emoção.

A RAINHA

Que fiz eu, Hamlet, para que me falles n'esse tom ameaçador?

HAMLET

Uma acção que mancha o rubor e a graça do pudor; que transforma a virtude em hypocrisia; que arranca á fronte innocente do amor a sua corôa de rosas, e a substitue por uma chaga asquerosa; que torna os juramentos do hymeneu tão falsos como os do jogador! Oh! uma acção que rouba ao corpo dos contratos a santidade, que é a sua alma, e faz da religião uma rapsodia de palavras. Indigna-se o céu, contrista-se o globo solido e compacto, lê-se-lhe nas faces a consternação como se fosse o ultimo dia do mundo.

A RAINHA

Qual é pois a acção que denunciam este ameaçador preludio e esta expressão fulminante?

HAMLET (mostrando dois retratos em pé que ornam as paredes)

Veja bem esses dois retratos, são as imagens de dois irmãos. Veja que graça impressa n'estas feições: o cabello annellado de Apollo; a fronte do proprio Jupiter; o olhar de Marte, onde se lê a commando e a ameaça; o porte de Mercurio, o mensageiro celeste, quando apenas pousa o alado pé sobre o cimo das nuvens; uma tão feliz reunião das fórmas perfeitas, que cada um dos deuses parecia ter contribuido com o seu quinhão, como se quizessem mostrar ao mundo o modelo do verdadeiro homem! Esse era o seu primeiro esposo. Volva agora os olhares para este lado. Eis o que é o seu segundo esposo! que, similhante á espiga mangrada, pelo seu contacto causa a morte a sua irmã a espiga sã. E saberá ver? Como pôde então abandonar as ferteis e salubres collinas, para se immergir n'este immundo paul!! Se ainda tem olhos, senhora, não póde imputar ao amor o seu comportamento; na sua idade já se acalmou a effervescencia do sangue, e a paixão obedece á rasão. E qual seria a creatura racional, que ousasse trocar o seu primeiro marido por este segundo? É sem duvida dotada de sensibilidade, aliás não seria um ser animado; mas na senhora estão paralysados todos os sentimentos, porque não ha demencia que não deixe ao que verga sob o seu peso uma porção bastante de discernimento, para saber escolher entre objectos tão dissimilhantes. Que demonio a perturbou a ponto de lhe vendar os olhos? A vista sem o tacto, o tacto sem o auxilio da vista, o ouvido sem o uso das mãos e dos olhos, o olfato só por si, uma porção mesmo alterada de um verdadeiro sentido, não podiam ter-se enganado tão estultamente. Oh! vergonha! onde está o teu rubor? Inferno rebelde, que assim pódes atear a revolta nos sentidos de uma mulher, ha muito esposa e mãe. Que admira que, para a ardente juventude, a virtude seja como a cera, que se derrete á chamma que alimenta; que não seja vergonha ceder quando nos arrasta a paixão, poisque o proprio crystal se funde e a rasão prostitue aos desejos os seus vergonhosos serviços.

 
A RAINHA

Oh! Hamlet, cessa por piedade, obrigas o meu olhar a volver-se todo para a minha alma, e n'ella descubro máculas tão negras e tão profundamente impressas, que nada já as póde lavar.

HAMLET

Viver no suor impuro de um leito infecto, sobre o esterco da corrupção, revolver-se no lodaçal de um asqueroso amor.

A RAINHA

Cala-te, Hamlet, as tuas palavras são outras tantas punhaladas. Piedade! querido filho!

HAMLET

Um assassino, um scelerado, um miseravel, que não vale a centesima parte do seu primeiro marido, um rei de comedia, um ladrão, que empalmou o poder, e que achando a corôa debaixo de mão, a roubou e a metteu no bolso!

A RAINHA

Hamlet!

HAMLET

Um palhaço!

Entra a SOMBRA
HAMLET

Protegei-me e abrigae-me sob vossas azas, anjos do céu. (Á sombra) Que pretendes de mim, sombra querida?

A RAINHA

Infeliz! enlouqueceu.

HAMLET (á sombra)

Vens tu reprehender a tibieza de teu filho, que, deixando passar o tempo, arrefecer a sua indignação, não se apressou em cumprir os teus terriveis preceitos? Falla!

A SOMBRA

Recorda-te que o unico fim d'esta minha apparição é atear em ti o fogo da resolução. Mas vê, tua mãe está succumbida, interpõe-te entre ella e os seus remorsos; é nas mais debeis organisações que mais estragos causa a imaginação. Falla-lhe tu, Hamlet.

HAMLET

Como se sente, minha mãe?

A RAINHA

Eu é que te devia fazer essa pergunta! Por que está teu olhar fito no espaço? por que conversas com seres immateriaes? Teu olhar indefinido revela a lucta da tua alma; como um soldado acordado em sobresalto; teus cabellos, como se a vida os animasse, levantam-se e ouriçam-se sobre a tua fronte. Oh! meu querido filho, apaga a chamma da tua colera, com as tranquillas e limpidas aguas da paciencia! Mas para onde olhas tu?

HAMLET

É elle! Elle! Como está pallido! O seu aspecto, e o motivo que aqui o traz, commoveriam as proprias pedras. (Á sombra) Descrava de mim os teus olhos, receio que me feneça a resolução, vendo teu triste e commovente olhar; que se transforme o caracter dos meus actos talvez em lagrimas em vez de sangue.

A RAINHA

Mas, filho, a quem fallas assim?

HAMLET

Não vê nada, minha mãe?

A RAINHA

Nada, senão tudo quanto existe n'esta camara.

HAMLET

E nada ouviu?

A RAINHA

Cousa alguma, a não ser as tuas palavras.

HAMLET

Mas olhe, minha mãe, não vê como elle se afasta, triste e pensativo? É meu pae, vestido como trajava em sua vida. Eil-o, transpõe agora mesmo a porta. Saíu. (A sombra sáe.)

A RAINHA

É á exaltação da tua imaginação e ao delirio que de ti se apoderou, que são devidas estas creações phantasticas.

HAMLET

O delirio! Senhora, apalpe o meu pulso, e conhecerá que não está menos tranquillo que o seu. Não fallei influenciado pelo delirio. Interrogue-me; em vez de divagar, repetir-lhe-hei textualmente as minhas palavras; não estou louco; engana-se, minha mãe. Por Deus, não se embale, no pensamento falso, que é o meu delirio e não a sua culpa que me faz fallar! Seria cicatrizar exteriormente a chaga, que a consciencia nunca deixaria de augmentar interiormente. Confesse-se ao céu, arrependa-se do passado, premuna-se para o futuro, e não dê pasto ao verme do remorso, que acabará por totalmente corroer o seu coração e obliterar a sua consciencia. Perdoe á minha virtude, porque n'este mundo sordido e venal a virtude deve implorar o perdão do vicio e pedir o favor de poder fazer o bem.

A RAINHA

Oh! Hamlet! Dilaceras-me o coração.

HAMLET

Expulse a parte corrompida, e com a outra metade viva tranquilla e pura. Boa noite; evite meu tio, e se não podér ser virtuosa, ao menos pareça-o. O habito, esse monstro, que destroe e neutralisa em nós toda a sensibilidade, esse demonio do habito, é anjo n'isto, porque consente á virtude e ás boas acções as suas vestes proprias. Não veja hoje o seu esposo, tornar-lhe-ha mais facil a abstenção futura; o habito tudo póde, muda a natureza individual, doma o demonio, e expulsa-o com o seu maravilhoso poder. Boas noites mais uma vez! e quando sentir a necessidade da benção divina, então pedir-lhe-hei a sua. (Mostrando Polonio.) Quanto a este homem, arrependo-me do que fiz; mas obedeci ao céu; assim o quiz tornando-me instrumento das suas vinganças, punindo-o por mim, a mim por elle. Sepultem-no, eu responderei pela morte que lhe dei! Adeus, pois. Cumpre-me ser cruel por humanidade; o primeiro mal está feito, o maior ainda ha de vir. Uma palavra ainda.

A RAINHA

Que devo fazer?

HAMLET

Nada do que eu lhe disse! Receba as caricias do avinhado monarcha, preste as suas faces aos seus osculos, ouça-lhes as palavras de amor; então n'um diluvio de ardentes osculos, entre as mais lubricas caricias, confesse-lhe, revele-lhe tudo, diga-lhe que nunca estive louco, que o fingi, faça-lhe essa confidencia. Qual seria a rainha, bella, sensata e honesta, que hesitasse em confiar áquelle animal immundo e repellente, asqueroso reptil, tão importantes segredos? Quem guardaria silencio? Ninguem. Depois, olvidando o bom senso e a discrição, abra a gaiola e deixe voar as avesinhas, e seguindo o exemplo do bugio da legenda, por simples experiencia, introduza-se na gaiola e rompa o pescoço caíndo!

A RAINHA

Acredita, Hamlet, que se as palavras se compozessem de fôlgo e o fôlgo de vida, eu não teria vida para articular as que tu me disseste.

HAMLET

Devo partir para Inglaterra; sabe-o sem duvida, minha mãe?

A RAINHA

Infeliz! Tinha-me esquecido; pois isso está definitivamente determinado?

HAMLET

Ha cartas selladas, e os meus dois companheiros de estudos, nos quaes me fio tanto como na innocencia dos envenenados dardos das viboras, são os portadores da ordem! São elles que me hão de aplanar o caminho, e se encarregarão de me conduzir ao laço armado pela mais negra traição. Deixemos caminhar os acontecimentos. Causa devéras prazer ver rebentar nas mãos do proprio artifice a bomba que para outrem preparava. Nada ha, senhora, que nos dê mais gosto do que combater a traição, contraminando-a pela sagacidade. A morte de Polonio apressará a minha partida. Levemos o seu cadaver para a camara vizinha. Boas noites, minha mãe. Este conselheiro está agora verdadeiramente a sangue frio, discreto e grave; em vida era dotado de estupida garrulice. Agora basta, acabemos por uma vez. Boas noites. Adeus, minha mãe. (A rainha sáe por um lado, Hamlet pelo outro, arrastando o cadaver de Polonio.)

Fim do acto terceiro

ACTO QUARTO

SCENA I

Um quarto no castello de Elsenor
Entram o REI, a RAINHA, ROSENCRANTZ e GUILDENSTERN
O REI

Esses suspiros, esse difficil arfar do peito, tudo deve ter uma causa. Queremos conhecel-a e pelos senhores. Onde está nosso filho?

A RAINHA (a Rosencrantz e Guildenstern)

Deixem-nos sós um momento. (Os dois sáem.) (Ao rei) Ah! senhor, que noite esta!

O REI

Que ha de novo, Gertrudes; em que estado achaste Hamlet?

A RAINHA

Tão revolta está a sua rasão, como o mar e o vento, quando entre si luctam, disputando a sua força. N'um dos seus arrebatamentos do delirio, ouvindo mexer atrás de uma cortina, exclamou: Um rato, um rato, e desembainhando a espada, cravou-a no peito d'aquelle excellente ancião.

O REI

Oh! triste acontecimento! Igual sorte teria tido se ali me achasse; livre, corremos o maior risco, mesmo tu; todos, emfim. Que rasões daremos para explicar este acto sanguinario? Taxar-nos-hão de imprevidentes, a responsabilidade toda caírá sobre nós; dirão que deviamos ter isolado esse insensato, mas era tão grande a nossa affeição, que não comprehendemos o que a prudencia nos aconselhava. Obrámos como um homem atacado de um mal vergonhoso, que para guardar segredo deixa enraizar-se esse mal e destruir toda a seiva vital. Onde está Hamlet?

A RAINHA

Pondo em logar seguro o cadaver d'aquelle a quem deu a morte. No meio mesmo da sua demencia, conserva-se pura e intacta a sua intelligencia, como um metal precioso encravado em rocha bruta. Rebenta-lhe o pranto ao lembrar-se da acção que commetteu.

O REI

Saiâmos, Gertrudes. Quando o sol tocar o cume das montanhas, já Hamlet deverá ter embarcado; logo em seguida partirá para Inglaterra. Quanto a esta odiosa acção precisâmos achar na nossa auctoridade e no nosso engenho alguma desculpa que a releve aos olhos do mundo. Olá, Guildenstern? (Entram outra vez Guildenstern e Rosencrantz.)

O REI (continuando)

Meus amigos, procurem pessoas que os ajudem e auxiliem. Hamlet, na sua demencia, matou Polonio, cujo cadaver levou para fóra da camara de sua mãe. Tratem de descobrir onde o occultou, encarrego-os d'esta missão. Nada digam que possa irritar Hamlet, e levem o corpo do infeliz Polonio para a capella; peço-lhes só que se aviem. (Sáem Rosencrantz e Guildenstern.)

O REI (continuando)

Vamos, Gertrudes, convoquemos os nossos mais doutos amigos, demos-lhe a conhecer o nosso designio e a desgraça acontecida. Precavendo-nos d'este modo, talvez a calumnia, que arremessa o seu dardo envenenado de uma extremidade do mundo á outra, e cujos tiros são tão certeiros, como os do mais perfeito canhão, poupe o nosso nome, perdendo-se na immensidade do espaço. Saiâmos d'aqui. Na minha alma não sinto senão perturbação e terror! (Sáem.)

SCENA II

Outro quarto no castello
Entra HAMLET
HAMLET

Duvido que o encontrem.

VOZES DE FÓRA

Hamlet? senhor Hamlet?

HAMLET

De vagar. Que rumor é este? Quem ousa chamar Hamlet? Ah! eil-os que chegam. (Entram Rosencrantz e Guildenstern.)

ROSENCRANTZ

Senhor? que fez vossa alteza do cadaver?

HAMLET

Entreguei-o ao pó de que saíu.

ROSENCRANTZ

Mas em que logar para o podermos levantar e depositar na capella?

HAMLET

Não pensem em tal.

ROSENCRANTZ

Que devemos, pois, pensar?

HAMLET

Que pouco me importo com a sua cabeça, mas muito com a minha. Interrogado de mais a mais por uma esponja! Que resposta lhe póde dar o filho de um rei?

ROSENCRANTZ

É a mim que chama esponja?

HAMLET

A quem havia de ser? sim a ti, que bebes os favores, as recompensas e o poder real. Mas, no fim de contas, taes officiaes prestam ao monarcha relevantes serviços, são para elle como o fructo que o bugio conserva na bôca para depois o engulir; quando necessitar do que tem arrecadado, espreme-os como uma esponja, e ficarão completamente enxutos.

 
ROSENCRANTZ

Não comprehendo, senhor!

HAMLET

Estimo muito. As palavras do traficante só tem por domicilio os ouvidos do tonto.

ROSENCRANTZ

Diga-nos onde está o cadaver, e siga-nos á presença do rei.

HAMLET

Onde está o rei existe um corpo, mas o rei não está n'esse corpo. O rei é uma creatura.

ROSENCRANTZ

Uma creatura, senhor?

HAMLET

Uma creatura que nada vale! Conduzam-me á sua presença. Vamos jogar as escondidas. (Sáem todos.)