A Cidade Sinistra

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Seu queixo caiu quando ele viu a característica central. Situado dentro do granito ao nível dos olhos de Dagra havia uma joia de corte primoroso, duas vezes o tamanho do seu pulso. Pela Díade, a velha Cela não estava nos enganando. E ela também não estava exagerando.

Uma faixa de prata envolvendo a circunferência da joia, mantendo-a bem presa dentro do seu estojo de pedra. Rosas e verdes suaves volteavam pela superfície multifacetada da joia; reflexos da lâmpada a óleo cintilando.

“Doce Khariali,” ele sussurrou, invocando o nome da deusa primitiva das pedras preciosas e metais.

“Doce Khariali, de fato,” Oriken repetiu. “Lá está o nosso bebê!”

“É linda,” Jalis sussurrou.

Dagra colocou a lamparina no pedestal mais próximo, empurrando para o lado as pedras preciosas que ele continha, em seguida recuou. Poderia ter sido sua imaginação ou poderia ter sido a maneira como a luz brilhava das miríadas das faces da joia, mas parecia emanar um calor que não era físico, mas uma calma que tocava não a pele, mas a alma. Pode ter sido usada como uma pedra funerária, mas não pertencia a esta cripta mais do que o próprio Dagra pertencia aqui. Ele ficaria feliz em levá-la com ele.

“Estava esperando algo como um diamante,” Jalis disse com reverência. Ela deu um passo à frente para traçar a ponta do dedo pela superfície angular. “Mas isso não é um mero diamante ou eu sou uma mocreia.”

Ela tem direito a isso, Dagra pensou. A joia fez os poucos diamantes pequenos que tinha visto parecerem tão simples quanto vidro.

Em letras pesadas e ornamentadas acima da joia, as palavras Lajdie Cunaxa Tjiddarei foram esculpidas juntamente com as datas 152 e 225. Símbolos antigos estavam misturados com um texto Himaeriano Antigo e Sosarran Médio ao redor da joia em círculos concêntricos. Dagra imaginou que as palavras poderiam ser uma prece ou provavelmente uma declamação das realizações da senhora.

“Ela morreu há muito tempo antes da praga,” Oriken comentou.

“Provavelmente a primeira da sua linhagem,” Jalis disse. “Ou a primeira a alcançar a proeminência, de qualquer maneira. Sua posição no ponto mais distante da cripta sugere que ela foi a primeira a ser enterrada aqui.”

“Como os construtores sabiam quantos Chiddaris haveriam?” Oriken perguntou. “Todos os nichos parecem ter túmulos neles. Esta é uma suposição muito boa.”

“Acredito que somente os indivíduos importantes tinham uma vaga na cripta mortuária da família. Provavelmente o resto era enterrado na superfície. Além disso, se examinarmos os primeiros nichos, imagino que vamos descobrir que eles não foram usados como tal, mas apenas reservados.”

Dagra resmungou. “É uma pena que a velha Cunaxa aqui não foi a última a ser enterrada. Poderia ter nos poupado de caminhar pela extensão deste corredor amaldiçoado.”

“Imagino que se ela estivesse mais próxima da entrada,” Oriken disse, “então não seria ela procurando pela joia da família, não é?”

Dagra lançou um olhar frio para ele antes de voltar sua atenção para o prêmio deles. Ele apontou para um grupo de símbolos esculpidos no texto ao redor da joia. “Aqui estão algumas daquelas runas sobre as quais você fica empolgada, Jalis. Como aquelas na minha espada.” Ele segurou a lâmina larga do gládio na luz, indicando as inscrições escuras que percorriam sua extensão. “Attic algo-ou-outro, certo?”

“Antik rukhir.” O sotaque Sardayan de Jalis emprestou às palavras antigas um diferencial místico, enfatizando o k no final de antik com um ruído agudo da língua e rolando o r no final de rukhir. Ela se aproximou mais para inspecionar as runas. “A linguagem da Era Umbral nunca para de me surpreender. Tantas variações regionais que parecem ter evoluído completamente separadas umas das outras e, no entanto, mantiveram elementos comuns reconhecíveis. Estamos falando sobre milhares de anos atrás, antes que os primeiros escaleres atravessassem o Canal Ardente e, no entanto, antik rukhir era tão prevalente em Himaera quanto no continente Sosarran. E é anterior a todas as tribos antigas.”

Oriken deu de ombros. “Quem se importa? Eu disse isso quando você viu as runas pela primeira vez na espada de Dagra. Claro, é uma arma interessante, mas por que ficar toda empolgada sobre uma linguagem morta?”

“Não sei qual é o maior tesouro,” Jalis suspirou, com um sorriso irônico. “A joia ou sua compreensão incomum.”

“Tudo que estou dizendo é que temos a joia e vale muito mais do que Cela Chiddari está nos dando. Até eu consigo ver isso.”

“Todos nós concordamos que encontramos uma pequena fortuna,” Dagra disse, “mas quem tem o dinheiro para nos pagar o que realmente vale? Certamente ninguém que eu conheço. Quinhentas moedas de prata não devem ser ridicularizadas.”

Jalis assentiu em concordância e olhou para Oriken. “Além disso, estamos comprometidos pelo código. Até Orik não ignoraria as regras da guilda.”

Oriken deu um leve giro em seu chapéu. “Claro que não. Nem pense nisso. Mas estas regras cobrem como remover uma joia valiosa que está incrustrada em um pedaço sólido de granito? Eu preferiria entregar a coisa em uma única peça, se possível.” Dagra deu de ombros e olhou para Jalis, que balançou a cabeça. “Quero dizer,” Oriken continuou, “não é como se tivéssemos um martelo e um cinzel, é?”

Jalis murmurou uma maldição. “Em retrospecto, algo de um descuido.”

“Então como vamos tirá-la?”

“Nós usamos nossas espadas.” Dagra apontou para as armas na cintura de Jalis. “As suas seriam melhores para a tarefa, garota.”

Jalis riu. “Você está fazendo uma piada, sim? Não arruinaria minhas espadas, não importa seu valor.” Ela deu um tapinha na adaga longa de lâmina preta em seu quadril e a adaga fina de prata em sua coxa. “Dusklight e Silverspire são mais do que apenas armas ou ferramentas. Elas são obras de arte e insubstituíveis.”

Dagra suspirou e embainhou seu gládio. “Tudo bem. Deixe isso comigo.” Ele fez um gesto para Oriken se virar. Oriken o fez e Dagra desamarrou a algibeira lateral da sua mochila e vasculhou o interior, tirando a faca de caça de lâmina curta.

“Esta não é nenhuma faca sofisticada com um nome,” Dagra disse a Jalis, arqueando uma sobrancelha. “Um bom e velho pedaço sólido de aço que Orik tinha desde que éramos crianças.”

“Na verdade, eu dei um nome para ela,” Oriken disse, um brilho em seus olhos. “Chamei-a de Akantu em homenagem ao patrono das criaturas inferiores.”

“Não,” Dagra disse. “Você não fez isso. E você não deveria zombar dos deuses, muito menos nesta cripta.”

Oriken zombou. “Patronos não são deuses. Eles são homens e mulheres, não são diferentes de… bem, não são diferentes de mim e Jalis.” Ele deu um grande sorriso a Dagra.

“Vá se foder,” Dagra sugeriu.

Ele colocou a ponta curvada da lâmina na fresta entre o granito e a prata e começou a alavancá-la para frente e para trás, trabalhando com cuidado ao redor da circunferência da joia.

“Não escorregue,” Oriken disse.

“Duvido que sua faca possa danificar a joia,” Jalis disse. “É por isso que não vou manchar minhas lâminas nela. Parece mais forte do que um diamante.”

O coração de Dagra acelerou quando a faca de caça escorregou sobre a faixa de prata. Sua ponta afiada oscilou pela joia, emitindo um grito estridente.

“Pelas pedras de Cherak, Dag!” Oriken disse. “Você está tentando perder nossa recompensa?”

Dagra estufou as bochechas e soprou enquanto seu nervosismo começava a acalmar. Ele pensou que havia arruinado o prêmio deles, mas não havia o menor risco em nenhuma das superfícies angulares da joia.

Jalis suspirou. “Obrigada por testar minha suposição, Dagra,” ela disse categoricamente. “Creio que podemos considerar o ponto comprovado.”

Havia um leve tremor na mão de Dagra quando ele inseriu a ponta da faca de volta na ranhura. Ele girou a lâmina e o arranhar do aço na pedra sussurrou pelo corredor escuro.

“Você acredita que é mágica?” ele perguntou.

Oriken deu uma gargalhada. “Não seja ridículo.”

“Talvez tenha encantamentos entremeados nela. Lembra daquela garota em onde foi?” Dagra franziu o cenho enquanto mencionava a lembrança nebulosa. “Aquela que Maros resgatou?”

“Dificilmente diria que ele veio em seu socorro,” Oriken disse. “Ela foi perseguida por abelhas após perturbar um ninho.”

“Dag tem um ponto,” Jalis disse. “Aquela garota usou magia para fazer um carvalho voltar a ser uma muda.”

“Assim nos disseram.”

Dagra arrepiou. “Bem, eles a levaram para o Arkh depois disso, portanto deve haver uma verdade nisso.” A joia estava começando a se soltar.

Oriken zombou. “Se eu visse com meus próprios olhos, eu acreditaria. Não considero tudo que ouço como verdade.”

“Eu sei.” Dagra suspirou.

“Ela era uma fada-de-nascença, Orik,” Jalis disse baixinho. Dagra podia sentir seu hálito quente em seu pescoço enquanto o observava trabalhar. “Diga o que quiser sobre algumas outras coisas, mas posso lhe assegurar que fadas-de-nascença realmente existem.”

Oriken não respondeu e a conversa cessou. Enquanto Dagra trabalhava, sua imaginação também. Em sua mente, ele viu novamente a cova do enterro exposto cheio de teias de aranha. Em algum lugar atrás da parede sedosa jazia um parente retorcido e murcho da sua cliente. E por trás da placa em que ele agora trabalhava, jaziam os ossos da ancestral mais antiga de Cela, Cunaxa.

Um esqueleto agora, ele garantiu para si mesmo. Apenas ossos. Nada a temer. Ele alavancou a lâmina para frente e para trás e com uma torção final a joia funerária deslizou da pedra…

As órbitas dos olhos preenchidas com teias de aranha olhavam para ele. Em mudo horror, ele encarou de volta. O abrigo da joia agora emoldurava as feições afundadas de Lady Cunaxa Chiddari, cobertas com fios de seda e espiando através da fresta. A pele se esticava sobre o crânio como couro fervido, com tufos de cabelo fundidos na carne mumificada. A testa e as maçãs do rosto estavam enfeitadas com crescimentos escabrosos e o ricto terrível e sem lábios sorria para ele como se deleitado por ter companhia após longos séculos de solidão. Seus dentes enegrecidos se deslocaram e quebraram. Horrorizado, Dagra observava enquanto as teias se rasgavam e a boca se esticava mais e a mandíbula escorregou atrás da placa e caiu no chão com um ruído surdo.

 

“Gah!” Dagra saltou para trás, proferindo os nomes da Díade na esperança de que eles o tirassem do corredor pagão e o levassem de volta para a charneca. Bile subiu em sua garganta enquanto ele desviava o olhar do crânio encarquilhado.

“É apenas um cadáver, Dag,” Jalis disse baixinho.

“Ele se moveu!”

“Você perturbou sua posição, só isso.”

Saliva nadava em sua boca. Ele a engoliu. “Sim. Apenas um cadáver. É claro. Um cadáver, é claro!” Ele emitiu uma risadinha breve, mas maníaca. Captando os olhares divertidos dos seus amigos, ele pigarreou e se recompôs.

A joia estava nas mãos de Oriken. Ele a segurou no alto e olhou para ela, sem sentir medo do cadáver medonho que os observava. Jalis pegou a lamparina do pódio e a segurou perto do ombro de Oriken. A luz brilhou da superfície multifacetada da joia. Sua frente era circular, a faixa de prata apertada ao redor da circunferência, aparentemente forjada no lugar. De lado, a joia era mais plana, mas avolumava-se no centro ao redor de um núcleo sombreado que se quebrou em prismas na luz da lamparina. O ponto escuro fez Dagra se lembrar de ovos de gema preta do balukha do anoitecer ou um borrão de tinta dentro de uma escultura sólida de vidro. Ele estava começando a corrigir sua avalição sobre o valor estético da joia.

Oriken passou a mão pela parte de trás da joia. Seu rosto franziu em desgosto. “Vamos ter de dar uma esfregada nela mais tarde. Tem um pouco do rosto dela preso na joia.”

O estômago de Dagra revirou-se e seus joelhos cederam. Ele agarrou-se ao pódio ao lado dele em busca de apoio.

Jalis abriu sua mochila e passou um cobertor para Oriken. Ela segurou a mochila aberta enquanto ele embrulhava a joia e a enfiava dentro da mochila. Ela puxou o cordão firme e deu um nó, prendeu as alças da mochila e a pendurou no ombro.

“É melhor que seja sua roupa de cama e não a minha,” Dagra disse a ela. Quando soltou o pódio, seu olhar pousou na cabeça sem olhos, nariz e agora sem mandíbula de Cunaxa. Enquanto ele encarava zangado a matrona Chiddari, a cabeça deslocou-se novamente.

“Doce mãe dos profetas! Não me diga que aquilo não aconteceu!” A cabeça estava inclinada de viés, como uma criança atenta e curiosa para saber do que se tratava a comoção.

“Você pode soltar meu braço agora, Dag,” Jalis disse.

Ele murmurou um pedido de desculpas e cambaleou para a parede, apoiou-se nas pedras e vomitou. Quando acabou, ele passou a manga na barba e virou-se para ver Jalis e Oriken olhando para ele sombriamente, seus rostos inundados pelo brilho da lamparina.

Dagra forçou uma risada. “Não sei de onde isso veio.” Ele recusou o lenço oferecido por Jalis. “Não. Estou bem, sério. Apenas um…” Ele podia sentir o cadáver olhando para ele, mas manteve sua atenção firmemente em Jalis. “Temos o que viemos procurar. Vamos dar o fora daqui. Não faz sentido demorar, certo?”

Jalis assentiu e virou-se para ir embora, mas Oriken colocou uma mão em seu ombro. “Por que não nos mimamos com alguns extras na saída?” Ele apontou para as pedras preciosas em cima dos pedestais e nos recessos onde as pedras preciosas piscavam das sombras. Enquanto Jalis considerava suas palavras, ele pressionou o ponto. “Deveríamos, pelo menos, levar as que estão nestes pedestais para nossa cliente já que elas obviamente vêm como um pacote com a joia. Certo? Se ela não as quiser…” Ele deu de ombros.

Jalis não pareceu convencida.

“Caminhe e fale,” Dagra disse. Ele pegou a lamparina de Jalis e seguiu pelo corredor, seus amigos acompanhando para seguir a única fonte de luz.

“O contrato não menciona nada além a joia,” Jalis disse. “Se levamos mais, nossas ações poderiam ser consideradas um sacrilégio.”

Dagra cuspiu um palavrão. “Este lugar inteiro é irreverente.”

Oriken zombou. “Como pode estar bem roubar o maior tesouro, mas errado levar os menores?”

“Ei,” Jalis disse, “Não faço as regras.”

Oriken suspirou. “Não é como se Dag não tivesse embolsado uma pedra.”

“Oh, sua criança!” Dagra virou-se. “Sério? É uma ninharia sem valor! Um pedregulho bonito de um túmulo saqueado!”

Jalis resmungou baixinho. “É isso o que você pensa, Dag ou é o que você espera?”

“Não comece com isso novamente. Agora não. Vamos apenas voltar para casa, voltar para a riqueza e um banho quente.”

“Você não conseguirá nenhum argumento de mim aí,” ela disse. “Orik, os túmulos nesta cripta pertencem aos ancestrais da nossa cliente. Se perturbamos qualquer um deles ao remover suas pedras preciosas – a maioria das quais parece ser relativamente inútil de qualquer maneira, como Dagra diz – estaremos efetivamente roubando da própria Cela, independentemente das nossas intenções, por mais ostensivas que elas possam ser.” Ela olhou para Oriken intensamente. “Dagra encontrou sua pedra preciosa no entulho quebrado; ele pode mantê-la, mas deixamos o resto.”

“Você é o chefe,” Oriken disse com um suspiro. “Mas e a cidade?”

Jalis sugou o ar através dos dentes e olhou para ele de soslaio. “Vamos conversar sobre isso depois que deixarmos o cemitério. Já desperdiçamos mais de metade do dia.”

Oriken olhou para ela por um momento, mas não disse mais nada e a conversa caiu em silêncio enquanto eles refaziam seus passos através do longo corredor.

Dagra não poderia ter se importado menos sobre a pedra de sangue que ele pegou. Seus pensamentos estavam na joia funerária, determinado a trazer-lhes uma herança inesperada lucrativa de fato. Mas, ainda mais, seus pensamentos estavam na matrona da cripta, seu olhar sem olhos atento a partida deles do seu lugar de descanso.

Logo, a cova de sepultamento profanada tornou-se visível novamente. As marcas de arranhões, agora cobertas pelas pegadas de Dagra e seus companheiros, conduziam da laje quebrada até a escada…

Para distrair sua imaginação errante, Dagra disse, “Mas Orik tem um ponto. É uma ética questionável que podemos profanar um túmulo se é parte do nosso contrato, mas, caso contrário, é desaprovado.” Ele deu uma gargalhada abrupta e procurou no bolso a pedra de sangue. “Quer saber? Nem quero este pedaço de lixo. Pensei que poderia ficar bem no gládio, mas com o dinheiro que vamos ganhar eu poderia comprar uma das tetas brilhantes de Khariali se eu quiser.”

“Melhor as tetas de Khariali do que as pedras de Cherak,” Oriken gracejou.

Com um movimento do pulso, Dagra deslizou a pedra de sangue nas sombras e ouviu seu ruído ecoar pelo corredor.

“Dag.” Ao seu lado, os olhos de Jalis lançaram um sorriso. “Não disse que as outras criptas no cemitério não eram alvos viáveis, apenas a cripta de Chiddari. Todo este lugar já foi arruinado por uma deusa e abandonado por séculos. Alguns poucos mortais não podem consagrá-lo muito mais do que já foi feito.”

Dagra retribuiu o sorriso com um fraco. “Verdade. Mas não tenho certeza se estou interessado. Não é como se tivéssemos trazido uma mula conosco; qualquer coisa que encontrássemos, teríamos de arrastar por toda Colina Scapa e parte de Caerheath. Obrigado, moça, mas não. Apenas quero dar o fora deste maldito lugar morto e empoeirado e respirar um pouco de ar fresco, arruinado ou não.”

Oriken resmungou baixinho enquanto se arrastava atrás dele, mas se em concordância ou não, Dagra não poderia dizer e não se importava muito. Ele forçou seus pensamentos para a viagem de volta para casa e para passar o resto do ano em Alder’s Folly sem contratos longos e árduos, sem lugares subterrâneos escuros e sombrios e sem mais cadáveres.

Deuses, ele pensou. Por favor, sem mais cadáveres.

Capítulo Dez

Intrusos

Dagra soprou o sulco da lamparina para extinguir a chama, depois entregou para Jalis. Com um suspiro de alívio, ele saiu da cripta Chiddari para a vista melancólica do cemitério. A esfera vermelha de Banael estava dispersa através de uma cobertura de nuvens, sua parte inferior mergulhando mais perto do horizonte do que Dagra estava confortável. Ele lançou um olhar semicerrado para a estátua de Cunaxa.

Bem, senhora, ele pensou. Poderia dizer que outrora você foi uma grande beldade, só que acabei de ver sua mandíbula cair.

Riachos leves de névoa estavam escorrendo através das rachaduras do solo árido. Cachos de coisas lambiam e acariciavam as bases mofadas das lápides e rastejavam nos caminhos arruinados. Mesmo enquanto ele observava, a névoa estava se espalhando.

“Por quanto tempo ficamos lá?” Oriken perguntou, seus olhos na sombra suave sob seu chapéu enquanto olhava para o sol baixo.

“Horas,” Jalis disse.

“Não pareceu tanto tempo.”

“Talvez não para você,” Dagra disse.

Oriken voltou sua atenção para a cidade, estufou as bochechas e soltou um assobio baixo. “Deve haver um monte de tesouro lá. Só o castelo deve conter uma fortuna. Poderíamos nos abrigar em um dos prédios durante a noite. O lugar esteve abandonado por séculos; duvido que alguns dos proprietários se importaria.”

“Vamos lá, Orik,” Jalis disse. “Você é um homem ou catador? Não se esqueça que temos uma longa viagem de volta até o bolsão cheio de pântano mais próximo de civilização, além de mais alguns dias de viagem até voltarmos para Alder’s Folly. Não gosto de arrastar tesouros através de centenas de quilômetros e mais de campos infestados de pântanos, monstros e muito provavelmente mais do que não encontramos em nosso caminho até aqui.”

“Não estou falando sobre encher nossos bolsos e mochilas, apenas um punhado de lembranças. Não machucaria.”

Por um momento, Dagra se viu considerando o assunto. Ele quis dizer o que disse a Jalis sobre não estar interessado em saquear pedras preciosas de segunda categoria, mas quando olhava para a expansão da cidade era difícil não imaginar uma riqueza maior do que meros pedaços de pedras bonitas. Moedas provavelmente entulhavam o lugar. E joias com diamantes preciosos e safiras, esmeraldas e rubis. Ou armas, como seu próprio gládio antigo; as espadas curtas, de lâmina larga, raramente eram forjadas desde o fim da Grande Insurreição e Lachyla seria o melhor lugar para encontrar outro.

Gostaria de um segundo gládio, ele pensou, mas não tanto assim. Por mais angustiante que tem sido, não foi tão ruim quanto eu imaginei. Talvez amanhã, durante a luz do dia…

Ele balançou a cabeça para purgar a tentação e franziu o cenho para a névoa que se formava. “Deveríamos começar a nos mover antes que esta coisa se torne um problema.”

“Mas, ouça...”

Jalis lançou a Oriken um olhar de cautela. “Eu disse que discutiríamos isso mais tarde e nós iremos. Por enquanto, Dagra está certo. De volta à ponte levadiça.” Pegando o olhar de Oriken para o distante Portão dos Defuntos que separava o cemitério da cidade, ela apontou um dedo para o norte, para a charneca. “Aquela ponte levadiça.”

Eles desceram o caminho estreito que ligava a cripta Chiddari ao Caminho dos Defuntos central. Enquanto caminhavam, Oriken mantinha um monólogo sobre os tipos de tesouro que eles poderiam descobrir no castelo. Ele estava no meio do fluxo quando Jalis parou abruptamente e levantou uma mão para sinalizar uma parada.

“O que é?” Oriken perguntou.

“Diga-me uma coisa,” ela disse. “Quão confiante devemos estar que a cidade está deserta? Podemos presumir que todos os cidadãos de Lachylan morreram durante a praga?”

“Huh? É claro. Mesmos aqueles que escaparam estão mortos há muito tempo. Por que você pergunta?”

Jalis olhou por cima do ombro de Dagra para o cemitério nebuloso. “Então, você está dizendo que nós, três freeblades destemidos, somos as únicas pessoas aqui?”

Dagra franziu o cenho. “Conheço este tom e nunca é um bom sinal. Se você tem algo a dizer, apenas diga. Se não...”

O olhar distante de Jalis tornou-se pétreo. “Estava apenas me perguntando por que de repente parece ser a hora do luto em Gardine dessa Mortas.”

 

“Não faço ideia do que você...” Silenciado pela expressão de Jalis, Dagra acompanhou seu dedo que apontava. Oh, deuses, ele pensou. Não…

Figuras de aparência frágil estavam surgindo da névoa e moviam-se com indiferença entre os túmulos. Mais estavam se materializando na distância entre a névoa do solo, difícil de discernir das árvores enegrecidas e das lápides mais ornamentadas. Uma estava mais perto do que as outras – Dagra já havia olhado diretamente para ela e confundido com uma árvore baixa e retorcida. Balançava na brisa, seus membros esqueléticos estendidos diante dela como galhos e ramos que se esticavam.

“Por favor, me diga,” Oriken sussurrou enquanto olhava para as figuras cambaleantes, “que alguém solicitou uma visita guiada ao cemitério e esqueceu de mencionar.”

Aço assobiou quando Jalis sacou suas adagas. “Temo que não.”

“O que são elas?” Oriken perguntou.

Enquanto Dagra olhava para as formas parecidas com assombrações, a observação de Jalis na cripta Chiddari voltou para ele, que as pegadas somente se dirigiam em uma direção. Ele tinha presumido que outra pessoa esteve na cripta, mas se…

“Nós vamos,” ele disse. “Agora.”

Ele começou a correr ao longo do centro do Caminho dos Defuntos, com Jalis e Oriken seguindo logo atrás. A névoa estava rapidamente engrossando em uma neblina crescente e pesada, as nuvens acima se agrupando em mimetismo, escurecendo o começo da noite em um crepúsculo falso. Mais figuras estavam se aproximando das bordas mais distantes do cemitério, dirigindo-se lentamente, mas sem dúvida, para o Caminhos dos Defuntos.

Mais à frente do caminho, uma mão ressequida agarrou a borda de trás de uma cripta e uma figura grotesca apareceu à vista. O que restava da sua roupa havia se tornado um com seu corpo afligido pela praga, a carne escurecida pela idade agitando-se ao longo do tecido. O rosto afundado virou-se para Dagra. Seus lábios murchos e gengivas enegrecidas com lascas quebradas de dentes estavam abertos em um grito silencioso.

Ele desacelerou quando a criatura deu passos hesitantes na direção dele. Os raios de Banael atravessaram as nuvens por apenas um momento, caindo sobre o rosto apodrecido e aprofundando suas cavidades sombreadas. O cadáver levantou uma mão para proteger o rosto. Ele cambaleou na luz do sol, mas continuou seu avanço lento.

“Querida, doce Aveia,” Dagra suspirou. “Está morto. Eles estão todos mortos. Deuses misericordiosos, Cunaxa Chiddari realmente se moveu! Eu sabia! Ela se moveu e nós apenas ficamos ali conversando!”

Quando Oriken se aproximou, ele agarrou o braço de Dagra e apertou com grosseria. “Sai disso, Dag! Não encare boquiaberto. E use sua energia para correr em vez de ficar balbuciando.” Ele continuou correndo, suas pernas compridas levando-o rapidamente ao longo do amplo Caminho dos Defuntos.

A perspectiva de ficar para trás foi o suficiente para tirar Dagra do seu pânico crescente e incitá-lo a seguir em frente. Ele desviou os olhos do cadáver com olhar malicioso e bombeou suas pernas curtas mais rápido. Jalis alcançou e acompanhou o ritmo ao seu lado.

“Os mortos de Lachyla,” ele ofegou entre as respirações, “devem permanecer em Lachyla.”

“Os mortos em todos os lugares devem permanecer mortos,” Jalis disse. “Mas se você está certo, descobriremos em breve.”

Em todas as direções, o lugar estava se enchendo com as criaturas. Um gemido gutural começou da mais próxima; um sussurro úmido e crepitante como líquido espesso derramando sobre folhas crocantes. O barulho se intensificava à medida que mais mortos emprestavam suas vozes ao coro medonho. Em instantes, o cemitério soava com o murmúrio sibilantes dos seus habitantes.

A corrida saltitante de Oriken o levou rapidamente ao longo do caminho caindo aos pedaços, diretamente em direção a uma multidão de cadáveres. Quando ele saltou sobre uma lajota levantada, seu chapéu voou da cabeça. Ele o pegou no ar, caiu no chão correndo e fixou-o com firmeza novamente no lugar em que pertencia sem a menor pausa.

Apesar do horror nas imediações, Dagra deu uma gargalhada com Oriken se importando sobre seu chapéu enquanto o próprio Inferno irrompia ao redor deles.

Quando Oriken alcançou a horda, ele varreu seu sabre em um golpe alto e amplo para trás na linha de frente dos cadáveres, a lâmina curva mordendo seus rostos e pescoços. Desequilibrados pela força do golpe, eles cambalearam para trás e alguns caíram. Uma cabeça desperdiçada caiu de um pescoço fino como pergaminho e bateu nas pedras. Oriken bateu o guarda-mão do sabre no rosto do cadáver mais próximo, em seguida bateu a bota no peito de outro. Em instantes, o caminho estava limpo para Dagra e Jalis passarem. A palma de Dagra suava enquanto ele apertava o punho de couro do gládio. Ele trocou um olhar sombrio com Jalis e eles seguiram em frente.

O caminho e o solo estéril em ambos os lados se perderam sob o manto crescente da neblina, obrigando Dagra a desacelerar seu ritmo enquanto tropeçava sobre escombros soltos e pedras submersas. A neblina havia consumido as lápides mais baixas e as partes superiores das entradas das criptas que se projetavam como os arcos de navios que afundavam, suas estátuas de pedra ou metal servindo como figuras de proa sombrias. Os horrores esqueléticos e abominações apodrecidas se agitavam entre tudo isso como passageiros que se afogavam.

Oriken era um borrão de movimento na neblina que engrossava à medida que mais criaturas vagavam na direção do Caminho dos Defuntos. Ele picava e retalhava, socava e chutava em seu caminho até eles. Ele gritou por cima do ombro, mas as palavras ficaram perdidas para Dagra em meio ao clamor dos mortos. Esquivando-se da mão de um cadáver, Oriken o golpeou com um soco de viés de esquerda, quase derrubando-o, mas o cadáver deu um passo hesitante na direção de Dagra e parou. Curvou-se, suas feições arruinadas pareciam farejar o ar, sentindo-o.

Então Dagra estava em cima dele, varrendo o gládio em um brutal arco para cima. A lâmina cantou através da neblina e mordeu profundamente o antebraço levantado do cadáver, estilhaçando o osso. O apêndice quase cortado balançava inutilmente, os dedos se contorcendo em nos cachos de neblina quando a criatura teve a intenção de segui-lo, mas Dagra seguiu em frente, seu terror silenciado pela adrenalina furiosa. A visibilidade tinha praticamente desaparecido agora. A neblina o obrigou a desacelerar para pouco mais que uma corrida leve enquanto ele navegava os obstáculos escondidos das pedras de calçamento irregulares e outros detritos. Seus olhos disparavam de um lado para o outro enquanto ele tropeçava através da escuridão. Os mortos continuavam se movendo desajeitadamente, gemendo seu lamento profano.

“Lá!” Oriken gritou de algum lugar à frente. “O portão!”

Graças aos deuses! Dagra pensou. Quase lá.

Um cadáver apareceu diante dele. Ele soltou um grito, mas engoliu seu medo e bateu um ombro nele. O cadáver agitou-se para trás, mas endireitou-se. Permaneceu firme, bloqueando seu caminho.

O peito de Dagra ofegava enquanto ele olhava em repulsa. O outrora elegante vestido e forma vagamente feminina marcava o cadáver como uma mulher. Seus olhos eram uma bagunça de crostas de sangue sobre bochechas encovadas. Pústulas inchadas cobriam a cavidade da mandíbula perdida. Um cisto surgiu quando gorgolejou através do buraco da garganta. Dagra vomitou e o cadáver se pôs em movimento.

Ele arremeteu e empurrou o gládio em seu peito. Enquanto puxava a lâmina, a cabeça deu uma guinada para frente e explodiu, borrifando-o com seu ichor fétido. Ele jogou os braços para cima para proteger o rosto e cambaleou para trás.

Oh, deuses abençoados, tenho sua cabeça em cima de mim. Aveia, como eu merecia isso?

O cadáver sem corpo foi arremessado na névoa, substituído pelo perfil inconfundível de Oriken.

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