A Atriz

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‘Quando eu tiver alguma evidência, eu vou te contar.’

O taxi a levou diretamente para a porta do clube, de vez em quando o motorista olhava para ela, mas foi educado e agradeceu quando ela deixou a gorjeta.

O clube estava discretamente situado em um armazém reformado não muito longe de Canary Wharf, tinha concessão exclusiva para o comércio, com um pequeno pórtico marrom em forma de meia concha sobre a porta. Derek estava atrás do bar com sua habitual jaqueta branca e camisa preta, dando instruções ao novo bartender sobre como misturar um de seus coquetéis. Há uma alta rotatividade no clube, em grande parte porque Derek é um tirano quando as portas se fecham, no entanto, agradável quando está com seus clientes. Ele olhou para cima, sorriu abertamente para Mai e fez um sinal com a cabeça apontando para a parte de trás do salão.

Embora houvesse uma caverna no andar de baixo que abrigava o espaço do DJ, Mai sabia que a maioria das pessoas que ela conhecia estava reunida no fundo do salão. Era um local mais tranquilo e mais fácil para fofocar. O salão estava sutilmente iluminado como a câmara escura de um fotógrafo, facilitando evitar pessoas simplesmente por ficar de costas e ignorar a presença deles. Assim que ela passou pela porta, dezenas de pares de olhos brilhantes se voltaram para ela, da mesma forma que uma alcateia de leões que tinha acabado de avistar uma gazela.

Stefan a notou imediatamente, o rosto dele estava iluminado sob seus cabelos loiros e curtos. Ele veio até ela, pegou-a pelo braço e a conduziu para uma mesa vazia, uma forma solícita e comicamente exagerada. Ele vestia uma camisa justa cinza da Pineapple Studios e uma calça preta de sarja e estava com um leve brilho em sua pele, como se ele estivesse trabalhando. Eles se sentaram nas cadeiras de couro que Derek tinha garimpado de um falido clube de cavalheiros.

Stefan se inclinava intencionalmente.

‘Agora, minha jovem, conte-me tudo. Como foi seu primeiro dia?’

‘Eu tenho que te contar?’

‘Você não me negaria a possibilidade de fofocar, negaria? Há alguma coisa que deva saber?’

‘E eu que achava que você estava interessado em mim ... ‘

Os olhos de Stefan se arregalaram ainda mais. ‘Oh, minha querida, eu estou. Eu realmente estou. Mas você precisa estabelecer algumas prioridades. Não vou negar a possibilidade de um romance. Agora me fale, como foi realmente? Assustador ou prazeroso?’

‘Eu não conheço mais ninguém que usaria a palavra prazeroso numa conversa.’

Stefan abriu os braços como para dizer, Esse é o milagre que eu faço.

Mai disse, ‘Eles pararam de servir bebidas aqui?’

‘Hmm ... será que estou percebendo alguma relutância em falar sobre hoje? Foi ruim?’

‘Vamos dizer que o Pedro não escolheria ser muito diplomático. As perspectivas de carreira dele são limitadas.’

‘Ele foi grosso?’

‘Eu acho que ele preferia dizer que foi honesto.’

‘Bem, minha opinião é ... dane-se.’

‘Estou feliz que você demonstrou o que pensa.’

Stefan deu um sorriso forçado. ‘Deixe-me pegar um drink para te consolar. O de sempre?’

‘Por favor. Não com muito vinho branco.’

Stefan foi até o bar para buscar o spritzer que ela tinha escolhido como sua bebida preferida. Agora que os olhos dela estavam aclimatados, ela olhou ao redor para as pessoas no salão – eles aparentavam na maioria vinte ou trinta anos, penteados deslumbrantes, sapatos brilhantes, incluindo seus dentes. Eram da mídia ou outro tipo – televisão, revista, moda. Ela conhecia muitos deles, ou pelo menos sabia o que faziam: Stefan era um experiente guia sobre quem era quem na mídia em Londres. Ele era um ano mais velho que ela e tinha ido direto da escola na área rural de Northampton para o centro de Londres, primeiro para estudar dança e depois para praticá-la. Ele tinha acabado de conseguir seu primeiro trabalho em uma companhia de dança contemporânea. Ela estava orgulhosa dele.

Ele voltou e sentou-se próximo à ela, direcionando sua cadeira para dentro do salão e ficou como se estivesse assistindo à televisão.

‘Estão todos bem esta noite, bom para uma segunda-feira. Veja aquele garoto com bigode falhado – você o reconhece?’

‘Não, nem o bigode.’

‘Ganhou a semifinal da Generation Ex na semana passada. Veio com aquela garota que está no bar, com os braços finos e com uma blusa azul do Exército da Salvação. Logo ela será uma ex, eu acho.’

‘Como você sabe essas coisas? Recebe algum e-mail que eu não recebo?’

‘Uma hora de manhã fazendo ginástica – sintonizo nas estações certas e o mundo todo está lá. Além de um fluxo de informações do aplicativo MailOnline.’

‘Linha direta com o Inferno.’

‘Eu sei, o que um viciado em fofoca poderia fazer? Então me diga, como é o Alfie?’

‘Vou dizer quando eu puder vê-lo.’

Stefan adquiriu uma feição simpática e se virou para ela.

‘Oh querida.’

‘Ensaios – piores que os meus. Parece que isso está acontecendo há meses. O primeiro show deles será esta semana.’

‘Avise-me e eu irei com você. Você pode precisar de uma desculpa se eles falharem. Só estou dizendo.’

‘Eu não me importaria mas ele não está mantendo contato. Você sabe, meu primeiro dia de ensaio. Um pouco de interesse não seria nada mal.’

‘Ele é um garoto ocupado.’

‘Não o defenda, Stefan. Você se diverte muito com a situação para ser um mediador.’

‘Você tem certeza que não estudou em uma universidade? Grandes palavras.’

‘A universidade da vida, meu filho. Um estúdio de televisão. Ou você aprende rápido ou afunda. Você cresce na velocidade da luz.’

‘E se torna forte como velhas botas.’

Mai sorriu pela primeira vez. Stefan sabia que descrevê-la uma pessoa forte ativaria sua ironia. Ele tinha recebido muitas ligações dela, tarde da noite nos últimos dois anos, para acreditar que ela tivesse qualquer traço de resistência.

Ele disse, ‘Então você está bem, é sério?’

‘Eu vou ficar.’

‘Não basta, querida. Estou exigindo demais de mim mesmo porque eu quero fazer o que estou fazendo. Não gostaria de pensar que você está apenas se divertindo com isso. Não é o nosso caso. É questão de querer ou não fazer isso. Há muitas pessoas que estarão na mesma situação.’

‘Meu Deus, Stefan, eu estou bem, é sério. Foi apenas um primeiro dia difícil. Se eu não pudesse reclamar com você, com que meu reclamaria? Há alguém a quem eu posso contar?’

Stefan olhou-a de forma severa, e então piscou. ‘Só para confirmar. Você é boa, não se subestime.’

Mai deu um tapa em seu braço. ‘Sendo assim, vou ao banheiro.’

Ela se levantou e se dirigiu até o fundo do lounge lotado. O próprio ar parecia brilhar com o resplendor de homens e mulheres jovens, que estavam sentados heroicamente em frente ao bar ou em uma intimidade forçada às mesas enclausuradas. Ela sentiu o ruído do andar de baixo e o estrondo da música, como uma brisa quente, quando ela passava pela porta de saída de incêndio.

Quando ela estava empurrando a porta do banheiro, alguém chamou-a pelo nome. Ela reconheceu a voz e suspirou sobriamente antes de se virar.

Helena Cross estava sentada com dois jovens à uma mesa baixa e a estava olhando com um sorriso falso; ela demonstrava toda a sinceridade de um apresentador de TV, sem o charme da discrição. Esta noite ela vestia um vestido curto azul claro e um decote que deixava seus seios inchados voltados para frente e convidativos, como se tivessem sido empurrados por mãos bobas.

Ela disse, ‘Mai, que legal. Ouvi dizer que você iniciou os ensaios.’ Ela manteve aquele sorriso plastificado o tempo suficiente para preparar Mai para um desafio. ‘E então, como foi? Disseram que seu diretor é um pequeno Hitler.’

‘Helena – bom ver você.’ Ela olhou para cada homem ao lado dela: jovens pálidos com cabelos escuros cheios de produtos. ‘Quem são esses garotos?’

Helena era alguns anos mais velha que Mai e entendeu a crítica. Ela preferiu ignorar.

‘Eles são bons sujeitos.’ Ela olhou um e depois o outro e então se levantaram para apertar as mãos de Mai, como se Helena tivesse enviado uma mensagem telepática.

‘Jasper.’

‘Tarquin.’

Mai disse, ‘Uau, ainda colocam esse tipo de nome em alguém?’

Eles balançaram a cabeça de forma quase idênctica. Eles iriam preferir serem chamados de Harry ou Max, ou até mesmo Jude.

Helena disse, ‘Não consigo fugir deles. Posso ir a qualquer lugar de forma incógnita e eles aparecem, como Paparazzi sem câmeras. Eu acho que eles devem estar pagando alguém para me seguir. Eles descobrem onde estou indo, então eles lavam seus cabelos, escovam seus dentes e me encurralam como uma presa ... ‘ – ela sendo caçada por uma foto – ‘... Bambi. Quem me dera poder dizer que não gosto de atenção, mas nem sempre isso é possível, não é?’

‘Tenho certeza que eles são muito bem comportados.’ Ela olhou para eles. ‘Não são?’

Ambos deram um sorriso sem graça, devotos como vigários que permanecem inofensivos. Um único ataque de ofensa significaria banimento total da mesa de uma celebridade – a menos que fosse pelo dono da mesa.

 

Helena disse efusivamente, ‘Então, você soube da história de Deannah. É claro que você vai participar.’

‘Você vai?’

‘Os primeiros votos são para que eu esteja lá. Eu não queria, mas Finn me convenceu. Você sabe que ele é um pássaro difícil. Ele está mais para um pequeno papagaio cruel no meu ombro do que para um assessor. Alguém me disse que já sou a favorita. Muito chique!’

‘Que bom. Isso deve ser muito bom.’

‘Oh, é sim muito bom. Não posso imaginar como será essa competição – você pode?’

Ela saiu mantendo seu sorriso brilhante por um segundo a mais. Ela está preocupada, Mai pensou. Ela não quer que eu participe.

Mai tinha tirado de Helena o papel de Steffi no Terraço Amberside dois anos antes, e ela nunca mais esqueceu, nem mesmo quando se destacou diante dos olhos do público como uma celebridade, por ter atuado de tempos em tempos em musicais no Teatro West End e dançado em programas de TV. Mai não era de se vangloriar, mas no caso de Helena, ela estava perfeitamente disposta a abrir uma exceção.

Ela disse, ‘Tenho que ir. A natureza me chama.’

‘Então você não vai disputar por Deannah?’

Mai deu um sorriso falso. ‘Isso seria divulgado.’

‘Porque dizem que no Daily Paper eles estão torcendo por mim. O russo, que é o proprietário, aparentemente gosta de mim. A competição é apenas uma maneira de obter alguma publicidade, mas ele quer que eu ganhe.’

Assim que ela empurrou a porta e entrou no banheiro feminino da caverna, iluminado como a ponte da Nave Estelar Enterprise, Mai pensou: Ela realmente não deveria ter me dito aquilo. Ela já tinha decidido que não iria se envolver nessa competição. Ela tinha muito que fazer nas próximas quarto semanas para perder tempo em outro lugar. Mas alguma coisa tinha ascendido o seu espírito competidor: talvez por ter pensado que o papel estaria sendo dirigido para alguém que não o entendia. Atriz em ascensão toma importante decisão no banheiro de uma casa noturna. Foi um daqueles momentos decisivos que deixam uma pequena marca em sua consciência e que ela sabia que nunca seria capaz de apagá-la ou esquecê-la, como um entalhe em um armário Chipperfield.

Quando ela saiu do banheiro, Helena ainda estava sentada àquela mesa, porém sozinha. O sorriso já não mais existia e a atmosfera havia mudado. Mai percebeu que ela tinha dispensado os garotos para que eles não testemunhassem o que iria acontecer. Helena levantou-se da sua cadeira e chegou tão perto de Mai que ela pôde ver onde sua maquiagem tinha manchado causando-lhe novas sardas. Tão perto, rosto largo, olhos amplamente espaçados e a boca grande – tão impressionante em fotos profissionais – agora parecia feia e nojenta. Um alerta selvagem vinha de dentro de suas pupilas escuras.

‘Eu sei o que você está fazendo,’ disse ela a Mai. ‘Eu já vi você fazer isso antes e eu não vou deixar que isso se repita comigo novamente.’

Mai sentiu-se inferior, diminuída.

‘Estou aqui para encontrar um amigo. Desculpe-me se você não pode lidar com isso.’

‘Ha ha, sempre cruelmente inteligente e espirituosa. Nunca se perde com as palavras, não é mesmo, espertinha? Eu tive que lidar com pessoas assim como você a minha vida toda e eu não vou perder novamente. Eu vou conseguir o papel de Deannah e vou te derrubar.’

‘Eu acho que você deveria parar de ir à academia de ginástica, isso está lhe causando alucinações.’

‘Você está sendo legal agora porque é isso o que você sempre faz. Sempre no controle, com aquele sorriso de garotinha, não entra e nem sai do jogo. Eu conheço os seus métodos. Você quer que as pessoas venham até você ao invés de ir você mesma, mas não, você não pode demonstrar que realmente está querendo alguma coisa, não é? Assim as coisas ficam fáceis para você, não é mesmo? Fingindo tranquilidade.’

‘É você quem está dizendo isso. Está sendo repetitiva. Posso passar?’

‘Lembre-se, Mai, você não irá ganhar desta vez. Você conseguiu da última vez, filha de Geraldine Rose, fracassada estrela de filme, mas desta vez eu tenho algumas pessoas do meu lado. Agora é a minha vez, não ouse esquecer-se disso.’

Mai estava evitando olhar para ela e estava sendo empurrada para trás em direção à porta do banheiro feminino. Ela agora ergueu-se ereta, olhou diretamente nos olhos de Helena e inclinou-se para a frente para que a outra mulher tivesse que passar por trás dela.

‘Para sua informação,’ disse Mai, saboreando o som vindo de sua boca até mesmo a ponto de repetir as palavras, e repetindo disse, ‘Para sua informação, eu não iria entrar no jogo. Eu iria dizer, Obrigada, mas não, se eles tivessem me oferecido, mas agora, sou grata a você. Obrigada por ajudar-me a decidir. O jogo começou, sua vadia.’

Ela se voltou para trás, sabendo que Helena a estava olhando fixamente pelas costas e imaginando que ela estivesse com aquela boca larga ainda mais aberta – ela nunca ficava bem assim.

Ela ascenou para Stefan enquanto passava por ele e seguia em direção a Patty Leading, editora de entretenimento do Daily Paper. Ela segurava o que parecia ser um coquetel Bloody Mary em uma de suas finas mãos, e uma câmera Canon de alta definição na outra. O corpo dela era de uma magreza profunda de alguém que se punia com exercícios físicos ao invés de fazer dieta. Ela estava conversando com um jovem rapaz com cabelos ruivos em cascata, que Mai pensou que era um membro ‘rebelde’ de uma nova banda formada por garotos. Ele vestia um agasalho de treino vermelho brilhante, em público.

Ela pegou Patty pelo braço e puxou-a para o lado.

‘Você pode me garantir que a votação da enquete para o papel de Deannah será justa?’

Patty pareceu confusa, desconfortável, porque as rugas ao redor dos seus olhos de repente revelaram uma idade que o resto do seu espírito tentava fortemente esconder.

‘Helena falou com você, não é, querida? Alguém do trabalho deve ter contado a ela alguma coisa em que acreditou. Valentin não seria capaz de discernir Helena Cross de Helena Bonham Carter. Exceto se houvesse a probabilidade de ele ter assistido ao Planeta dos Macacos.’

‘Como funciona isso? Eu preciso fazer formalmente a minha inscrição para o papel em algum lugar, ou algo assim?’

‘Não, não é necessário nada disso. Nós queremos que as pessoas votem por quem elas querem, embora estejamos dando algumas sugestões, é claro. Isso foi anunciado ontem na nossa edição de Domingo e o primeiro dia de votação foi hoje, e você já perdeu um dia, sua tonta.’

‘Por que tonta?’

‘Você já poderia ter iniciado a sua campanha com fotos e assim por diante.’

‘Eu estava trabalhando. Você sabe como é o dia de trabalho.’

Patty sorriu e tomou um gole do seu drink. ‘Estamos em busca de uma pequena lista com cinco nomes, por isso pedimos para que as pessoas votem dentro de poucas semanas.’ Ela olhou Mai mais de perto. ‘Você tem certeza que quer participar?’

‘Por que? Não é genuíno e confiável?’

‘Claro que sim. Os produtores disseram que utilizarão o resultado da enquete para lançar Deannah, por aclamação popular ou algo desse tipo. Eu apenas acho que você é muito inteligente para isso. Há quanto tempo nós nos conhecemos?’

‘Desde que você estava na Hello! Umas duas semanas depois que eu comecei na TV.’

‘Exatamente, e em todo esse tempo, quantas vezes você veio a mim dessa forma para tentar se promover? Não responda, eu lhe direi. Nenhuma vez, precisamente. Você nunca foi atrás de holofotes. Por que iria agora?’

Mai não disse nada, sua mente ainda estava se recuperando do veneno lançado por Helena. Ela percebeu que estava apertando cada vez mais o braço de Patty. Então ela o soltou fazendo-a baixar sua mão.

Ela disse, ‘Talvez seja a hora de ir atrás de holofotes. Desde que eu comecei na TV, as pessoas diziam que isso um dia iria acontecer.’

Patty mostrou-se incrédula.

‘Você não acredita nisso.’ Ela levantou sua camera e a direcionou para o rosto de Mai. ‘Posso tirar uma foto sua, momentos depois de ter tomado uma decisão assim tão importante?’

‘Não!’

Ambas deram risada.

Patty disse, ‘Então me diga por que você está fazendo isso? Por que quer ser Deannah?’

Mai pensou por um instante.

‘Eu me sinto como se eu já estivesse atuando nesse papel. E eu não posso imaginar ninguém mais além de mim para fazer isso.’

‘Isso tudo parece uma grande bobagem. Nem parece você.’

‘Eu sei. Mas há uma conexão entre mim e Deannah que nem eu compreendo. Senti isso quando estava lendo o livro e nunca mais esqueci. Tenho apenas vinte anos e parece que nasci para interpretar esse papel. Isso é muito estranho, não é?’

‘Além de estranho é também assustador. Não leve isso tão a sério, Mai. Isso é apenas a indústria do entretenimento, não é a vida.’

‘Aí é que você se engana.’




CAPÍTULO TRÊS


A MANHÃ DE TERÇA-FEIRA deu os primeiros sinais do fim do outono. Uma pequena onda de frio que exigia luvas e cachecóis. Quando ela chegou nos portões da velha escola, Mai ficou atrás de um grande pilar feito de pedra, protegida do vento persistente e telefonou para Alfie. Era apenas oito horas e quarenta e cinco minutos da manhã mas ela estava cheia de esperança. Folhas rodeavam seus tornozelos e o céu cinza ficava pontilhado de pássaros estridentes e impacientes para voar em direção ao sul.

Ele atendeu no segundo toque.

‘Alô.’

‘Passou a noite acordado ou acabou de acordar?’

‘Acordado desde às sete, fazendo ginástica. Uma grande turnê está por vir, não posso adoecer.’

‘Impressionante. Eu estou do lado de fora de uma escola no sul de Londres.’

‘Teve sorte com os garotos da escola?’

‘Sou muito velha para eles. Eles não se interessam nem se eu lhes oferecer doces.’

‘Passei por isso nos meus vinte anos. Não há nenhuma esperança para nós, então.’

Ambos fizeram uma pausa e ouviram a respiração do outro. Mai sentiu o frio subindo pelo seu rosto, uma sensação de aperto nos lábios e nas orelhas. Ela pensou por que estava tendo aquela conversa naquela hora. O que ela queria?

Alfie disse, ‘Então você virá amanhã? Consiga um lugar na primeira fila. Venha nos bastidores para ver a banda e depois atire tulipas em nós, ou calcinhas, você escolhe.’

‘Ainda tem o mesmo nome?’

Ela tinha tentado persuadí-lo a não usar The Gastric Band como nome da Banda, mas os amigos sarcásticos e adolescentes crescidos de Alfie se recusaram a mudá-lo. Com o tour agendado, isso agora era provavelmente tarde demais. A pequena gravadora tinha desistido de gravar após duas reuniões de três horas terem resultado em um silêncio taciturno por parte dos membros da banda. Apesar das ameaças vindas da crítica, pode-se incluir frases como ‘The Gastric Band’ não são suficientemente unidos e ‘The Gastric Band’ não consegue nem resolver seus próprios problemas. ‘

Alfie disse, ‘Não comece, Mai. Está feito. Então você estará lá?’

‘Eu vou tentar. O diretor dessa peça é um nazista, então não posso confiar que terminaremos em tempo.’

 

‘Os nazistas são conhecidos por não serem pontuais.’

‘Você sabe o que eu quero dizer.’ Ela não podia evitar dizer, com a voz na defensiva operando dentro dela, ‘Não seja exigente.’

Ao invés de lhe dar uma resposta, ele não disse nada, como de costume. Ela sabia que ele não era capaz de lidar com qualquer tipo de conflito, então ele fingia não existir nenhum. Ironicamente, isso foi o início de um conflito entre eles.

Após um momento ele disse, ‘Você não ligou ontem.’

‘Você também não, garoto esperto.’

‘É verdade, desculpe. Foi por falta de tempo. Eu terminei somente à meia-noite. Não quis ligar por causa dos seus ensaios e tudo mais.’

‘Tudo bem, aconteceu o mesmo comigo. Por isso não liguei.’

Ela ficou pensando por que não mencionou que tinha saído com Stefan. Ela não se sentia totalmente culpada.

Alfie disse, ‘Então foi bom ou o quê?’

‘Não, na verdade foi um lixo.’ Ela de repente sentiu vontade de chorar, seus olhos ficaram marejados. ‘O diretor é um déspota. Um pretensioso. Ele quer me quebrar, como um cavalo ou algo assim, para que eu faça exatamente o que ele quer.’

‘Você precisa de um homem forte para bater nele?’

‘Seria bom.’

‘Eu vou ver se eu acho um ... ‘

Mai sorriu suavemente – isso é exatamente o que ele diria. O interessante é que Alfie poderia ser tão dinâmico e substancial por trás de sua figura, entretanto, tão reservado na vida real. Talvez seja isso que o tenha feito extravasar toda sua raiva e frustração.

Ela disse, ‘E tem outra coisa. Você pode ouvir falar muito de mim nos jornais em breve.’

‘Deannah ha-ha.’

‘Acertou.’

‘Fácil. Joe me contou sobre isso. Ele viu você lendo o livro quando chegou para o ensaio. Perguntou se você poderia se interessar. Eu procurei por isso na internet ontem à noite.’

‘Entâo, o que você acha? Devo participar?’

‘Ela definitivamente é você, não é? Uma garota comum que se torna uma princesa de meio-período.’

Mai deu risada. ‘Seu bobo. De qualquer forma, eu não preciso da sua permissão. Eu já disse a eles que estou na disputa.’

‘Um pouco de concurso de beleza. É isso o que quer?’

‘Parece que sim, uma vez que eu aceitei participar. O que você acha?’

‘Hey, é a sua carreira. Você decidiu fazer a peça. Você decidiu fazer o lixo do filme.’

‘Ainda não sabemos se será um lixo. Isso dependerá dos efeitos especiais. Um garota tem que começar em algum lugar.’

Mai não estava gostando da direção que a conversa estava tomando. Alfie parecia agressivo sem motivo esta manhã, como se ele estivesse liberando alguma tensão interna por testar sua resiliência.

Ela disse, ‘Está tudo bem com você?’

‘Sim, por que?’

‘Não sei. Você parece ... conciso.’

‘Você também estaria concisa se estivesse ensaiando dez músicas para daqui a três semanas sem nenhum descanso. Meus braços estão doendo continuamente e eu não posso sentir os meus dedos. Estão como bananas nas extremidades dos meus pulsos para servir como experimento de um cruel médico cirurgião.’

Da mesma forma como aconteceu muitas vezes quando ela estava nos ensaios, Mai começou a examinar o que ela estava sentindo. Não sabia se queria expressar a leve sensação de raiva e frustração que ela estava sentindo naquele momento, o que ela faria agora? Poderia olhar nos olhos de Alfie? Queria tocá-lo? Esbofeteá-lo? Beijá-lo?

‘Você ainda está aí?’ Sua voz estava afiada.

Ela voltou para o presente, para o frio no seu rosto e a sensação da tela de vidro do seu celular na sua orelha.

‘Estava apenas pensando,’ ela disse. ‘Eu tentarei ir amanhã. Pode ser que eu traga Stefan. Ele pode fingir ser meu namorado, deixando o caminho livre para você com seu fã-clube de garotas de dezesseis anos.’

‘Elas têm vinte anos e eu posso ter mais problemas com elas. Elas discutem mais.’

Mai sorriu ao telefone novamente.

Alfie disse, sua voz está mais suave, ‘Não se preocupe com a peça. Você é boa e sabe disso. O Pedro é um estúpido. O que ele irá fazer – demitir você? Provavelmente não.’

‘Ele já fez isso antes, evidentemente. Não tem consideração.’

‘Mas ele terá que enfrentar a ira do meu baterista depois.’

‘Um espetáculo.’

‘É o barulho que eu faço que realmente os assustam.’

Pedro deu início ao segundo ato, onde o grande símbolo da peça faz uma aparição – um pássaro morto a tiros por um dos personagens que o oferece ao personagem interpretado por Mai. Ao invés de utilizar um objeto cenográfico real, Pedro tinha trazido um macaco de pelúcia, fazendo com que todos caíssem na risada enquanto revisavam o seu potencial simbolismo na peça. Ele riu com os outros por um tempo mas logo ficou entediado e começou a gritar com eles.

Já era hora do almoço e eles estavam ensaiando o segundo ato em uma série de cenas chatas. Muitos personagens tinham cenas com falas longas, fazendo com que Pedro tivesse que dar a eles a sua cópia pessoal do texto, e os atores, desinteressados, suspiravam em alívio e voltavam para os bancos alinhados à parede. Mai ficava pensando quando isso começaria melhorar.

Quando pararam para almoçar, ela viu uma familiar jaqueta esportiva bege no fundo do auditório. Eric estava lá, ela percebeu que ele estava lá por mais ou menos meia hora, provavelmente para observar como as coisas estavam indo.

Ela indicou com os olhos que iria vê-lo do outro lado, pegou seu sanduíche e caminhou para a porta de saída de incêndio, próxima à uma pilha de mesas sobre cavaletes.

Ela se sentou perto dele na parede do parquinho infantil da escola e de repente sentiu-se novamente como uma colegial em Northampton, tipicamente de lado ouvindo as outras garotas de sua idade falarem sobre garotos e música. Elas provavelmente morreriam ao saber onde ela está agora – se encontrando com um namorado que é atualmente ­­integrante de uma banda.

‘Minha mãe ligou para você, então.’

Construtores, decoradores e eletricistas estavam cantarolando enquanto passavam pela rua em furgões brancos. Eric esperou até que houvesse silêncio.

‘Você não acha que eu devo verificar periodicamente? Ver se está tudo bem com você? Você não confia em mim, garota.’

Ela ofereceu a ele um sanduíche, mas ele recusou. Como de costume, ele precisava cortar o cabelo e não seria pedir muito se fizesse também a barba. Quando ela estava mais generosa, ela preferia pensar que ele estava muito ocupado cuidando dos seus negócios, que não tinha tempo para se preocupar com sua aparência pessoal. Quando ela estava chateada, ela achava que ele era apenas um desleixado.

‘Você alguma vez já lustrou os seus sapatos? Eles parecem exatamente os mesmos de quando fomos naquele lugar da fazenda em Amberside. Lembra?’

Eric mexeu os ombros. Ele nunca se sentiria envergonhado a ponto de mudar a sua aparência.

Ele disse, ‘Parece que você tomou uma outra decisão sem me consultar. Eu não acho que as condições dos meus sapatos têm tanta importância em comparação com a natureza precária do nosso relacionamento profissional.’

Mai suspirou irritada e se voltou para seu sanduíche. Sempre que Eric tinha que dar início a uma difícil discussão, sua linguagem tornava-se complexa, como se ele pudesse evitar que a mensagem real fosse transmitida pelo uso criterioso das sílabas.

Ela disse, ‘Ontem um amigo fez-me lembrar que você é meu assessor e não o meu chefe.’

‘Verdade, verdade, e eu poderia infligir algum dano físico a alguém que dissesse o contrário. Mas há algumas coisas que precisamos considerar de forma estratégica. Afinal, sua carreira não é a mesma coisa que agendar um horário com o cabeleireiro. É um compromisso de longa duração, e toda decisão, cada momento decisivo em um compromisso assumido precisa ser considerado por uma infinidade de ângulos diferentes.’

‘Como um diamante.’

‘Se quiser, sim. Como um diamante.’

‘Ou quartzo.’

‘Você não pode me hostilizar, Mai.’ Ele parou e olhou para uma mulher negra que passou pelo portão da escola, resmungando para ela mesma. ‘Estou aqui para cuidar dos seus interesses. Você se lembra quando sua mãe a colocou em contato comigo, há dois anos? Nós assinamos o contrato e naquele contrato eu dizia que eu sempre trabalharia para maximizar tanto a sua renda como seu sucesso profissional. Trata-se disso. Você pode fazer a piada que quiser, e ocasionalmente até participarei, mas quando se referir a uma importante decisão como esta, eu gostaria apenas de um pouco de consideração. Você não pode tomar o controle e decidir participar de algo sem me consultar.’

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