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Memorias de José Garibaldi, volume II

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IX
ESCREVO AO PAPA

Foi por este tempo que soube em Montevideo a exaltação ao pontificado de Pio IX.

Sabe-se quaes foram os principios d'este reinado.

Como muitos outros acreditei n'uma epocha de liberdade para a Italia.

Resolvi logo para ajudar o santo padre nas generosas resoluções de que estava animado, de lhe offerecer o meu braço e os de meus companheiros d'armas.

Aquelles que acreditavam n'uma opposição systematica da minha parte ao papado, verão, pela carta que se segue que nada d'isso havia; a minha dedicação era á causa da liberdade em geral, em qualquer ponto do globo que ella brotasse.

Comprehender-se-ha entretanto que eu désse preferencia ao meu paiz, e que estivesse prompto a servir sob a direcção d'aquelle que parecia destinado a ser o Messias politico da Italia.

Julgamos Anzani e eu que este papel sublime era reservado a Pio IX, e escrevemos ao nuncio do papa a carta seguinte, pedindo-lhe para transmittir a sua santidade os nossos votos e os de nossos illustres legionarios:

«Muito illustre e respeitavel senhor.

«Desde o momento em que nos chegaram as primeiras noticias da exaltação do soberano pontifice Pio IX e da amnistia que elle concedia aos pobres proscriptos, temos com uma attenção e interesse recrescentes contado os passos que o chefe supremo da egreja tem dado sobre a estrada da gloria e da liberdade. Os louvores, cujo echo nos chega aos ouvidos de além dos mares, o arruido com que a Italia acolhe a convocação dos deputados e a applaude, as sabias concessões feitas á imprensa, a instituição da guarda civica, o impulso dado á instrucção popular e á industria, sem contar tantos cuidados, todos dirigidos para o aperfeiçoamento e bem estar das classes pobres, e para a formação de uma administração nova, tudo, emfim, nos convenceu que acabava finalmente de sair do seio da nossa patria, o homem que comprehendendo as necessidades do seu seculo, tinha sabido, segundo os preceitos da nossa augusta religião, sempre novos, sempre immortaes, e sem derrogar sua auctoridade, cingir-se todavia ás exigencias dos tempos; e nós ainda que todos estes progressos não tivessem influencia sobre nós mesmos, temol-os entretanto seguido de largo, e acompanhado com nossos applausos e nossas vozes o concerto universal da Italia e de toda a christandade; mas quando ha alguns dias soubemos do attentado sacrilego, no meio do qual uma facção sustida pelo estrangeiro, – não estando ainda fatigada, depois de tão longo espaço de despedaçar a nossa pobre patria – se propunha a destruir a ordem das cousas existentes, pareceu-nos que a admiração e enthusiasmo pelo soberano pontifice era uma fraca cousa, e que nos estava imposto um grande dever.

«Os que escrevemos, illustrissimo e respeitabilissimo senhor, somos os que, sempre animados d'este mesmo espirito que nos fez supportar o exilio, tomamos as armas em Montevideo por uma causa que nos parecia justa e que reunimos algumas centenas de homens nossos compatriotas que para aqui tinham vindo esperando encontrar dias menos tormentosos que os que soffriamos em a nossa patria.

«Ora, ha cinco annos que durante o cerco que rodeava os muros d'esta cidade, cada um de nós se propõe a dar provas de resignação e de coragem; e graças á Providencia e a este antigo espirito que inflamma ainda nosso sangue italiano, a nossa legião teve occasião de se distinguir, e cada vez que esta occasião se ha apresentado ella não a tem deixado escapar; tão bem que – creio que é permittido dizel-o sem vaidade – ella tem no caminho da honra excedido todos os outros corpos que eram seus emulos.

«Pois se hoje os braços que tem algum uso das armas, forem acceites por Sua Santidade, inutil é dizer que bem mais voluntariamente que nunca, nós os consagramos ao serviço d'aquelle que fez tanto pela patria e pela egreja.

«Nós nos julgaremos pois felizes se podermos vir em ajuda da obra redemptora de Pio IX, nós e nossos companheiros em nome dos quaes fallamos, e não julgaremos pagal-a cara com todo o nosso sangue.

«Se vossa illustre e respeitavel senhoria pensa que a nossa offerta possa ser agradavel ao soberano pontifice, deponha-a aos pés de seu throno.

«Não é a pueril pretenção de que o nosso braço seja necessario que vol-o faz offerecer; sabemos muito bem que o throno do Santo Padre pousa sobre bases que nem podem abalal-as ou assegural-as soccorros humanos, e que além d'isso a nova ordem de cousas conta numerosos defensores que saberão vigorosamente repellir as injustas aggressões de seus inimigos; mas como a obra deve ser repartida entre os bons, e o duro trabalho dado aos fortes, fazer-nos a honra de nos contar entre esses.

«Esperando, agradecemos á Providencia de ter preservado Sua Santidade das machinações Dei tristi, e fazemos ardentes votos para que ella lhe conceda numerosos annos para felicidade da christandade e da Italia.

«Não nos resta agora senão pedir a vossa illustre e veneravel senhoria de nos perdoar o tempo que lhe roubamos e de acceitar os sentimentos da nossa perfeita estima e profundo respeito com o qual somos de sua illustre e respeitabilissima senhoria os mais dedicados servidores.

J. Garibaldi.
F. Anzani.

«Montevideo, 12 de outubro de 1847.»

Esperámos em vão; não nos veiu nenhuma resposta do nuncio nem de Sua Santidade. Foi então que tomámos a resolução de ir a Italia com uma parte da nossa legião.

A nossa intenção era de ahi secundar a revolução onde ella já estava em armas, e suscital-a onde ella ainda dormisse, nos Abruzos, por exemplo.

A unica difficuldade que se oppunha a isto era que nenhum de nós tinha um só soldo para a viagem.

X
VOLTO Á EUROPA – MORTE DE ANZANI

Recorri a um meio que colhe sempre com os corações generosos: abri uma subscripção entre os meus compatriotas.

Começava esta a desenvolver-se, quando alguns espiritos iniquos começaram a sublevar entre os meus legionarios um partido contra mim, intimidando os que estavam dispostos a seguir-me. Insinuava-se a esta pobre gente que eu os conduzia a um perigo certo, que a empresa que eu sonhava era impossivel, e que uma sorte egual á dos irmãos Bandiera lhes estava reservada. Resultou d'isto que os mais timidos se retiraram, e que fiquei com oitenta e cinco, abandonando-me ainda d'estes vinte e nove depois de embarcados.

Por felicidade os que ficaram comigo eram os mais valentes, que haviam quasi todos sobrevivido ao ataque de Santo Antonio. Além d'isso eu tinha alguns orientaes confiados na minha fortuna e entre elles o meu pobre negro Aguyar que foi morto no cerco de Roma.

Disse que havia sollicitado entre os italianos uma subscripção para ajudar a nossa partida. A maior parte d'esta subscripção fôra fornecida por Etienne Antonini, genovez estabelecido em Montevideo.

O governo da sua parte offereceu de nos ajudar com todas as suas posses; mas eu conhecia tanto o seu critico estado financeiro que não quiz acceitar d'elle senão duas peças e oitocentas espingardas, que fiz transportar em o nosso brigue.

No momento da partida aconteceu-nos com o commandante do Biponte-Gazolo de Nervi, a mesma cousa que aconteceu aos francezes, quando foi a cruzada de Bandouin com os venezianos, que estes lhe tinham promettido de os transportar á terra santa; a sua exigencia foi tamanha que houvemos mister de vender tudo, até nossas camisas para a satisfazer, de tal fórma que durante a travessia alguns ficaram deitados por falta de fatos para se vestir.

Estavamos já a trezentas leguas da costa, pouco mais ou menos nas alturas das bocas do Orenoque, e divertia-me com Orrigoni no gurupés a pescar marzopas, quando de repente ouvi o grito de «Fogo, fogo!»

Saltar do gurupés á prôa, da prôa á ponte e deixar-me correr pelo bordo foi obra de um segundo.

Fazendo a distribuição de viveres, o distribuidor tinha tido a imprudencia de tirar a agua-ardente de um barril com uma luz na mão; a agua-ardente havia-se incendiado, e o que a tirava atarantara-se, e em vez de tornar a fechar o barril, tinha deixado correr a golphadas o liquido; sendo o aposento dos viveres um lago de fogo scintillante.

Foi ali que vi quanto os homens mais bravos são accessiveis ao terror, quando o perigo se lhes apresenta sob um aspecto differente d'aquelle a que são habituados.

Todos estes homens que eram heroes no campo de batalha se compelliam, corriam, perdiam a cabeça, tremulos e transidos como creanças.

No fim de dez minutos ajudado de Anzani, que havia deixado seu leito ao primeiro grito de alarma, tinhamos extinguido o fogo.

O pobre Anzani, com effeito estava de cama, não por estar inteiramente nú, mas porque se achava já violentamente tomado da doença de que devia morrer chegando a Genova, quero dizer de uma phtisica pulmonar.

Este homem admiravel ao qual o seu mais mortal inimigo, se acaso podia ter algum, não poderia achar um só defeito, depois de ter consagrado sua vida á causa da liberdade, queria que seus ultimos momentos fossem ainda uteis a seus companheiros de armas; todos os dias ajudavam-no a subir á ponte; quando não poude mais subir, fez-se para ahi transportar, e deitado sobre um colxão dava lições de estrategia aos legionarios, reunidos em redor d'elle.

Era um verdadeiro diccionario de sciencias o pobre Anzani; ser-me-ia tão difficil enumerar as cousas que elle sabia, como encontrar uma que não soubesse.

Em Palo, quasi a cinco milhas de Alicante, saltámos em terra para comprar uma cabra e laranjas para elle.

Foi lá que soubemos pelo vice-consul sardo parte dos successos que se passavam na Italia.

Soubemos que a constituição piemonteza tinha sido proclamada e que os cinco gloriosos de Milão se tinham passado, cousas que não podiamos saber á nossa sahida de Montevideo, isto é a 27 de março de 1848.

 

Disse-nos o vice-consul que vira passar navios italianos com bandeira tricolor. Não era preciso mas para me decidir a arvorar o estandarte da independencia. Arriei o pavilhão de Montevideo sob o qual navegavamos, icei immediatamente na verga do navio a bandeira sarda, improvisada com metade de um lençol, um casaco vermelho e o resto dos ornatos verdes do nosso uniforme de bordo.

Recordam-se que o nosso uniforme era a blouse vermelha adornada de verde com debruns brancos.

A 24 de junho, dia de S. João, chegámos á vista de Nice. Muitos entendiam que não deviamos desembarcar sem mais amplas informações.

Arriscava-me a muito, pois estava ainda condemnado á morte.

Todavia não hesitei, ou antes não teria hesitado, porque reconhecido pelos tripulantes de um navio, o meu nome espalhar-se-hia bem depressa, e apenas meu nome estivesse espalhado, Nice em peso correria para o porto, e seria preciso no meio das acclamações, acceitar as festas que nos eram offerecidas de todos os lados. Mal se soubesse que eu estava em Nice, e que tinha atravessado o Occeano para vir em auxilio da liberdade italiana, os voluntarios correriam de todos os lados. Mas n'esse momento eu tinha melhores projectos.

Da mesma fórma que acreditara no papa Pio IX, cria no rei Carlos Alberto; em vez de nos preoccupar de Medici que tinha expedido como disse a Via Reggio para ahi organisar a insurreição, encontrando a insurreição organisada e o rei do Piemonte á sua frente, julguei que o que tinha de melhor a fazer era offerecer-lhe os meus serviços.

Disse adeus ao meu pobre Anzani, adeus tanto mais doloroso por ambos sabermos que não nos tornariamos a ver, e embarquei para Genova, aonde cheguei ao quartel general de Carlos Alberto.

O resultado da minha entrevista com elle, provou-me que me havia enganado. Separamo-nos, pois, descontentes um com o outro, e volvi a Turim onde soube da morte de Anzani.

Perdia metade do coração.

A Italia perdia um dos seus mais distinctos filhos.

Oh! Italia! Italia! mãe infortunada! que lucto para ti no dia em que este bravo entre os bravos, este leal entre os leaes cerrou os olhos para sempre á luz do teu bello sol!

A morte de um homem como Anzani, eu t'o digo, ó Italia! deve arrancar do intimo seio da nação que lhe deu o nascimento um grito de dôr, e se ella não chora, se não se lamenta como Rachel na Roma, esta nação não é digna de sympathia ou piedade, porque não tem tido sympathia ou piedade pelos seus mais generosos martyres.

Oh! martyr, cem vezes martyr foi o nosso charo Anzani, e a mais cruel tortura soffrida por este valente foi de tocar a terra natal, pobre moribundo, e não acabar como viveu combatendo por ella, por sua honra, por sua regeneração.

Oh Anzani! se um genio egual ao teu tivesse presidido aos combates da Lombardia, á batalha de Novara, ao cerco de Roma, o estrangeiro não sulcaria a terra natal, e não pisaria os ossos de nossos avoengos!

A legião italiana, viram-no, tinha feito pouco, antes da chegada de Anzani; vindo elle, sob seus auspicios, percorreu uma carreira de gloria que tornára ciosas as nações mais engrandecidas.

Entre todos os militares, os soldados, os combatentes, entre todos os homens que trazem espada ou espingarda emfim que tenho conhecido, não vi um que podesse egualar Anzani nos dons naturaes, nas inspirações de coragem, nas applicações scientificas. Tinha o valor ardente de Massena, o sangue frio de Davesio, a severidade, bravura e temperamento de Manara!1

Os conhecimentos militares de Anzani, sua sciencia generica, ninguem os igualava. Dotado de uma memoria rara, fallava com uma precisão admiravel das cousas passadas, embora estas remontassem á antiguidade.

Nos ultimos annos da sua vida, o seu caracter estava sensivelmente alterado; tinha-se tornado acre, irascivel, intolerante, e, pobre Anzani, não era sem motivo esta mudança. Atormentado quasi incessantemente por dôres resultadas de numerosas feridas e da vida tempestuosa que tinha soffrido durante tantos annos, arrastava uma intoleravel existencia, uma existencia de martyr.

Deixo a uma mão mais habil que a minha o cuidado de traçar a vida militar de Anzani, digna de occupar as vigilias de um escriptor eminente. Na Italia, Grecia, Portugal, Hespanha e America encontrar-se-hão, seguindo-lhe a traça, documentos da vida do nosso heroe.

O jornal da legião italiana de Montevideo sustentado por Anzani, não é senão um episodio da sua vida. Elle foi a alma d'esta legião, dirigida, conduzida, administrada por elle, e com a qual se havia identificado.

Oh! Italia! quando o Todo-Poderoso tiver marcado o termo a taes desgraças, elle te dará Anzanis para guiar teus filhos ao exterminio d'aquelles que te vilipendiaram e tyrannisaram!

G. G.

XI
AINDA MONTEVIDEO

Antes de começar a narração da campanha da Lombardia executada por Garibaldi em 1848, diremos a proposito de Montevideo, tudo o que elle na sua modestia, não quiz dizer.

Devem lembrar-se do combate de 24 d'abril, da perigosa passagem da Boyada, e da maneira porque ahi se conduziram os legionarios italianos.

O official que contava estes acontecimentos ao general Paz disse unicamente referindo-se aos italianos:

– Bateram-se como tigres.

– Não admira, respondeu Paz, pois são commandados por um leão.

Depois da batalha de Santo Antonio, o almirante Lainé que então commandava a estação da Plata, admirado d'esta façanha, escreveu a Garibaldi a carta seguinte, cujo autografo existe em poder de G. B. Cuneo, amigo de Garibaldi. O almirante Lainé apparelhava então a fragata Africana.

«Felicito-vos, meu caro general, por terdes tão poderosamente contribuido, pelo vosso intelligente e intrepido proceder, para o alcance de uma victoria de que se ufanariam os soldados do grande exercito, que por momentos dominou a Europa.

«Felicito-vos egualmente pela simplicidade e modestia, que tornam mais preciosa a leitura, da relação dos numerosos detalhes que déstes, de uma victoria, de que sem receio, se vos póde attribuir toda a honra.

«De resto, esta modestia, trouxe-vos as sympathias de pessoas aptas para apreciar convenientemente o que tendes feito e alcançado em seis mezes, pessoas entre as quaes devo enumerar em primeiro logar, o nosso ministro plenipotenciario, o honrado barão Deffaudis, que honra o vosso caracter e n'elle tendes um caloroso defensor, sobretudo, quando se trata de escrever para Paris, no intento de destruir impressões desfavoraveis que podem nascer de certos artigos dos jornaes, redigidos por homens pouco habituados a fallar verdade, mesmo quando contam factos acontecidos á propria vista.

«Recebei pois o testemunho da minha estima etc.
«Lainé.»

Não se contentou só o almirante Lainé com o escrever a Garibaldi, quiz-lhe fazer os seus cumprimentos pessoalmente. Desembarcou em Montevideo, dirigiu-se á rua Portona, onde morava Garibaldi. Esta habitação, tão pobre como a do ultimo legionario, nunca se fechava, e dia e noite estava aberta para todos, e particularmente para o vento e chuva, como dizia Garibaldi, contando esta anedocta.

Era noite: o almirante Lainé empurrou a porta, e como a casa estivesse ás escuras tropeçou n'uma cadeira.

– Eia, disse elle, é necessario quebrar a cabeça para vêr Garibaldi?

– Oh mulher, exclamou Garibaldi, não reconhecendo a voz do almirante, tu não ouves, que vem ahi alguem? Allumia.

– Com que queres tu que eu allumie! respondeu Annita, não sabes que não ha com que se compre uma vella?

– É verdade, respondeu philosophicamente Garibaldi.

E levantando-se, abrio a porta do quarto em que estava.

– Por aqui, por aqui, disse elle, para que a voz á falta da luz guiasse a visita.

O almirante Lainé entrou, a escuridão era tal que viu-se obrigado a dizer quem era, para que Garibaldi soubesse com quem tinha que tratar.

– Almirante, lhe disse elle, desculpae, porém quando fiz o meu tratado com a republica de Montevideo, esqueceu-me entre as rações que me são devidas, especificar uma de vellas, ora como vos disse Annita, não possuindo o necessario para comprar uma vella, permanecemos na obscuridade; por felicidade supponho que vindes aqui para conversar comigo, e não para me verdes.

O almirante com effeito conversou com Garibaldi, porém não o viu.

Sahindo de casa d'elle, foi á do general Pacheco y Obes, ministro da guerra, e contou-lhe o que lhe tinha acontecido.

O ministro da guerra que acabava de fazer o decreto que se vae lêr, pegou em cem patacões e mandou-os a Garibaldi.

Garibaldi não quiz offender o seu amigo Pacheco, recusando-lhes, porém no dia seguinte, de manhã, pegou nos cem patacões, e distribui-os pelas viuvas e filhos dos soldados mortos no Salto de Santo Antonio, não guardando para si, senão o que lhe bastou para comprar um arratel de vellas, recommendando a sua mulher as poupasse, para servirem no caso do almirante Lainé o ir visitar outra vez.

Eis o decreto que redigia Pacheco y Obes, quando o almirante Lainé lhe foi fazer um appello á sua munificencia.

ORDEM GERAL

«Para dar aos nossos companheiros d'armas, que se immortalisaram nos campos de Santo Antonio, uma alta prova da estima em que os tem o exercito que illustraram neste memoravel combate:

«O ministro da guerra ordena:

«1.o No dia 15 do corrente, designado para a entrega á legião italiana de uma copia d'este decreto, formará em grande parada a guarnição, na rua do Mercado, até á praça do mesmo nome, na ordem que indicará o estado maior.

«2.o A legião italiana, formará na Praça da Constituição, com a retaguarda para a Cathedral, e ahi receberá a sobredita copia, que lhe será entregue, por uma deputação presidida pelo coronel Francisco Tages, e composta d'um commandante, d'um official, d'um sargento e soldado de cada corpo.

«3.o A deputação regressando aos seus respectivos corpos, se dirigirá com elles á praça indicada, e passando em continencia pela frente da legião italiana, os commandantes dos corpos, darão vivas —á Patria, ao general Garibaldi e aos seus valentes companheiros!

«4.o Os regimentos deverão estar formados ás dez horas da manhã.

«5.o Será dada copia authentica desta ordem do dia á legião italiana e ao general Garibaldi.

Pacheco y Obes.

O decreto ordenava:

1.o Que as palavras seguintes seriam inscriptas em letras d'ouro na bandeira da legião italiana:

Acção de 8 de Fevereiro de 1846 da legião italiana
commandada por Garibaldi

2.o Que a legião italiana teria a vanguarda em todasas paradas.

3.o Que os nomes dos mortos n'esta acção serão inscriptos em um quadro, collocado na sala do governo.

4.o Que todos os legionarios trarão para signal distincto, no braço esquerdo um escudo sobre o qual uma corôa guarneceria a seguinte inscripção:

Invincibili combaterono, 8 febraio 1846

Além d'isso Garibaldi querendo dar uma prova da sua sympathia e reconhecimento aos legionarios que haviam perecido a seu lado no dia 8 de fevereiro, fez elevar no campo de batalha uma grande cruz que tinha d'um lado:

Aos 36 Italianos mortos em 8 de Fevereiro de 1846

E do outro lado:

154 Italianos no Campo de Santo Antonio

Apesar da pobreza a que Garibaldi se achava reduzido, achou um dia um legionario mais pobre do que elle. Este legionario não tinha camiza.

Garibaldi levou-o a um canto, tirou a sua camiza e deu-lh'a. Indo para casa pediu outra a Annita, porém ella sacudindo a cabeça disse-lhe:

 

– Sabias muito bem que não tinhas senão uma, deste-a, agora peor para ti!

E foi Garibaldi que ficou sem camiza, até que Anzani lhe deu uma.

Porém Garibaldi era incorregivel, um dia tendo aprisionado um navio inimigo, repartiu a preza com os companheiros, e tendo dividido os quinhões, chamou os seus homens um a um, e interrogou-os sobre o estado das suas familias, dando aos mais desgraçados, do seu proprio quinhão, dizendo-lhe:

– Tomae isto para vossos filhos.

Havia além do mais uma quantia grande de dinheiro a bordo, que Garibaldi mandou para o thesouro de Montevideo, não tirando um unico centimo.

Algum tempo depois d'esta preza, não tinha senão tres sous em caza, tal tinha sido a repartição.

Isto deu motivo a uma anedocta que me contou o proprio Garibaldi.

Um dia, ouviu chorar a sua filha Therezita, adorava esta filha, e correu a ver o que lhe tinha acontecido. A creança havia cahido pela escada, e tinha a cara ensaguentada.

Garibaldi não sabendo como a havia de consolar, pegou nos tres sous que era toda a sua fortuna, e que reservava para uma grande occasião, e sahiu para ir comprar um brinquedo para consolar a creança.

Á sahida encontrou-se com um emissario do Presidente, Joaquim Soares, que o procurava da parte do seu amo para uma communicação importante.

Garibaldi dirigiu-se immediatamente a casa do Presidente, esquecido já do motivo que o tinha feito sahir, tendo machinalmente na mão o dinheiro. A conferencia durou duas horas, tratava-se com effeito de cousas importantes.

Garibaldi quando acabou a conferencia voltou para casa; a creança já estava socegada, porém Annita estava muito inquieta.

– Roubaram-nos, lhe disse ella assim que o viu.

Garibaldi lembrou-se então do dinheiro que tinha ainda na mão.

Era elle o ladrão.

1O leitor não conhece ainda estes tres outros martyres da liberdade italiana, mas bem depressa tomará conhecimento com elles. Garibaldi que não escrevia as suas memorias para serem impressas, falla d'alguma sorte mais comigo do que com os leitores. A. D.