Za darmo

Memorias sobre a influencia dos descobrimentos portuguezes no conhecimento das plantas

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II
Da origem da palavra malagueta

Esta designação foi, como vimos, muito usada nos XIII, XIV e XV seculos, e, quanto hoje podemos julgar, applicada sempre, ou quasi sempre, ás sementes dos Amoma da Africa occidental. Rarissimas vezes encontramos este nome designando drogas da Asia, como por exemplo algum dos cardamomos da India, e n'estes casos por evidente equivocação. Assim Lagana, nos seus commentarios a Dioscorides, pertende identificar um dos cardamomos do auctor grego com a malagueta, quando é quasi certo que tal droga não conhecia23. Assim tambem Fr. Odorico de Pordenone, que visitou o oriente pelos annos de 1320 a 1328, diz, que na ilha de Java crescem diversas especiarias e entre estas as melegetae. A substancia designada assim pelo missionario Franciscano era sem duvida um cardamomo24. Estas applicações erradas do nome explicam-se facilmente pela semelhança das drogas, e por modo algum significam, que estas se confundissem geralmente, antes temos provas de que bem se distinguiam25. Foi só muito mais tarde, que este nome começou a ser vagamente dado a outras drogas e mui particularmente, como adiante veremos, aos fructos de uma Solanacea.

Examinemos agora qual a origem provavel da palavra malagueta, ou talvez melhor melegeta primeira fórma com que a encontramos escripta. Um dos mais eruditos homens de sciencia dos nossos tempos, Alexandre de Humboldt, quiz filiar esta palavra nos vocabulos asiaticos, que designam a pimenta. De[17] feito tem esta ultima especiaria em Sumatra o nome de molaga, e na India o de mellaghoo, e pela tendencia natural a applicar o mesmo nome a substancias analogas, e que o commercio confunde, suppoz Humboldt que o nome da pimenta, um pouco alterado, e tomando a fórma malagueta, se viesse a dar á droga de Africa26. Não julgo por modo algum acceitavel esta etymologia. Para que na Europa se désse á semente do Amomum um nome derivado, por analogia, do da pimenta, era necessario que esse nome se tivesse primeiro dado aos fructos do verdadeiro Piper. Ora não temos noticia de que a pimenta fosse conhecida nas linguas da Europa por palavra semelhante a molaga ou mellaghoo, ou que de algum modo se possa filiar nas fórmas sanskritas mallaja ou maricha. O vocabulo grego πεπερι, assim como o latino piper, d'onde vem quasi todas as designações usadas na Europa27, prendem-se sem a menor duvida ao sanskrito pippali pela mudança do l em r, frequente nas linguas do ramo iraniano, pelas quaes nos foi transmittido. Não é pois facil admittir que se désse a uma droga, por ser semelhante á pimenta, um nome que a pimenta nunca teve, nem se comprehende que na Europa se applicasse a uma substancia da Africa um nome asiatico pouco ou nada conhecido.

O sabio academico visconde de Santarem propõe em uma das suas obras28 outra etymologia. Recordando que Cosmas Indicopleustes falla, na sua Topographia christiana, do paiz de Mala na Asia, e accrescenta ubi piper gignitur,[18] suppõe que malagueta seja malagignitur corrompido, por isso que os primeiros navegadores, chegando á costa da Malagueta, e vendo tanta abundancia de especiaria se podiam julgar no paiz de Mala. Na verdade, parece-me demasiado forçada e difficil de admittir esta derivação.

Sustentaram alguns auctores a origem européa; entre outros Villaud de Bellefond, seguido depois com pouco criterio por Corneille no seu Diccionario Geographico, disse que a palavra era franceza, e quiz d'ahi tirar, não sei bem porque raciocinio, uma prova de que os francezes haviam descoberto as terras aonde a planta cresce. A origem franceza é insustentavel, e não tem um unico argumento em seu favor. Devemos todavia notar, que o visconde de Santarem, refutando esta opinião de Villaud, incorreu por sua parte em alguns erros e seguiu um systema contrario á verdade dos factos. No texto da sua memoria a pag. 39 e nota 7.ª29, aquelle erudito escriptor pretende provar, que a palavra malagueta era usada pelos naturaes da costa d'Africa, datando dos nossos descobrimentos a sua adopção para designar a droga, antes mais conhecida pelo nome de sementes, ou grãos do paraizo. Os factos apontados nas citadas passagens pouco ou nada provam. Se Antonio da Nolle diz que na região aonde foi havia ouro e malagueta, não se segue que o nome fosse usado pelos negros, mas sim que elle o conhecia, o que era natural pois havia traficado no Mediterraneo. Se Brown, na relação da sua viagem, affirma que os negros chamavam malagueta a uma especie de pimenta, isto só significa que os negros da costa já n'aquelle tempo (1617) haviam adoptado o nome empregado pelos portuguezes, com os quaes estavam em contacto quasi diario. Demais todos estes argumentos caem perante os documentos citados nas paginas precedentes, que escaparam ás investigações do douto academico30, e provam ser conhecido o nome de melegeta desde o começo do seculo XIII, isto é, mais de dois seculos antes das nossas viagens, e muitos annos antes das datas marcadas aos suppostos descobrimentos dos genovezes, dos catalães e dos normandos. Se pois a adopção da palavra malagueta se não póde ligar a viagem dos francezes á Africa, não é por só ter sido conhecida depois, mas exactamente pela razão opposta por ser vulgarissima muito antes.

 

Deparam-nos as obras de Matthioli, uma etymologia que, com quanto apresentada de passagem e como opinião pessoal, é muito digna de attenção e exame. Vem a ser a que deriva a palavra malagueta da semelhança da semente com os grãos de milho da India, aos quaes em algumas partes da Italia[19] se dava o nome de meléga31. Effectivamente, o milho da India, o Holcus sorghum de Linneo, foi denominado meléga, meliga ou mélica, e encontra-se designado com este nome em uma data anterior á primeira menção, que conheço, do nome de malagueta. Em um instrumento publico do XIII seculo, passado na villa d'Incisa, se diz, que dois cavalleiros cruzados, companheiros de armas de Bonifacio, marquez de Monteferrato, de volta do cerco de Constantinopla, deram á dita villa, além de uma cruz de prata encerrando um fragmento do Santo Lenho, uma porção de sementes provenientes da provincia de Natolia na Asia e chamadas meliga, offerta que foi tida em grande estima e consideração32. Quizeram alguns, que estas sementes fossem o milho, é porém mais provavel fosse uma especie de sorgo então nova, ou pouco vulgar33. Do theor da carta passada em Incisa no anno de 1204 parece resultar que o nome de meliga era até então desconhecido. É possivel, com quanto pouco provavel, que dez annos depois no de 1214 se tivesse já, por analogia e semelhança de fórma, derivado d'aquelle nome o de melégueta.

Resta examinar a origem africana, a qual se póde encontrar nos numerosos e variados dialectos usados pelas populações negras da região aonde a planta se cria, ou ainda nas linguas dos povos que com ellas negoceiavam. Dois povos de raça diversa se empregaram no activo commercio feito por um lado com os europeus, e por outro com as populações de raça negra; commercio de que os nossos escriptores tiveram, como vimos, noticia, e de que Leão Africano dá relação com a clareza e intimo conhecimento de quem n'elle tomou parte. Foram esses povos os arabes e os berberes: estes, os numidas ou libyanos dos antigos, fallam uma lingua bem distincta do arabe, e que nem mesmo se póde filiar no grupo semitico, mas sim em um grupo um pouco vago, de que o coptico parece ser o typo, para o qual se propoz o nome de «chamitico34.» Dominados pelos semitas e em contacto por duas vezes com linguas semiticas, isto é, com a lingua punica dos colonos carthaginezes, e seculos[20] depois com a arabica, aceitando o dominio dos arabes e recebendo mesmo d'estes a religião mahometana, alguns berberes conservaram no entanto lingua e costumes proprios. Ainda mais; os povos berberes de raça pura, como os Tuareg, mais entranhados no deserto, e mais afastados do elemento arabe, que tão profundamente tem penetrado todo o norte da Africa, não só fallam uma lingua distincta, mas conservam o uso de um alphabeto especial, semelhante ao das inscripções libycas35. O mais antigo historiador dos descobrimentos portuguezes, Gomes Eannes de Azurara, teve conhecimento dos berberes, que chamou azanegues e barbaros, e da distincção entre a linguagem mourisca e «a azaneguya do Zaara»; e ainda mais, relatando a viagem do heroico escudeiro João Fernandes, dá conta de usarem de uma lettra com que escrevem «de outra guisa» que a dos mouros36, facto curioso, ignorado ou posto em duvida durante muito tempo, e demonstrado pelas modernas investigações scientificas.

É pois no arabe, no berbér, ou nas linguas do Sudan e da costa occidental que se deve procurar a origem da palavra, se porventura é africana.

Devemos no entanto notar que os nomes arabes, hoje mais usados, não tem relação ou semelhança com a palavra malagueta. São estes nomes teen el felfel e tamar el felfel, o que vale o mesmo que pimenta figo e pimenta tamara, derivados por um lado da ardencia das sementes, e por outro de uma vaga semelhança na fórma dos fructos, quando mais desenvolvidos, com os figos, quando menores, com as tamaras.

Vem expressa em varias obras, sobretudo francezas, a opinião de que o nome da droga se deriva do nome de uma villa ou logar de Africa, chamado Melega, d'onde era trazida para a Europa. Da existencia de tal villa não pôde achar noticia, e creio, que alguns desses auctores se equivocaram com a costa da Malagueta, e que os outros, como tantas vezes succede, repetiram a asserção sem se darem ao trabalho de procurar os seus fundamentos37.[21]

Nos dialectos dos negros os nomes da droga são variadissimos o pela maior parte absolutamente diversos e afastados no som e na fórma da palavra malagueta38. Diz-nos porém o sr. Daniell, que entre os negros Krus habitantes da costa que vae do cabo Mesurado ao das Palmas, o nome vulgar é Guetta, ao qual frequentes vezes se juntam as prefixas mane ou malé, e tem por certo ser esta a origem da palavra. É possivel, mas não tão seguro, nem tão fóra de discussão como parece ao dr. Daniell, pois se póde bem admittir que o nome usado pelos Krus seja a corrupção do vocabulo empregado pelos portuguezes e outros europeus, o que é tanto mais provavel quanto os Krus não são uma população do interior, mas sim um povo da costa, muito dado á navegação, e como tal um dos que tem sempre tido mais contacto com os estrangeiros.

Em todo o caso, se a palavra pertence ao dialecto dos negros foi-nos transmitida pelos povos do norte da Africa, unicos que até ás viagens portuguezas tiveram contacto com aquellas regiões. Devemos pois admittir que espalhando-se o seu uso pelo interior da região de Mandinga, se tornasse vulgar em Timbuktu e outros grandes mercados do Sudan. Os arabes e os berberes, que a esses mercados concorriam trouxeram a droga, e com a droga o nome, pelo caminho do Dar-Fur ao alto Nilo, e d'ahi aos portos do Egypto, ou pela via mais seguida do Fezzan aos portos de Tripoli. Mercadores de varias nações, e na época a que nos referimos, principalmente os venezianos, navegavam para esses portos, e desde o começo do XIII seculo, se não antes, introduziram a droga na Europa e usaram o nome malagueta ou melegeta.

Em resumo a origem da palavra permanece obscura, e unicamente temos[22] como certo, que os italianos foram os primeiros, entre os povos da Europa, a empregal-a, quer a derivassem da semelhança da droga com o sorgo, chamado melega, quer usassem, o que é mais provavel, de uma denominação vulgar eutre os africanos.

 

III
Das plantas que produzem a malagueta, e da sua distribuição geographica

Como mais de uma vez tenho observado, existe uma tendencia geral a applicar o mesmo nome a productos distinctos, mas semelhantes ou de propriedades analogas, e que se confundem ou substituem mutuamente no commercio. Por outro lado nas diversas regiões e épocas se tem dado nomes differentes á mesma substancia. D'aqui resulta uma certa confusão de nomes vulgares, da qual póde provir obscuridade, e que exige algumas palavras de explicação.

O nome de pimenta tem designado productos vegetaes variados. Em primeiro logar algumas especies do genero Piper39, da familia das Piperaceas, pela maior parte oriundas da Asia, algumas porém naturaes da Africa, como por exemplo o Piper Clusii, chamado pimenta de rabo pelos nossos antigos escriptores. Por analogia de propriedades deu-se depois ao fructo de uma planta totalmente diversa, uma Myrtacea das Indias occidentaes, o Myrtus Pimenta de Linneo, ou Pimenta officinalis de Lindley, sendo singular que o nome portuguez do Piper se viesse a adoptar na linguagem scientifica para uma planta tão afastada. O fructo de uma Anonacea, a Xylopia Æthiopica, foi egualmente conhecido no commercio, pelos nomes de pimenta de Guiné ou de Ethiopia, de pimenta negra longa40, de grãos de zelim e de maniguette41, este ultimo por confusão com a verdadeira malagueta.[23]

Pelos fins do XV seculo, ou principios do seguinte, introduziu-se na Europa a cultura de diversas especies do genero Capsicum da familia das Solanaceas. Parece que todas estas especies são de origem americana42. A primeira noticia que temos d'estas plantas, é dada pelo medico Chanca, natural de Sevilha, e companheiro de Christovão Colombo na sua segunda viagem, o qual as descreve sob o nome de agi usado pelos naturaes das Antilhas43. Trazido o Capsicum para a Europa, ahi se generalisou rapidamente a sua cultura. D. Nicolau Monardes, que escreveu não muitos annos depois da conquista do novo mundo, diz que em toda as hortas de Hespanha se cultivava44. Clusio dá a mesma noticia em relação a Hespanha e a Portugal, aonde, nos arredores de Lisboa, observou differentes especies e variedades45. Pelas qualidades pungentes e ardentissimas de seus fructos, receberam estas plantas o nome de pimenta, sendo chamadas, no tempo em que Clusio visitou Lisboa pimenta do Brasil, e depois pimenta de Hespanha ou de Cayenna e tambem pimento, pimentão e malagueta. É o fructo pequeno, alongado e muito ardente, da variedade quasi arbustiva, que geralmente se conhece com o nome de malagueta. Como a cultura d'esta planta é hoje muito espalhada no meio-dia da Europa, o tambem na Africa, e ao mesmo tempo a antiga malagueta é rara no commercio e pouco usada, o nome transferiu-se na linguagem vulgar para o fructo do Capsicum, sendo geralmente ignorado, que durante seculos designou uma planta totalmente diversa.

Em quanto a essa planta, a que agora nos occupa, pertence á familia das Zingiberaceas do grande grupo das Monocotyledoneas: familia constituida por vegetaes das regiões quentes do globo, nos quaes abundam principios aromaticos, e cujas raizes, ou antes rhyzomas e sementes, fornecem alguns productos muito conhecidos desde tempos antigos, como são os cardamomos, a curcuma, a galanga e o gengivre. Os cardamomos, produzidos pelo genero Elletaria e por algumas especies do genero Amomum da Asia ou do oriente da Africa, foram conhecidos dos antigos, mas bastante confundidos entre si. Dioscorides e Plinio, e ainda[24] mais os seus commentadores, como Ruellio, Valerio Cordo, Laguna, Matthioli e outros, enredaram por tal fórma a synonymia dos cardamomos46, que os trabalhos modernos, e em especial as pacientes investigações do erudito Hanbury, ainda não conseguiram dissipar toda a obscuridade e remover todas as duvidas. Quando a semente do Amomum da Africa occidental começou a apparecer no commercio, foi envolvida n'esta confusão, recebendo por vezes os nomes de cardamomum majus, e cardamomum piperatum, com quanto fosse geralmente chamada melegeta ou grana paradisi. A natureza e patria da planta, que a produzia, eram então ignoradas e mesmo quando depois as viagens dos portuguezes lançaram alguma luz sobre estes pontos, a distincção das especies permaneceu por muito tempo, e até aos nossos dias, em extremo duvidosa e incerta.

Foi Linneo o primeiro a descrever uma Zingiberacea sob o nome de Amomum Granum-paradisi47: porém dando uma diagnose curtissima, como era seu costume, que mal permitte discriminar a que planta se referia, e citando a par da habitação exacta na Guiné, a habitação em Madagascar e em Ceylão, aonde não existe tal especie e sim outras distinctas, temos a prova de que confundia a especie do occidente d'Africa, com alguma outra da Africa oriental ou da Asia. Torna-se assim muito difficil saber o que na realidade seja a planta de Linneo. Um botanico sueco, que no começo d'este seculo assistiu por algum tempo em Serra Leôa, Afzélius, descreveu depois uma especie sob o mesmo nome de A. Granum paradisi48. Mais tarde Roscoe, em uma monographia das Scitamineas, estabeleceu uma especie que julgou nova, mas parece ser uma simples variedade da já descripta por Afzélius, da qual diz provirem as sementes do commercio, e á qual deu o nome de A. Melegueta49. Algum tempo depois sir J. Smith em trabalhos diversos, e particularmente em varios artigos da Cyclopaedia de Rees, occupou-se do genero Amomum, creando algumas especies novas. O dr. Hooker publicou finalmente differentes noticias sobre estas plantas, e fez a revisão dos Amoma da Africa occidental50. Devemos ainda citar as observações de Jonathan Pereira, inseridas nas successivas edições dos seus elementos de Materia Medica, assim como as do sr. Planchon nas ultimas edições da Historia[25] das drogas de Guibourt51 e muito particularmente uma memoria importante do dr. Daniell, á qual já repetidas vezes me referi, fructo de longas e cuidadosas investigações, feitas na costa de Africa52.

De todos estes trabalhos resulta, que houve numerosos enganos e trocas na descripção e identificação das diversas especies, devidos por um lado á difficuldade de as distinguir, e por outro a imperfeita exploração da região que habitam. Ainda hoje não concordam absolutamente os diversos auctores, Hanbury, o dr. Hooker e o dr. Daniell sobre a sua limitação, e o valor de algumas fórmas, que uns julgam especies e outros simples variedades. Não entra no plano d'este trabalho a descripção minuciosa das especies, nem a discussão da sua synonymia muito complicada e das divergencias em alguns pontos secundarios, que ainda podem existir entre uns e outros botanicos, e se encontram expostas nas obras citadas.

Basta-nos dizer, seguindo principalmente a opinião do dr. Daniell, que as sementes se podem distribuir em dois grupos: o primeiro da malagueta véra, ao qual pertence quasí toda a droga do commercio, tendo em subido grau as qualidades aromaticas e pungentes que a tornam procurada: o segundo da malagueta dubia, aproveitada pelos negros na falta da primeira, e servindo mesmo para adulterar a droga trazida aos mercados, pois possue algumas das suas qualidades, posto que em menor grau.

A malagueta véra parece ser produzida por uma unica especie, o Amomum Granum paradisi Afz.53, da qual se encontram tres variedades distinctas.

Var. a. majus: de porte maior e fructos e sementes grandes, a mais estimada. Encontra-se principalmente na costa da Malagueta e do golfo de Guiné, e particularmente nos logares baixos, humidos e ferteis. É a fórma que Roscoe considerou como especie distincta e descreveu com o nome de A. Melegueta.

Var. b. medium: de porte e fructos menores. Habita os terrenos montanhosos da Serra Leôa e outros logares. Parece ser a que serviu de typo á descripção de Afzelius.

Var. c. minus: propria ás regiões mais seccas e mais elevadas, de porte, fructos e sementes muito reduzidos; uma verdadeira variedade subalpina.

Em quanto á malagueta dubia é produzida por um certo numero de especies bem distinctas, como são o Amomum exscapum Sims., A. longiscapum[26] Hooker fil., A. latifolium Afzelius, A. Danielli54 Hooker fil., A. palustre Afzelius, A. Pereirianum Daniell.

A exploração botanica da Africa intertropical está demasiado imperfeita, para que se possa fixar com rigor, ou mesmo com uma tal ou qual segurança, a demarcação das areas habitadas pelas differentes especies vegetaes. Os limites, que vamos indicar, devem pois tomar-se apenas como uma grosseira aproximação, sujeita a muitas correcções.

Pelo lado do norte a malagueta começa a encontrar-se desde o cabo Verde, ou talvez mesmo desde o Senegal. Parece porém ser bastante rara na região proxima ao mar, que corre da foz d'este rio á do Gambia. A que por ahi se vende é trazida do interior pelos mandingas, e provém do alto Senegal, alto Gambia, e das terras de Bambará. Podemos pois fixar como limite norte, aproximadamente, o parallelo de 15° latitude norte.

Caminhando para o sul encontra-se na Guiné portugueza porém em pequena quantidade. É mais frequente a partir do rio de Nuno Tristão, e muito abundante desde a Serra Leôa até ao cabo das Palmas. Predomina sempre nos terrenos baixos, humidos e fundos aonde chega a invadir as culturas sendo difficil de destruir. Do cabo das Palmas para este abunda em toda a zona da costa da Mina, costa de Benin, e delta do Niger até ao rio dos Camarões, encontrando-se tambem na ilha de Fernão do Pó. Existe egualmente no Gabão, e em geral em toda a costa que corre norte sul do rio dos Camarões até ao Zaire. Começa porém a ser mais rara, ou pelo menos a não dar logar a tão activo commercio. Estende-se a habitação da planta além do Zaire. Temos n'esta parte uma informação importante, dada pelo dr. Welwitsch, o qual nas suas explorações botanicas, não encontrou a planta espontanea, mas foi informado de que existe nas florestas do interior do Congo55. Comparando esta informação com o itinerario seguido por Welwitsch, póde fixar-se como limite aproximado sul o parallelo de 7° latitude sul. Vê-se pois que a planta se encontra localisada em uma região bastante vasta, que se estende ao norte e ao sul do equador, dilatando-se mais para o norte56.

O limite oriental é muito mais vago, senão absolutamente desconhecido. As vastas regiões do Sudan tem sido atravessadas por alguns, poucos, exploradores[27] europeus, mas não estudadas botanicamente. Sabemos apenas, que aos mercados da costa vem malagueta das terras de Bambará e talvez das de Massina no alto Niger, que por outro lado as caravanas ainda hoje levam a Murzuk, no Fezzan, alguma malagueta do Sudan57, mas ignoramos a região onde é produzida. Attendendo ás condições bastante uniformes de temperatura e humidade que reinam no Sudan, é natural suppor que alguns Amoma da costa occidental, se não todos, se estendam em uma vasta habitação até á região dos lagos, ou mesmo de costa a costa. Na Abyssinia, no paiz dos Gallas, e mesmo na costa oriental existem especies de Amomum, mas a sua identidade com as da costa occidental, com quanto admittida por alguns auctores58, não está completamente demonstrada. É forçoso confessar que o conhecimento d'estas plantas é demasiado imperfeito, e a exploração d'estas regiões demasiado incompleta para que desde já se possam formular quaesquer conclusões seguras.

23Veja-se a nota 1, a pag. 7.
24O texto de Pordenone é o seguinte: «In ipsa (insula Jauá) nascuntur cubebae, melegetae, nuces que muscatae, multae que aliae species pretiosae». Veja-se H. Yule (Cathay and the way thither, etc., II. Appendix, I, XVII.)
25Sabemos que pelos tempos de Frey Odorico se differençavam perfeitamente as duas drogas. Pegolotti no seu (Libro di divisameuti di paesi, etc.) inserido no tratado (Della decima, etc. III) falla das meleghette e do cardamomo como de mercadorias diversas; a mesma distincção faz um seculo mais tarde G. da Uzzano no (Libro di gabelli, etc.) egualmente inserido no (Della decima, etc. IV). Veja-se H. Yule (Cathay and the way thither, etc., I, pag. 88). A passagem de Rolandino Patavino, assim como a de Nicolau Myrepso antes citadas, dão tambem a malagueta e o cardamomo como coisas diversas. Veja-se a nota a pag. 9.
26Eis a passagem em que Humboldt (Hist. de la géogr. du nouveau Continent, I, pag. 258), expõe esta theoria. «Como as producções vegetaes, analogas, e que se substituem mutuamente no commercio, tomam sempre o mesmo nome, o de malagueta, tão celebre no XV seculo, e que os pharmaceuticos transformaram em melegueta, maniguette e cardamomum piperatum parece-me derivar-se do nome indico do pimento, tal qual é usado na lingua de Sumatra. Acho na Cosmographia de Sebastião Munster (ed. de 1850 p. 1093), lingua patria sumatrensis piper molaga dicunt. O sabio auctor da Materia medica of Hindoostan, o sr. Ainslie dá tambem (ed. de Madrasta, 1813, p. 34) ao Piper nigrum o nome tamul de mellaghoo. Em sanskrito mallaja e maricha são synonymos de pippali. O primeiro designa mais particularmente, segundo Wilson, o Piper nigrum e o segundo o Piper longum.» A estes nomes apontados por Humboldt podemos accrescentar os que encontramos citados por Garcia da Orta (Colloquios dos simples, etc., p. 172, ed. 1872), pertencentes ás mesmas fórmas, como são molanga, meriche e merois. A semelhança de alguns d'estes nomes com a palavra melegueta é singular; julgo porém ser uma simples aproximação fortuita.
27A palavra portuguesa pimenta não vem da mesma origem, como quer o padre Raphael Bluteau no Vocabulario, fazendo-a derivar de pimpilim, nome usado no Malabar. Deriva-se de pigmentum, que na baixa latinidade significava especiaria em geral: species aromatis. Ducange. (Gloss. ad script. med. et infim. lat. voc. pigmentum.)
28Recherches sur la déc. des pays situés sur la cote occ. d'Afrique, etc. p. 266.
29Mem. sobre a prioridade, etc., p. 39, e nota 7.ª, p. 196.
30Na edição franceza da sua memoria (Recherches sur la déc. etc. Paris 1842), o visconde de Santarem cita Balducci Pegolotti, e a passagem onde falla da malagueta (p. LXV), mas não modifica a sua argumentação (p. 14 e 15).
31Eis o que diz Matthioli: i grani, i quali chiamano alcuni meleghette per rasomigliarsi eglino (come credo io) al miglio indiano, il quale in alcuni luoghi d'Italia si chiama melega (I discorsi di M. P. Matthioli etc., nei sei libri di Dioscoride, p. 24. Venezia, 1712).
32Foi publicado na (Storia d'Incisa, etc. Asti, 1810) e vem transcripta por Michaud (Hist. des Croisades, II, p. 494).
33Sobre a verdadeira natureza da meliga e a introducção da cultura do milho na Europa pode-se consultar Bonafous (Hist. nat. agric. et éc. du maïs); e tambem A. de Candolle (Géogr. bot. rais., p. 943).
34É esta a opinião apresentada pelo sr. Ernesto Renan (Hist. des langues sémitiques, p. 201-202, 4ème éd.), da qual, porém, se afastam alguns philologos, e entre outros o sr. Newman, que considera o berbér como um idioma semitico.
35Veja-se sobre o alphabeto tifinar ou tifinag uma noticia do sr. A. Judas: (Journal Asiatique. Mai 1847) assim como o (Essai de grammaire tamackek.) do sr. Hanoteau.
36Chron. da Conq. de Guiné. p. 83 e 365.
37Diz Pomet «nous l'appellons aussi maniquette ou melaquette a cause d'une ville d'Afrique appelée Melega d'ou elle était autrefois apportée» (Hist. gén. des drogues, I, 42, 2.me éd.) Nicolau Lémery repete a mesma asserção quasi pelas mesmas palavras (Traité univ. des drogues simples, p. 152. Paris, 1698); e não obstante La Martinière, no seu diccionario ter mostrado ser falsa, ainda se encontra no diccionario do sr. Littré. Uma derivação inversa, e que vem apontada na Africa de Ogilby, tambem envolve um erro. Diz-se ahi: grain coast is named melliguette or melli, from the abundance of grain of paradise there growing, wich the natives call mellegette. Confunde-se n'esta passagem a costa da Malagueta, a qual de feito recebeu o nome da droga com a região de Melli, situada já no centro de Africa ao meio dia de Timbuktu, e bem conhecida desde tempos remotos. Foi visitada em 1352 por Ibn Batuta, que a designa com o nome de Melle ou Mali (segundo a traducção do padre Moura) e figura na carta Catalan de 1375. Cadamosto tambem a conhecia, e indica com bastante rigor o itinerario das caravanas, que transportavam o sal de Tagazza a Timbuktu e a Melli. Só muito depois se começou a usar o nome de costa da Malagueta e nenhuma relação tem com o de Melli.
38Eis alguns dos nomes citados pelo sr. Daniell: Attahre usado em Yorruba: Ussorgé em Ebo: Anniewhé em Accara: Weeza entre os Ashantis: Guetta e Emaneguetta entre os Krus: uma variedade de fructos mais pequenos é chamada Tosshan te timmané em Serra Leôa: Niammakyu entre os negros Susus: Bellankufo entre os Mandingas do interior; uma terceira variedade de fructos ainda menores recebe o nome de Tokoto m'pomah em Fernão do Pó, e de Dungo zargo e Dungo zenzambah no Congo. Conservei escrupulosamente a orthographia usada pelo sr. Daniell, que não é talvez a mais propria, e corresponde á impressão produzida em um ouvido inglez pelos sons dos dialectos africanos. Barbot, citado por Daniell, diz que nas proximidades do cabo Lopes, se dá á droga o nome de Calicute. Deve ser uma antiga designação portugueza, derivada da semelhança com a pimenta que vinha de Calecut.
39O genero Piper tal qual se acha constituido na monographia das Piperaceae do sr. Casimir de Candolle (Prodromus, XVI, S. I.), inclue os generos Chavica, Cubeba e outros, e abrange mais de 600 especies.
40Com este nome (poivre long noir) a menciona Pomet, negociante droguista de Paris, referindo-a a uma figura bastante exacta, para que se não possa duvidar da identidade da especie. (Hist. géner. des drogues, p. 225, f. 140, éd. de 1735.)
41Os nomes de maniguette, bois d'Ecorce, poivre d'Ethiopie são dados a uma planta denominada Waria Zeylanica, por Fusée Aublet (Hist. des plantes de la Guiane, I, p. 605, t. 243), a qual sem duvida é a Xylopia Ethiopica.
42Temos em favor d'esta opinião a auctoridade de Robert Brown (Exp. to the river Zaire, etc. Appendix. p. 469), e a não menos valiosa de A. de Candolle (Prodrom XIII, p. 412). Fraas é de opinião contraria, e suppõe que o Capsicum longum DC, fôra conhecido de Theophrasto. (Synops. pl. fl. classic., p. 160.)
43Veja-se a carta de Chanca nas (Select letters of Columbus, etc., na Coll. Hakluyt).
44Simplicium medic. ex novo orbe delatorum, traducção latina de Clusio inserida nos (Exotic. p. 343). Monardes excellente auctoridade pelo tempo (1565) e logar, em que escreveu, admitte a origem americana da planta.
45Clusio nas notas a Monardes, (Exotic. p. 343. A numeração das paginas vem errada na edição de 1605 e lê-se 341 mas deve ser 343). Na mesma nota diz Clusio, que a planta se chamava então em Lisboa pimenta do Brasil.
46Esta embaraçosa confusão fazia exclamar ao antigo auctor Geoffroy: «Nulla res est fortasse in re Pharmaceutica magis litigiata quam Cardamomi notitia.» (Tractatus de materia medica, II, p. 364.)
47Spec. plant. I p. 9 ed. Willd. 1797.
48Remedia guineensia, p. 71. Upsaliae; citado por Flück. et Hanb. Pharmac. p. 590.
49Monandrian plants of the order Scitamineae, etc. 1828.
50Hooker (On some afr. sp. of. Amomum. Kew gardens misc. VI, p. 293) vem transcripto em (Walpert Ann. bot. syst. VI, p. 19): póde-se tambem consultar (Bot. mag. t. 4663 e 4764 e noticias annexas).
51Guibourt (Hist. nat. des dr. simples II, p. 224. 1876).
52Daniell (On the Amoma of Western Africa. Pharm. Journal XIV, p. 312 e 356, XVI, p. 465 e 511).
53É esta a opinião de Daniell, da qual se afasta um pouco Hooker, e tambem Flüekiger e Hanbury na sua Pharmacographia.
54Encontra-se nas ilhas de S. Thomé e do Principe, aonde é conhecido com o nome de Uçame.
55Veja-se a noticia sobre os Dongos do Congo na (Synopse expl. das mad. e dr. medicinaes, p. 30, num. 51-74) e tambem (Apont. phytogeographicos, p. 544) nos Annaes do Conselho Ultramarino.
56É necessario advertir que estes limites se referem á planta espontanea, pois que se encontra cultivada não só em outras regiões da Africa, por exemplo nas margens do rio Coango, mas ainda na America, em Demerara e outros pontos.
57A substancia mencionada pelo capitão Lyon, sob o nome de Tammerat et filfil, entre as mercadorias trazidas do Sudan ao Fezzan, é, sem a menor duvida, a malagueta (A narr. of travels in northern Africa, etc., p. 156, 1821).
58Assim Pereira suppõe que o cardamomo conhecido na Abyssinia com o nome de Korarima é identico ao Amomum angustifolium Sonnerat, de Madagascar, e Hanbury (Pharm. Journ. 1872) considera um e outro identicos ao A. Danielli Hooker fil.