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Os jesuitas e o ensino

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IV
Sobrevivencia das tradições do regimen imperial. Agnosticismo da Constituição republicana

Limitando o exame aos orgãos incumbidos de executar a lei e dar realidade tangivel a seu pensamento, talvez se possa sem pessimismo tornar patente que a comprehensão official do problema do ensino por muito tempo se resumiu: no grau primario, em vulgarisar a leitura, a escripta e os rudimentos de arithmetica; no grau secundario, abandonar o curso de humanidades á concurrencia privada, modelada por poucos institutos officiaes; no grau superior, onde predominam os estabelecimentos officiaes, acceitar a collaboração da iniciativa individual. Nesses dous ultimos estadios, a admissão nas escolas só se regula pêlas facilidades financeiras dos paes; não é absolutamente uma como que promoção seleccionada dos melhores elementos revelados nas escolas primarias.

Forma-se, dest'arte, nos niveis superiores, uma aristocracia culta, fundada na riqueza mais do que no talento. As proprias excepções confirmam o asserto, e provam quanto o systema fere os principios basicos de uma sociedade verdadeiramente democratica.

Claro que existem numerosas excepções nesse modo de encarar o problema, e os esforços feitos em S. Paulo, com grande exito, no Rio, e em alguns outros Estados, bem mostram que o assumpto preoccupa os governos e lhes inspira progressos paulatinos, si bem que, infelizmente, por demais desconnexos.

No circulo dos pensadores, dos sociologos, dos theoristas em geral, tal conceito, fundamente erroneo, não encontra guarida; mas á formal condemnação intellectual não se segue a repulsa pratica ou a instituição de processos pedagogicos mais acordes com as normas hoje geralmente preconisadas para formar a mentalidade da juventude. E, nesses termos, continua a predominar o habito rotineiro das administrações publicas, não raro mal preparadas para a comprehensão integral do delicado problema e para a direcção dos meios de prover ás exigencias indeclinaveis da cultura progressiva da mocidade, que se resumem no indispensavel advento de uma educação fundamentalmente nacional, no que tem de mais alto.

E, entretanto, encontram certa justificativa ou, antes, certa explicação para a sua norma de agir os mantenedores de um ideal pedagogico que, rapido, levaria á estagnação mental e social os educandos, a sociedade de amanhã, portanto.

A inercia perpetuou regras, talvez comprehensiveis no regimen monarchico de religião official, mas inteiramente descabidas no regimen separatista inaugurado pêla Republica.

Ao proclamar-se esta, nenhuma doutrina lograva acceitação universal nos arraiaes dos vencedores. Talvez, mesmo, poucos dos novos governantes tivessem cogitado do novo aspecto da questão educacional, uma vez firmada a liberdade de pensamento, e se julgassem aptos a solver um dos problemas mais arduos da psychologia humana, formar homens de bem, obedientes ás regras da moral, sem ferir o agnosticismo que o Estado devia honestamente respeitar, por honra propria e para dar livre expansão ás confissões religiosas.

Benjamin Constant, espirito afeito ás altas indagações moraes, sentiu o vacuo deixado pêla abolição da disciplina confissional no que ella pudesse ter tido de activo, de creador na mente das creanças, embora não houvesse a Egreja catholica dominante sufficientemente exercido sua acção neste rumo, talvez embalada pêla falsa certeza da perennidade de uma situação privilegiada, a que o progresso do Brasil veio pôr termo, equiparando perante o Estado leigo os credos divergentes.

A fundação das cathedras de moral nos institutos de ensino superior obedeceu a essa preoccupação.

Fortemente combatida, sua creação pouca vida teve, e deveria resultar ephemera como aconteceu, pois á disciplina visada cumpriria tomar conta da creança no periodo em que se formam sentimentos, idéas, habitos, afim de constituir aos poucos o ambiente em que viesse a mover-se o homem, crear o complexo de regras, com sancções interiores, directoras de sua vida.

Na escola primaria – como disciplina despertada no animo infantil, mais do que preleccionada – ; nas escolas normaes – como estudo theorico e pratico, collimando fins pedagogicos – ; nas escolas de philosophia – sciencia investigada em um conjuncto de altas indagações mentaes – ; em todos esses institutos, a moral se achava em seu logar proprio, ora ministrando regras de vida, ora apurada em analyse e aulas dos docentes.

Mas em cursos profissionaes, no sentido estricto da palavra, escolas de engenharia, de medicina, de arte militar, a cadeira de moral sairia menos util, por encontrar o ambiente moral do alumno já formado na edade de entrar para taes estabelecimentos, por destoar do genero peculiar de raciocinio proprio ás especialisações, por visar pontos de detalhe, e não o complexo das noções basilares da existencia, entre as quaes a moral deve figurar.

O combate contra o plano de Benjamin Constant, embora alvejasse o ensino superior, repercutiu nos graus inferiores. Nada se fez para preencher na escola primaria, onde se formaria a psyche commum dos brasileiros, a tarefa de suscitar sentimentos communs, aspirações generalisadas, esforços de progresso interior ininterrupto, gravitação incessante para o bem, missão que, em regimen unitario, caberia á Egreja, e que, na vigencia da liberdade de pensamento, deveria recair sôbre o professor elementar, fôrça insubstituivel para a formação dos laços unionaes decorrentes da communhão de ideal, de aspirações e de processos.

A estagnação foi facilitada pêlo elemento politico, que, receando augmentar o acervo de difficuldades da phase inicial da Republica, manteve com o maior zêlo o pessoal director de todos os serviços. Permanecendo inalteradas as auctoridades superiores prepostas ao ensino, triumphou o predominio quasi invencivel da rotina e dos habitos burocraticos, que dão tanto peso ás opiniões peculiares, aos meios administrativos sôbre quantas iniciativas buscam innovar, isto é perturbar habitos adquiridos, exigir novos esforços materiaes e mentaes, violar a placidez da applicação, quasi mecanica, de leis e regulamentos aos casos occurentes, pouco variaveis e já estudados uma vez por todas.

A hostilidade da entrosagem administrativa ao esfôrço novo, despertado pêlo problema educacional, que se vinha impor á solução dos governantes, tinha como collaboradora a norma legada pêlo Imperio em materia de ensino. Como extranhar que, fortes pêla tradição que representavam, pêlo manuseio das leis que applicavam, as auctoridades literarias tivessem conseguido manter a orientação anterior á quéda do antigo regimen? Por outro lado, como levar-lhes a mal desconhecerem um problema novo, que os proprios triumphadores mal lobrigavam, e que, ainda insolvido hoje, constitue um labéo para as instituições republicanas de nosso país?!.. Era natural, pois, se mantivesse ao mecanismo antigo o mesmo funccionamento, já inadequado aos phenomenos posteriores.

Como attenuante, pode ser allegado o analphabetismo geral do sertão. As estatisticas offerecem base pouca segura, por não estarem assimiladas, por sua notoria deficiencia. Qualquer algarismo que se cite, vem, portanto, viciado desde a origem.

Seria optimismo, em todo caso, acreditar superior a 20 % o numero dos que sabem ler e escrever. Em taes condições, pouco valeria incitar as almas a vôos mais altos, quando chumbadas inseparavelmente ao solo pêla ignorancia absoluta. Melhor e mais util seria, de resultados immediatos e mais efficazes, dar a taes espiritos adormecidos o impulso inicial da instrucção rudimentar.

Ficaria perdido todo esfôrço gasto em tentativas de sublimar intelligencias, amodorradas na treva do abandono mental secular. Das proprias disciplinas ensinadas na escola, quantas se gravariam permanentemente nos cerebros incultos de taes desvalidos intellectuaes, e quantos exemplos ainda hoje se citariam de regresso ao desconhecimento primitivo?

As difficuldades immensas offerecidas pêla ausencia de meios de communicação vinham complicar o caso. Admittido se tivesse formado uma doutrina pedagogica, geralmente acceita, de nivel mais alto do que a craveira adoptada até então, si continuassem os professores os mesmos, o unico meio de os iniciar em sua nova tarefa seria a inspecção amiudada das escolas, o contacto intimo com funccionarios convenientemente preparados, que ministrassem os elementos do programma preconisado, lhes guiassem os passos vacillantes na nova rota, abrissem horizontes novos no campo da educação infantil. A vinda por turmas dos professores ruraes á séde da circumscripção literaria, ou á capital do Estado, lhes daria o viatico indispensavel á estrada que se lhes apontava para o desempenho de suas funcções. Remedios faceis em zonas providas de meios rapidos de locomoção, cortadas de vias-ferreas, ou em centros populosos.

Mas essas eram excepções, relativamente muito raras, no vasto territorio nacional, ainda hoje, vinte annos depois, com menos de 22.000 kilometros de estradas de ferro para seus 8 1/2 milhões de kilometros quadrados de superfície, sem estradas de rodagem, dignas do nome, tendo apenas os máos trilhos abertos nas serranias e nos chapadões pêlas tropas sertanejas e pêlo tradicional carro de bois. É preciso não ter viajado o interior do Brasil, não ter visto escolas, tristes casebres sem soalho nem forro, destituidas de tudo quanto hoje se exige para a mais modesta habitação, quanto mais para uma escola; não ter percorrido as distancias immensas de freguesia a freguesia, e dellas aos pontos centraes, onde se poderiam haurir recursos, intellectuaes e materiaes; é preciso o desconhecimento do meio, para acreditar na possibilidade de generalisar taes reformas e melhoramentos por occasião da quéda da Monarchia.

O sertão as inutilisaria sem lucta, por simples inercia.

E ainda para que tal reorganisação se pudesse dar, fôra mister houvesse uma norma a propagar, uma nova doutrina a evangelisar, um novo codigo pedagogico a pôr em effectividade. Nenhuma dessas condições iniciaes existia.

 

O escopo das auctoridades literarias não variara, e os methodos rotineiros continuavam em plena voga. Nenhuma esperança, pois, desabrochava quanto á formação de uma camada professoral, com ideaes mais altos, mais proximos do alvo de todos os esforços no ensino. E quanto ao elemento antigo, o corpo de docentes ruraes, raras eram as excepções ás quaes se pudesse pedir a méra tentativa de comprehender que, em pedagogia, alguma cousa ha acima da cartilha de A. B. C., decorada nas aulas e cantada cadenciadamente pêlas creanças, os classicos exercicios graphicos dos pauzinhos, debuxados a principio e copiados a mão livre mais tarde, como preliminar aos segredos da escripta corrida e do bastardinho, as quatro operações fundamentaes da arithmetica.

Uma renovação do ensino primario importava, pois, na renovação do professorado, na creação de um corpo docente imbuido do novo credo e de suas praticas, na constituição de um escol que pudesse e soubesse contribuir para o preparo intellectual dos professores das escolas normaes, na reforma destas e no exito de uma escola normal primaria superior, da qual saissem os professores das escolas normaes communs, os inspectores do ensino primario, as auctoridades literarias, em summa.

Nada disso existia. E como conspirassem contra tal revolução do ensino (o termo não é excessivo) as commodidades da rotina, as asperezas do meio, a ausencia de um novo codigo pedagogico, a deficiencia do elemento docente, como taes fôssem os obices ao esfôrço salvador, de nada se cuidou. Continuou a pratica antiga a amadornar os cerebros, impedindo o surto mental da mocidade. Um que outro pensador, consciente da gravidade do problema, procurava, por si, dar as soluções que o caso comportasse, com a evidente inferioridade systematica do desequilibrio caracteristico do autodidacta.

E, entretanto, o agnosticismo do Estado estava impondo o abandono do carreiro antigo e a escolha de nova trilha para a obra escolar republicana.

Ao envés de uma religião official, quisera a Republica dar egual tratamento a todas as confissões, e para isto separara das provincias da fé a orbita das acções humanas, na qual a razão é conselheira unica, e neste terreno estabelecera sua competencia e actividade, vedado o intervir na elaboração das convicções espiritualistas.

Certo, a palavra «razão» deve ser interpretada latissimo sensu, abrangendo a intelligencia, a consciencia, o sentimento, a successão verificada dos factos. Ainda assim, deixa larga zona intacta, na qual somente a crença pode imperar. Como observa Renouvier2, por maiores sejam os esforços officiaes no sentido de augmentar o valor instructivo e educativo do ensino, é fôrça reconhecer não haver uma doutrina leiga capaz de preencher o vacuo moral dos espiritos e dos corações. Dahi a falta de coordenação; a como que incoherencia dos principios formulados pala razão pura; os conflictos continuos entre o interesse immediato e os reclamos de um ideal superior; a imposição do util prevalecendo muita vez sôbre a exigencia do bem. Dahi, ainda, a observação tão funda do mesmo philosopho: «De dia para dia augmenta a convicção de que a instrucção, instrumento do raciocinio, não é o que constitue ou o que realmente informa a razão, menos ainda o que gera os sentimentos motores do coração humano. Nega-se que os conhecimentos scientificos possam jamais supplementar as crenças moraes ou destrui-las».

De facto, para o sentimento se devem dirigir todos os esforços educativos, pois esse é o motor principal das acções humanas.

Por isso, ao cessar o ensino religioso, houve em realidade uma diminuição no valor dos processos pedagogicos, onde tal ensino fôra feito segundo o espirito dos evangelhos, sem se ater á letra arida do catecismo. Falava o expositor em nome de um dogma revelado, traduzindo a Verdade Eterna, com a auctoridade do Infinito Poder e da Suprema Bondade. Sempre que tal orientação foi seguida, e sem analysar as premissas em que se fundava, a educação do sentimento se revelava mais intensa, reagindo com mais vigor na vida interior de que decorre a actividade externa do homem.

Essa não foi, porém, e por mal nosso, a regra mais geralmente adoptada, que reduzira a explanação da doutrina, na maior parte dos casos, a méro exercicio mnemonico. Era obvia a inviabilidade da semente, já morta, lançada no cerebro infantil.

Que o não fôsse, entretanto, e, ainda assim, como poderia o Estado prender-se na auctoridade de um dogma, sem desrespeitar outros credos igualmente dignos de reverencia? E como, por tal forma, manifestar sua preferencia em circulo de actividade vedado á sua intervenção normal, e no qual era claramente incompetente? A solução unica possivel e acceitavel seria: nas regras de viver que fatalmente teria de pregar aos educandos, pêlo exemplo, pêla palavra, pelos actos, adoptar como norma ensinar o melhor de quanto se pensa, diz ou fez, com espirito eclectico, sem exclusivismo em suas conclusões. Para isso, agir sôbre todos os moveis incitadores da acção: o dever, a honra, os sentimentos affectivos, o interesse bem entendido, o amor-proprio, o receio da critica dos homens de bem, as noções de um ideal mais nobre.

Para dar a taes lições o pêso, a auctoridade e o poder persuasivo de que tanto hão mistér, varios obices teriam de superar.

Insufficiente experiencia psychologica, porque a materia a preleccionar é de data recente; ainda sem a auréola que o tempo sóe dar ás verdades longamente ouvidas e transmittidas; porque o assumpto inquirido, a moral, é por demais vasto, evolutivo e contingente.

Resistencia intrinseca á divulgação, porque o modo de a fazer, de docente a discipulo, não obedece a um methodo já scientificamente preciso, por falta de auctoridade decorrente da escassez de pontos de referencia verificados; da variabilidade dos conceitos; dos conflictos essenciaes, conforme o ponto de vista adoptado; das controversias originadas na subordinação acceita para os conceitos elementares.

Fraqueza dos professores, notadamente nos países catholicos, porque a longa separação do dominio temporal do dominio espiritual mantida pêla Egreja nas cousas da consciencia, mal preparara os representantes do primeiro a tratarem de assumptos que dizem respeito directamente á formação psychica da creança. Dahi a inferioridade da prédica da escola.

Falta de unidade, por se tratar do problema do eu analysado experimentalmente pelo proprio interessado, sujeito, pois, á multiplice causa de erro da observação imperfeita, da parcialidade do observador, dos conflictos interiores entre a conveniencia e o ideal; falta, em resumo, do nexo capaz de equiparar-se ao forte liame que une, prende e enfeixa em um todo unico o conjuncto de preceitos oriundos da revelação, no ensino sacerdotal.

Raridade dos professores, dignos dêsse nome, aptos a fazerem do desempenho de sua missão um verdadeiro trato de almas, depurando, aos poucos e com amor, da ganga que os envolve os elementos sãos e brilhantes, que se encontram na mente infantil; educadores proprios a formar almas vivas e palpitantes e não méras cópias de um typo official, exemplar fundido por decreto.

Coefficientes peculiares á infancia: inattenção e incapacidade de se concentrar ante o interesse despertado por phenomenos externos; frivolidade; leviandade de pensamento; esquivança a questões mais arduas, mais sêccas, de aspecto menos sorridente.

Certo, o preparo da sociedade leiga para dirigir a formação das consciencias muito deixa a desejar. Consequencia do tradicional exclusivismo com que o Catholicismo dominava esta provincia, vedando aos leigos intervir nas cousas da alma, ainda perturbado e aggravado pêla crise profunda reinante em todos os cerebros quanto ás crenças em geral, aos proprios elementos alicerçaes da sociedade, ás mesmas bases da vida humana no que ella se distingue dos animaes.

E é necessario esforço immenso para, gradativamente, ir constituindo o corpo de observações, o conjuncto de noções, os principios de sã relatividade, as ordens imperativas do ideal superior, que deve ministrar essa regra de vida, interna e externa, que é a moral.

Acima de tudo, o ensino não pode nem deve ser questão de palavras, gymnastica verbal onde a memoria tenha o unico papel.

Quer-se que taes ensinamentos não sejam somente retidos pêlo cerebro, mas lhe penetrem a substancia, até se tornarem estados permanentes da consciencia; mais até, que valham por principios activos, formem o ambiente do individuo, e presidam á elaboração obscura de todos os actos humanos, feitas assim taes normas o coordenador e o inspirador das causas motrizes ultimas do coração, dest'arte fortalecidas e disciplinadas.

Por que forma obter taes resultados, entretanto, sinão pêla pratica e pêla exposição diuturna das regras correspondentes, até que a repetição do gesto cree o habito, e este se incorpore na consciencia juvenil como relação normal e sã? Bastaria tal ponderação para justificar o ensino leigo da moral, sem preconceitos, sem pretenções a invadir os páramos da fé revelada, antes collaborador natural e efficaz do ensino religioso, como substratum commum a todos os credos, e, ainda no sentido philosophico do termo, por estabelecer a unidade entre a regra, o dogma, os sentimentos e os actos.

Mas, para ahi chegar, que thesouros de paciencia, de bondade, de intuição superior será preciso prodigalisar!.. Que situação extraordinaria ahi se crea para o Mestre, quanto se exige delle para o collocar, quando não em contraposição, em confronto com o Sacerdote que até hoje monopolisou tal disciplina nos países catholicos! E só por êste preço, entretanto, poderá o ensino leigo ser uma sorgente de vida. É, pois, pela cultura intellectual, intensivamente feita, que as idéas novas corrigirão, depurarão ou levarão cada vez mais alto os conceitos anteriores á conquista das normas essenciaes da actividade espiritual e, como consequencia, da actividade que nos fere os sentidos. Pêla sublimação da vida interior, virão a crescente dignidade, elevação e utilidade social da vida exterior.

Entregar-se a seu sacerdocio com dedicação absoluta; dar a propria alma ás creanças que educa; penetrar-lhes a alma e deixar-se penetrar pêla mentalidade infantil, tal o conjuncto de condições que devem presidir á obra do professor, que queira mostrar-se á altura de tão melindrosa e nobre incumbencia. Felizmente os ha, e a elles se deve, em todos os países, o que já hoje se pode considerar firmado nos dominios do ensino da moral.

Assim, conseguiram pôr em relevo, de modo a crear estados mentaes permanentes, militantes por vezes, certas noções basilares sôbre a justiça, o direito e dever social, a dignidade essencial e suprema do homem e seu destino moral.

Souberam mostrar que elle é chamado a construir livremente sua propria sorte, para isso normalisando e dando regras ao chaos interior das tendencias desencontradas, dos impulsos cegos, dos instinctos obscuros e das nobres aspirações generosas; ou ainda, citando sempre o egregio Pécaut, extrahindo do individuo apparente e natural o homem verdadeiro e occulto, unico digno dêsse nome augusto, e fim de todos os esforços educativos, egualmente distanciado do determinismo absoluto e do naturalismo sceptico e indulgente de Montaigne.

Foi-lhes dado expor convincentemente que a regra moral é secular, opposta ao ascetismo, curando da sanidade da alma de forma a penetrar, como espirito, a materia da vida, exalçando-a sôbre a animalidade.

A elles, ainda, se deve o alto predominio dado hoje em dia ás noções de responsabilidade pessoal e de solidariedade fraterna de todos os homens, que tornam interdependentes todos os seres, no progresso como na decadencia, na ascensão para a luz como no mergulhar em trevas, e que fazem menos arduas as tentativas collectivas, visando fins eternos, mau grado o estreito ambito das existencias individuaes.

Graças a taes educadores pôde o ensino nortear-se por um ideal sito no futuro, abrindo illimitado campo ás esperanças humanas, ao envés do rumo seguido na direcção ecclesiastica do espirito da mocidade, direcção que proclama a perfeição suprema o passado, devendo, pois, a educação ser um longo esforço para um alvo circumscripto.

 

É sempre devido a esses excellentes obreiros, philosophos, homens de Estado e docentes, que pôde o conceito moderno do ensino elevar-se acima da simples questão de execução de programmas didacticos, e valer mais pêlo espirito, pêla alma que o impregna e vivifica, do que pêlo cuidado e esmiuçado das disciplinas transmittidas.

Em nossas sociedades progressivamente democraticas, o suffragio universal impunha, correlatamente, a instrucção primaria universal, gratuita, portanto. Dahi a ineluctavel necessidade do ensino normal e leigo da moral, como remedio unico para respeitar todos os cultos.

Já representaria grande progresso obter que todos pudessem conhecer, de modo a utilisá-las, as materias preleccionadas na escola primaria. Seria ainda insufficiente, entretanto, si, pêla ausencia de um nexo central coordenador, todas as disciplinas não viessem concorrer, além do serviço prestado particularmente ao individuo, para a evolução ascensional do homem, pêla altura cada vez maior que alcançam dominar no mundo da ethica. Esse, o intuito da escola primaria: preparar uma democracia intelligente, justa, e fraternal, unida por uma cultura commum, guiada por sentimentos progressistas communs, essencialmente unos, extremes de intolerancia ou de sectarismo. O sentimento da dignidade unido ao da responsabilidade moral, dentro em pouco fariam da multidão anonyma, inconsciente e impulsiva, um povo capaz de inquirir, de analysar, de escolher, de se governar.

É sempre a bella phrase lembrada por Pécaut: «pêla alma da escola, ir ao encontro da propria alma do país». Dessa forma se constituirá em todos os graus da hierarchia social uma escol de caracteres fortes, de espiritos sãos, capazes de iniciativas, de governar a si proprios e de preparar as soluções para os problemas novos que surgem todos os dias.

Trata-se, portanto, de descobrir as caracteristicas individuaes, onde existam, de favorecer as iniciativas, de animar o esfôrço singular, de promover a cultura intensiva da originalidade digna, de procurar na maxima diversidade de manifestações servir a unidade de rumo collectivo, de fazer convergir para o bem do país o labor intellectual e moral de seus filhos.

2As opiniões dêste philosopho são extrahidas das citações do livro de Pécaut sôbre L'éducation publique et la vie nationale. Desta obra admiravel, extrahimos numerosissimos excerptos de que nos utilisamos no correr de nosso trabalho.