Za darmo

Amôres d'um deputado

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Era um espectaculo commovedor o apresentado por aquella joven que não tinha a força para supportar as brutalidades da existencia e que o primeiro abalo derrubava.

Ha no meio da corrupção das cidades, d'essas creaturas excepcionaes que possuem todas as virtudes, todas as bellezas moraes e todos os heroismos. Nada as mancha; ellas veem o mal que para ellas avança, mas os seus olhos se fecham sobre a visão pura que vive na sua alma e a perversidade jámais as alcançará.

A sua innocencia conserva-se inalteravel. Vivem e morrem presas ao seu ideal como a hera em volta da arvore.

É esse todo o seu destino.

E ha d'estes seres sublimes em todas as classes sociaes: tanto nos palacios dos ricos, como nas habitações dos burguezes ou nas cabanas dos pobres. O observador á primeira vista não os apercebe, tão modestos elles são, tão simples, tanto se occultam na sombra; mas por pouco que o seu olhar investigador saiba lêr nas consciencias, analysar a vida dos homens e o aspecto das coisas, elle não tarda a reconhecer o heroismo do coração, onde, na apparencia só ha uma existencia monotona, sem colorido e sem perfume.

As mulheres mais do que os homens, teem d'essas dedicações obscuras, que toda a gente ignora, de que ninguem falará e de que mesmo o que d'ellas é objecto não suppôe toda a grandesa.

É quando essas creaturas amantes e tão felizes por se sacrificarem já não existem, que se adivinham todos os primores das suas virtudes.

É quando o frio tumulo as occulta nas suas negras sombras, que se reconhece a bondade do seu espirito e do seu coração e que se lhe faz verdadeiramente justiça.

Mas então, é já tarde!

Esse arrependimento posthumo não consola do remorso de haver quebrado desapiedadamente uma alma encantadora, franca, leal; de ter perdido um thesouro de ineffavel ternura e de amôr sincero, de ter feito chorar dois lindos olhos, de ter feito o desespero d'um inexperiente coração.

Dar-se-hia então dez annos da existencia para tornar a vêr uma hora apenas essa devotada creatura, para se lhe dizer que emfim foi comprehendida e que é amada.

Mas são já inuteis então os desesperos e estereis os votos.

A morte não mais devolverá a sua presa, e o turbilhão do mundo, chama-nos e attrahe-nos com os seus risos, as suas canções, o ruido das suas orgias, o estonteamento dos seus prazeres.

Emilia era do numero d'essas pobres raparigas que, se não tivessem amantes, se fariam irmãs de caridade, dedicando-se aos doentes e á paixão pela cruz.

Dependia ella mais da poesia, que da vontade propria; possuia mais humildade que orgulho, mais resignação que coragem para a lucta.

Tinha sonhado o amôr como a juncção de duas vidas não formando mais do que uma.

Aos dezesseis annos, essa fragil creança realizava o typo perfeito da joven que ama perdidamente.

Nenhum halito impuro bafejava a superficie da sua alma de virgem.

Inspirava respeito, e, instinctivamente, todo o homem, ou todo o rapaz tirava o seu chapeu quando com ella se crusava nas ruas e quando ella para elle erguia os seus grandes olhos ingenuos e leaes.

D'uma delicada saude, ter-se-hia tornado robusta se a alegria a tivesse acompanhado.

Mas vindo os desgostos ella podia morrer, e morria effectivamente, e o mal fazia constantes progressos.

Ronquerolle não a abandonava. Sentava-se aos pés do seu leito e prodigalisava tantos cuidados á doente como se fôra mãe da infeliz rapariga.

Graças a madame de la Tournelle, um dos principes da sciencia fôra chamado a tractar da joven Emilia.

Todas as manhãs esse medico vinha vêl-a e ficava surprehendido dos progressos da doença, e resumia por estas palavras as suas impressões: uma saude delicada morta por um desgosto terrivel.

Algumas vezes, Ronquerolle acompanhava-o quando elle sahia de ao pé da doente, e ambos conversavam na casa de entrada da habitação da pobre rapariga.

– Ora vêde, dizia o medico, que de mysterios encerra a natureza!

«Ahi está uma sublime rapariga que vae morrer, porque n'ella o equilibrio das fôrças é incompleto.

«É cortada pela dôr, como um fragil canniçado pela ventania.

«A sua fraqueza faz d'ella uma santa.

«Os entes verdadeiramente fortes (e vós pertenceis sem duvida a esse numero, reconhece-se rapidamente no vosso olhar), os entes verdadeiramente fortes, são talvez mais feridos pela desillusão do que essa infeliz creança, mas vivem, não soffrem materialmente, sorriem até quando é preciso, teem-lhes inveja, crêem que elles são felizes.

«Olhae, por exemplo, para mim!

«Tenho eu porventura o ar d'um homem digno de lamentações?

«Possuo uma fortuna e goso d'um nome glorioso, entretanto um grande ferimento moral, me atormenta.»

Ronquerolle estava surprehendido pelas confidencias do notavel medico. Esse homem parecia adivinhar o seu pensamento, via claro na sua vida e comtudo devia ignorar em que mundo de emoções se encontrava agora o seu espirito.

E o amante da marqueza ia no entanto prodigalisando todos os cuidados, todos os carinhos a Emilia.

Installou juncto d'ella uma excellente enfermeira, e vinha todos os dias, de manhã e á noite informar-se do estado da doente.

Muitas vezes mesmo durante o dia elle enviava ali o seu dedicado amigo Branche, para distrahir a infeliz rapariga.

Mas o mal fazia os mais rapidos progressos.

Os pulmões esphacellavam-se, o medico perdêra ja toda a esperança de salvar a terna creaturinha.

Emilia tinha uma tosse constante e uma febre ardente.

Não podia já deixar o leito.

Encostada a duas almofadas, ella tinha entretanto ainda fôrças para lêr.

E satisfazia-se ainda, sentia um ineffavel prazer em voltar a lêr as bellas paginas lidas n'outros tempos com Maximo, junto do fogão nas noites de inverno.

Qualquer soberbo romance de Balzac ou de Stendhal, qualquer livro de deliciosos versos de Alfredo de Musset, de Lamartine, de Victor Hugo e outros.

Ah! Como ella agora comprehendia melhor os gritos de desesperação dos poetas e o scepticismo dos grandes observadores ante a alegria que passa e a felicidade que se aguarda.

E a pobre Emilia sentia mesmo um extranho prazer em sentir-se abatida pela dôr, agarrada pela morte.

Envolvia-se no seu infortunio como em luxuosa e linda capa de baile.

Quando, após ter lido muito, a fadiga a prostrava, deixava cahir o livro sobre o leito e a sua ainda bella cabeça tombava sobre o almofadão, e perdia-se n'um mundo de recordações.

Via-se então ainda muito creança; rodeada de carinhos, adorada por sua mãe, que tambem bem cêdo a morte arrebatara.

Como esses dias lhe pareciam estar ainda proximos.

Recordava-se da egreja onde ia ouvir missa todos os domingos, com os seus modestos mas lindos vestidinhos claros, e onde pondo as mãos rogava a Deus e á Virgem toda a sorte de felicidades para a sua familia e para si.

Depois viera para Paris, recolhida por uma tia, após a morte de sua santa mãe.

Tinha então quinze annos e o seu maior desejo era estudar, aprender para ser quanto possivel independente. Seguira para isso o curso da Sorbonne.

Foi ahi que ella conheceu o Maximo, que ella o amou com toda a sua alma; sim, com toda a sua alma tão leal, tão enthusiastica.

E quando apenas tocara na taça da vida era preciso deixar o festim e seguir até lá baixo, ao cemiterio, a deitar-se na terra fria.

Emilia não podia, mau grado a resignação do seu temperamento e do seu caracter, olhar para o seu destino sem uma secreta revolta.

Como a «Joven captiva», de André Chenier, ella desejaria não morrer ainda.

Pois quê! a sua vida estava terminada, ella ia desapparecer da scena do mundo sem ter visto acabar a primavera, sem ter colhido as flôres d'essa estação, sem ter repousado sob os ridentes arvoredos, sem ter conhecido o verão abrasador, nem o outomno fecundo!..

Tres mezes decorreram n'estas angustias moraes.

Ronquerolle foi admiravel de dedicação.

Quando o fim se approximou, quando o medico declarou que Emilia ia morrer, Ronquerolle nunca mais abandonou a doente.

Sombrio ante a implacavel fatalidade que pesa sobre os sêres humanos, accomodára-se juncto do leito da moribunda, sem ter a coragem de a animar.

Emilia, no delirio da febre falava-lhe como se longos annos de felicidade lhe tivessem sido promettidos.

– Maximo, dizia ella no desvairamento da rasão, Maximo, meu querido Maximo, nós vamos unirmo-nos para sempre!

Coisa alguma nos poderá separar, não é verdade?

A minha vida vae ficar unida á tua. Sou a tua mulhersinha! Sim! A tua mulher.

Ah meu adorado Maximo! Se tu soubesses como eu desejava ser a tua esposa. Se soubesses como eu soffri por ser sómente a tua amante!

Era o meu sonho chamar-te o meu marido, e poder caminhar com firmeza, sobre o teu braço, e de cabeça erguida, sem receio!

Pois bem, o meu sonho, está realisado, não é verdade? E eu sou feliz. Já posso acompanhar-te sem córar. Agora dizem ao vêr-nos passar em Luxemburgo: ahi vão dois jovens noivos; e como elles vão contentes, como se amam!

Ronquerolle chorava ante o delirar da sua pequenina amiga, da sua «querida toutinegra» d'outros tempos, como elle tinha por costume chamar-lhe, brincando com ella como duas creanças.

E o deputado de agora tapava o rosto com o lenço e soluçava.

Emilia entretanto nos seus delirios febris, tinha projectos adoraveis, d'uma simplicidade encantadora.

– Dize, Maximo, exclamou ella, quando voltar a primavera tu levar-me-has para o campo, não é assim?

Iremos pelas veredas embalsamadas, pelos trigaes, pela beira dos bosques e das vinhas… Vestir-me-hei como tu gostas; porei um d'esses chapeus de verão, que tanto te agradam e que, dizes tu, me ficam muito bem.

N'um dos seus momentos de lucidez, Emilia pediu a presença d'um sacerdote e recebeu os sacramentos com a devoção e recolhimento d'uma creança na sua primeira communhão.

 

Quando Ronquerolle viu a sua pobre amiga erguer-se, aproximar o rosto e receber a hostia sagrada das mãos do sacerdote, a impressão n'elle produzida foi tão violenta, que não poude conservar-se ali por mais tempo e sahiu a respirar por um momento no boulevard Montparnasse.

Uma vez ali, reparou n'uma carruagem fechada que perto estacionava.

Aprumando-se viu que alguem de dentro da carruagem o chamava.

Era madame de la Tournelle que inquieta, viera ali para informar-se do que se passava.

– A pobresinha, disse-lhe Ronquerolle, morrerá mal chegue a noite, são estas ás palavras do medico. Parte-se-me o coração e soffro muito por vêl-a assim desfallecer.

«Não quero abandonal-a assim. Volto para junto d'ella.

Eram umas quatro horas da tarde.

A marqueza quiz acompanhar Maximo até á cabeceira da moribunda.

Emilia já mal respirava.

A garganta comprimia-se-lhe e apenas podia volver os olhos sem mover a cabeça.

O medico tambem estava perto d'ella. O seu aspecto grave e triste era como uma phrase completa e fatal.

A morte reclamava aquella pobre rapariga e elle tinha que se curvar, aguardando apenas o momento em que aquella existencia teria que cessar.

Madame de la Tournelle collocára-se ao lado do medico.

O perfume a heliotrope da sua toilette enchia, embalsamava o quarto de Emilia.

A marqueza contemplava curiosamente aquella pobre moribunda e pensava que durante muitos annos a infeliz que ia morrer fôra a amante de Ronquerolle.

Este, sentado aos pés do leito da pobre creaturinha sentia a mais violenta das punhaladas que pode atravessar o peito d'um homem de coração.

E olhava essa figura magra, descarnada, que elle amara nos dias da sua irrequieta mocidade.

Quantos beijos elle tinha deposto n'aquelles labios agora sem côr, n'aquellas faces, n'aquelles olhos, sobre esse rosto outr'ora encantador!

E não podia acreditar que a morte ia apagar a luz d'aquelles olhos que elle amára, e gelar aquelle coração que lhe pertencêra.

Emilia fez ainda um esforço para se sentar no leito. Ronquerolle correu a ajudal-a.

A infeliz voltou-se então para o lado onde se encontrava madame de la Tournelle, e poude ainda dizer:

– Oh! Minha senhora! Amae-o como eu o amei, apenas por elle!

Depois pondo a mão fria de neve sobre o rosto de Ronquerolle, proseguiu:

– Não tenhas remorsos, meu amigo, a minha vida estava condemnada! Eu teria querido viver apenas para ti…

«Tu não sabes como eu te amava! Mais tarde o comprehenderás e sinto que não poderás esquecer-me!..

E nada mais poude dizer. A sua linda cabeça cahiu novamente sobre a almofada, e alguns instantes depois a pobre rapariga expirava.

No dia seguinte um coche magnifico, coberto de flôres, dirigia-se lentamente, pelas dez horas da manhã, para os lados do cemiterio do Père Lachaise. Uma unica carruagem de luto seguia o coche funerario.

Tres pessoas occupavam essa carruagem. A um dos cantos um rapaz soluçava, immerso na dôr, aniquilado.

Uma dama com o rosto coberto por um espesso véu, tentava inutilmente animal-o. Em frente d'elles, silencioso, sombrio, um homem, com o queixo encostado ao castão dourado da sua bengala, embrenhava-se em mysteriosos pensamentos.

Estas tres personagens eram Ronquerolle, madame de la Tournelle e o medico que tratara Emilia.

Eram elles que acompanhavam a querida creaturinha á ultima morada, tanto do rico como do pobre, do sabio como do ignorante, do valente como do fraco.

Em volta d'elles o ruido, o movimento da grande cidade, eram de estontear.

A manhã estava bella, o sol de outubro era ainda lindo com os seus reflexos de ouro e aquecia os boulevards.

Alguns passeantes reparavam n'esse bello coche funerario coberto de flôres e seguido apenas por uma carruagem.

E pensavam que havia ali talvez um d'esses dramas patheticos, que Paris possue em tão grande numero.

Ronquerolle, do qual a superior intelligencia cedêra o logar á tristeza, conservou-se muito tempo inconsolavel pela morte de Emilia. A febre da ambição fôra dominada pela da dôr.

Passou os dias a evocar a tocante recordação d'essa rapariga que elle tinha amado, que a elle se havia dado com todo o seu coração, que elle possuira e que morrêra por elle. De noite não podia dormir, erguia-se e ia contemplar o retrato da querida defunta, pendente d'uma das paredes da sua habitação.

Quando olhava para essa figurinha tão graciosa, de olhar tão singello e tão suave, o seu coração estremecia com as recordações do passado, e grossas lagrimas cahiam dos seus olhos e rolavam sobre o seu rosto varonil de tribuno popular e de poeta.

Depois ia tirar d'uma gaveta um masso de cartas, e relia-as.

Sabia-as de cór, mas o fixar a calligraphia da sua joven companheira da mocidade, era para elle motivo de intima consolação.

Eram já de longo tempo essas cartas. A tinta havia empallidecido e as datas traziam recordações a Ronquerolle.

– Que fatalidade! exclamava elle.

Tudo se acabou.

O luto entrou no meu pensamento e jámais o amôr me dará uma alegria sem uma triste recordação. Encantadora e bôa creança, com a tua mocidade levaste tambem a minha para o tumulo. Os tempos de illusão acabaram-se, as horas tranquillas não voltarão mais. Agora só vejo na minha vida sombras e tempestades.

Para acalmar as suas apprehensões, para procurar serenar os seus nervos, Ronquerolle começou a escrever versos em memoria da sua adorada Emilia.

Compoz um verdadeiro poéma em sua honra e fêl-o publicar n'uma revista litteraria.

Esses versos foram notados e commentados nos jornaes politicos.

A marqueza de la Tournelle respeitou a dôr do seu amante.

Ella sentia uma infinita e deliciosa commoção ao pensar que tambem seria adorada por aquelle homem, e mais ainda que a bôa, mas simples creaturinha que acabava de morrer.

Entretanto aproximara-se o dia da abertura das Camaras e Ronquerolle sahiu como que d'um sonho quando leu no «Jornal Official,» o decreto presidencial, e recebeu aviso, na sua qualidade de deputado, de que o Parlamento ia recomeçar os seus trabalhos. Estava como um homem que após um longo e profundo somno, desperta com a impressão de que tem um rude trabalho a desempenhar, e um grande caminho a percorrer. Experimentado pela dôr, devorado pela paixão, Ronquerolle ia entrar na vida politica como um verdadeiro athleta, treinado por violentas luctas.

VIII
Policia dupla

As tribunas da Camara estavam cheias de gente.

Personagens officiaes, jornalistas, provincianos ha pouco chegados a Paris, mulheres da moda, elegantes, avidas de emoções oratorias, politicos de varios matizes, alguns más linguas e intriguistas e parentes e amigos dos deputados, de tudo ali havia.

As ordens eram severissimas relativamente á entrada; era impossivel assistir á sessão legislativa, sem um bilhete perfeitamente em regra, e verificado mais d'uma vez com o maior cuidado.

N'uma das primeiras tribunas, um pouco á esquerda, viam-se duas mulheres novas, e notava-se mais que uma era trigueira e outra loura. Sorriam e agitavam habilmente os seus leques.

De quando em quando, percorriam com o olhar atravez o «lorgnon» de aros de ouro, as bancadas dos deputados, e communicavam uma á outra as suas impressões.

Vestiam «toilettes» muito elegantes; no emtanto mostravam-se á vontade sem procurarem attrahir a attenção da camara ou das galerias, embora não podessem passar despercebidas.

A loura era a marqueza de la Tournelle e a outra senhora que a acompanhava era uma das suas amigas, a esposa d'um deputado da Direita, madame de Fleurus.

O ministro da guerra acabava de dar á camara explicações sobre as despezas não previstas pelo orçamento, e das bancadas do Centro ouviam-se ainda appoiados, quando o prezidente da Assembleia pronunciou gravemente estas palavras:

– Na ordem do dia figura uma interpellação do sr. Ronquerolle sobre a politica geral do governo.

– Tem a palavra o sr. deputado Ronquerolle.

Estabeleceu-se silencio. Das bancadas mais distantes da extrema esquerda, ergueu-se um homem novo, de excellente figura, que depois se dirigiu lentamente até á tribuna dos oradores.

Subiu os degraus com passo cadenciado e pousou sobre o marmore alguns papeis.

Depois lançou um rapido olhar sobre o auditorio e começou a falar n'um tom muito baixo.

Tinha deante de si os ministros aos quaes não perdia de vista. Pouco a pouco, a sua voz foi-se avolumando, tornando-se mais forte, e resoou em todo o ambito do Parlamento.

Ronquerolle passava á fieira os actos do ministerio, e fazia resaltar a hypocrisia d'alguns dos membros do governo.

Fustigava todos os homens que ambicionavam o poder só para adquirirem fortuna, não considerando o povo senão como uma machina util ás suas ambições.

Erguendo os olhos para o lado das tribunas reservadas, Ronquerolle viu a sua amante.

Ao clarão d'esse olhar apaixonado, á visão rapida d'essa bella figura, d'esses cabellos dourados e abundantes, d'esse collo admiravel apertado n'um delicioso corpete, á vista d'essa mão fina e bem desenhada agitando o leque finissimo, o joven deputado sentiu como que uma vertigem, uma forte commoção electrica, e encontrou para as suas palavras uma dicção e uma accentuação de tanta eloquencia que fez estremecer todo o auditorio.

Ronquerolle, porém, nem via a Assembleia, esquecêra os seus collegas, os seus inimigos da direita da Camara e os seus amigos da esquerda; não via mais ninguem pelo espirito, senão a sua bella Carlota, a sua conquista, a sua felicidade, o seu thesouro, a sua vida.

Queria conquistar a inteligencia d'aquella mulher que adorava, como já havia conquistado o seu coração e os seus beijos.

Queria unir-se a ella pelos laços indestrutiveis da estima, e do respeito pela sua coragem e pelo poder do seu cerebro.

A bella Carlota toda estremecia de prazer no seu logar.

Respondia ligeiramente á sua amiga, que lhe dava conta das suas impressões:

– Que pena, dizia ella á marqueza, que este homem não seja dos nossos! Desejaria vêr a causa dynastica, defendida assim com esta energia e com este vigor.

A marqueza fechou os olhos por um momento, n'uma grande commoção de felicidade.

Ella, positivamente, bebia soffregamente as palavras do amante.

Gozava assim deliciosamente do mysterio da sua ligação com Ronquerolle.

Tudo n'ella se satisfazia n'esse momento, o seu orgulho de mulher, a sua superior concepção do amôr; o seu voluptuoso ideal, a sua propria vaidade, n'uma palavra, a sua intelligencia e o seu coração.

Essa sessão da Camara gravou-se na sua memoria com uma tal intensidade de traços, que jámais se apagariam.

Comprehendeu n'esse dia como a sua existencia estava ainda incompleta, e teve como que um grande arrependimento de tantos annos perdidos já, e que se assemelhavam a um campo arido sem arvores, sem verdura e sem flôres.

O discurso de Ronquerolle causou enorme impressão.

Foi discutido por toda a imprensa.

Uns encheram de elogios o joven orador, outros criticaram vivamente as suas doutrinas, mas toda a gente se curvou perante a sua incontestavel eloquencia.

Na quinzena que se seguiu, o novo deputado não teve mãos a medir.

Era uma alluvião de solicitadores.

Ou vinham felicital-o, ou enviavam-lhe delegações, ou convidavam-n'o para conferencias e banquetes.

Janeiro estava a findar e os dias eram pequenos; desde as cinco horas que a noite envolvia Paris, e o inverno era rigoroso.

N'uma quinta-feira, Ronquerolle sahindo da Camara, dirigia-se a pé para sua casa pela explanada dos Invalidos. Cahia gelo e por isso eram raras as pessoas que andavam pelas ruas.

Chegado á altura da rua de Grenelle, o deputado de Saint-Martin, parou um momento para deixar passar uma fila de carruagens…

Como olhasse em torno de si, antes de atravessar a rua, notou á sua esquerda, um individuo cuja figura não lhe era desconhecida.

Esse homem conservava-se a distancia, e quando viu que Ronquerolle o observava, alargou o passo e passou adeante do deputado.

– Ah! Já sei, disse Maximo, este homem é um agente da policia. Depois da minha interpellação ao ministerio, este honesto espião não me deixa um segundo.

Não se enganava. O homem era effectivamente um agente da policia secreta. O discurso de Ronquerolle tornara-o um deputado perigoso, temivel para um ministerio na agonia. A consequencia natural d'esse facto era fazel-o submetter a uma rigorosa espionagem.

Chegariam com essa espionagem a colher elementos da sua vida privada, de que naturalmente se serviriam no momento opportuno para entravar essa eloquencia que vinha de nascêr e que se apresentava implacavel para com a traição.

 

Ao mesmo tempo que os adversarios de Ronquerolle o submettiam a essa vergonhosa e ignobil observação dos agentes da policia secreta, o inimigo da marqueza de la Tournelle não dormia tambem.

Mais enraivecido que nunca, o barão de Quérelles tinha resolvido, elle tambem, fazer passar a bella Carlota por uma espionagem assidua.

Adivinhava que ella tinha um segredo a occultar, e esse segredo queria elle conhecêl-o, afim de a fazer estremecer ante a sua pequena estatura.

O pygmeu, o tacanho, desejava humilhar a nobre mulher cujo coração não vivia senão para o amôr e pelo amôr, cujo espirito jámais conhecêra o que fosse uma baixeza.

É assim que, na vida, as almas mesquinhas e cubiçosas attacam a belleza, a generosidade, a coragem, a franqueza que lucta á luz do sol, a franqueza que procura sempre a verdade e segue ousadamente no seu caminho claro e leal.

Em redor dos entes superiores e brilhantes giram os perversos silenciosos e invejosos. Não teem senão um fim, incommodar, prejudicar; senão um pensamento, infeccionar, macular; não teem mais que um desejo, um empenho, buscar trazer até elles, até á lama que os envolve, as creaturas de eleição, que lhes fazem sombra, e das quaes elles não podem imitar as qualidades e as virtudes.

E assim é que, n'um jardim, se vê muitas vezes uma lagarta repellente instalar-se na mais bella rosa deixando a sua nojenta baba sobre as petalas da flôr.

O barão de Quérelles era um ente odioso, desprezivel, abjecto, mas não era um imbecil.

Comprehendia que só uma mulher podia espionar outra mulher, e poz-se em campo para descobrir esse cumulo da infamia.

Á uma hora depois do meio dia vinha elle descendo a Avenida dos Campos Elyseos, após um copioso almoço, quando subitamente deu uma palmada na testa, como se fôra illuminado por uma inspiração celestial e apressou o passo.

– Mas, sem duvida, exclamou elle comsigo mesmo, M.me William tratará perfeitamente do negocio. Como não havia eu pensado n'ella ainda?! Oxalá que ella não tenha mudado de rezidencia!

E Dominique, sem se envolver n'outras meditações, cortou á esquerda, seguiu ao longo do palacio do Elyseu e chegou rapidamente ao «boulevard» Malesherbes, onde outr'ora M.me William occupava uma vasta habitação em que dava soirées muito concorridas de jovens ricaços, jornalistas, romancistas mundanos, mulheres novas e bonitas, casadas com maridos velhos ou de habitos sedentarios, preferindo o canto do fogão, ou o leito, ás seducções d'um baile, que começa ás onze da noite, para terminar ás seis horas da manhã.

– M.me William! perguntou Dominique timidamente ao porteiro.

– No segundo andar, á esquerda, respondeu o homem.

Podeis subir, madame está em casa.

O barão respirou.

Havia bem uns cinco annos que elle não visitava a mulher, cuja recordação lhe viera tão aproposito.

Receava não a encontrar, pois que M.me William era pessoa que se mudava a miudo e que viajava mais a miudo ainda.

– Que milagre! pensou de Quérelles. O quê! Depois de cinco annos, ella não deixou esta casa, onde eu a vi pela ultima vez!

Terá renunciado aos elegantes negocios d'outros tempos!

M.me William era de origem ingleza.

Habitava em Paris ha uns dez annos com suas duas filhas.

Porque a tinha deixado seu marido, official superior no exercito britannico? Ninguem ao certo, o sabia.

M.me William, no emtanto, dizia que seu marido não tivera razão para a abandonar e todos fingiam acredital-a.

Fôra recebida na sua qualidade de estrangeira, em muitos salões frequentados pela alta sociedade.

Entretanto o papel que ella dezempenhava no meio parisiense dava-lhe protectores altamente collocados e a sua elegancia mundana attrahia indulgencias ao seu procedimento.

Tinha por pessoas da sua amizade, financeiros, homens politicos e especuladores de negocios varios. O fundo da sua existencia era o dinheiro, a intriga, a galanteria, o proprio vicio. Se se tratava de fazer propostas deshonestas a uma consciencia recta, a uma mulher cubiçada, procurava-se para esse fim M.me William.

Por cada operação d'esse genero recebia ella os seus emolumentos. O seu alojamento de seis mil francos era pago com toda a regularidade, assim como as suas bellas «toilettes» e os ordenados dos seus innumeros serviçaes.

M.me William era uma mulher sem pudôr e que dispunha para satisfazer os seus vergonhosos compromissos d'uma actividade inacreditavel.

Era, n'uma palavra, a encarnação poderosa e perigosa da immundicie coberta de ouro, passeando de coche, adulada, procurada; infame podridão, merecendo ser lançada ao monturo, depois de ter sido esmagada debaixo dos pés. Era a lagarta sem nome, de corpo repellente, devastando esse immenso jardim humano que se chama Paris.

Tal era a immunda creatura á qual o barão de Quérelles ia confiar a missão de perder a marqueza de la Tournelle.

M.me William não tinha ainda attingido os quarenta annos. Era bastante formosa; e só por vêl-a e ouvil-a ninguem podia jámais suppôr as torpezas da sua vida.

Falava muito correctamente o francez, com uma ligeira accentuação estrangeira, o que lhe dava mais uma linha de seducção.

– Que foi isso, barão, disse ella a Dominique, que bom vento vos trouxe até aqui? Julgava-vos casado. Sabeis que me haveis abandonado bem singularmente?!

De Quérelles mostrava-se embaraçado. Não sabia como abordar o assumpto pelo qual ali viera, e sentia desejos de abreviar aquella visita mesmo sem ter dito cousa alguma.

Mas M.me William é que comprehendia claramente que se elle voltara a procural-a após tel-a esquecido durante cinco annos, era porque no seu espirito existia qualquer preocupação grave.

Tinha a impressão de que era preciso manobrar com toda a astucia dos dias solemnes e dispunha já em linha de ataque todas as suas baterias. Fez assentar o barão n'um sophá, perto d'ella, e interrogou-o sobre os assumptos mais extraordinarios. Jamais um confessor empregou mais habeis estratagemas para facilitar a confissão a um penitente, para o obrigar a confessar qualquer grande peccado dos que não se ousam contar em voz alta, de que só se fala na meia escuridão d'um fim da tarde e fechando os olhos.

Após duas horas de conversação o barão descarregára do coração um grande fardo.

A sua confissão fôra completa.

M.me William soubera que Dominique gostava da marqueza de la Tournelle, que elle tinha sido alvo dos desdens d'essa dama da aristocracia, que elle desejava vingar-se humilhando a altiva fidalga; que era preciso portanto, descobrir á marqueza qualquer amante verdadeiro ou falso, fazer estalar o escandalo, e depois recolher, em bôa ordem, algumas excellentes notas de mil francos na sua bolsa.

A intrigante experimentou uma alegria diabolica, pensando que ia achar-se em frente da marqueza. Havia muito tempo que esta aranha ingleza não envolvia nos fios da sua teia tão bella presa. Detestava por natureza as mulheres d'um mundo superior ao seu, e reservava-lhes as suas mais crueis ciladas.

Começou por encommendar duas soberbas «toilettes» n'uma modista da moda, no «boulevard» Haussmann.

– Meu pequeno De Quérelles, disse ella comsigo mesma, subindo para o seu coupé, depois de ter escolhido os tecidos de que deviam ser feitos os vestidos que encommendára, serás tu quem pagará a factura como inicio do negocio, que em seguida realizaremos sob um aspecto de seriedade.

Eu sou como o governo, tenho neccessidade n'esta occasião de abrir emissões para fazer effeito, e conto comtigo, meu caro barão, para satisfazeres na caixa as obrigações contrahidas.

E desatou a rir, imaginando que tinha tanto espirito como Voltaire. M.me William applicava uma certa consciencia no cumprimento da sua ascorosa tarefa. Gostava de penetrar nos segredos das familias, mas queria obter dados precisos, exactos, constatados por ella tanto quanto possivel, depois do que manobrava com uma espantosa segurança e firmeza de pulso.

Uma manhã, acabando de tomar o seu chocolate, começou a pensar seriamente, no que ella chamava o negocio do barãosinho.

– Vejamos, vejamos, dizia ella para comsigo, trata-se de saber se essa formosa marqueza tem um amante, ou antes, como ella com certeza o possue, trata-se de descobrir quem elle é.