Za darmo

Amôres d'um deputado

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VI
Momentos decisivos

O partido conservador, um momento enfraquecido, voltara de novo a cobrar confiança e serenidade.

O banquette do castello de «la Tournelle» produzira um grande alarido. Relatorios, habilmente redigidos pelo conde d'Orgefin appareceram em differentes jornaes e foram enviados a todos os eleitores.

A presença do bispo era commentada de muitas maneiras e fizera-se correr o boato de que Ronquerolle se encontrava extremamente desanimado a ponto de se dizer que renunciaria á sua candidatura.

Ronquerolle, porém, não perdia o seu sangue frio. Sem descançar percorria a circumscripção, reunindo os eleitores nas salas da estalagem onde repousava. O seu «comité» trabalhava na expedição das profissões de fé, boletins para votos e nos cartazes. Branche, Didier e Maupertuis redigiam os numeros do «Reveil» que saía agora tres vezes por semana.

Um facto que preocupava extraordinariamente o publico era o silencio subito do barão «de Quérelles». No principio da campanha eleitoral, viram-no lançar-se abertamente na lucta e tomar o partido, senão, por Ronquerolle, ao menos contra o marquez «de la Tournelle»; passados, porém, quinze dias o barão emudeceu e tornou-se quasi invisivel. Áquelles que se lhe approximavam e que o interrogavam respondia que era necessario esperar para a ultima hora para poder inclinar-se definitivamente para um dos partidos.

Uma colera estranha se apoderara do barão. Sentia-se indisposto com todo o mundo; contra o marquez, contra a marqueza, contra Ronquerolle e até contra si proprio. As suas manobras não tinham dado resultado algum e conhecia que afinal era mais do que o tolo da farça. O seu zelo na lucta afrouxava por isso, não saindo, quasi, do seu castello.

Alguns dias antes do dia 15 de julho, data fixada para as eleições, o barão levantou-se uma manhã com mais mau humor do que o do costume. Maltratava os criados, dava ordens que annulava d'ahi a momentos, passeando com impaciencia e anciedade n'uma galeria, contigua aos seus aposentos, e que dava sobre o jardim.

Quando um dia estava assim preso da irresolução e do desgosto de vêr que a bella Carlota se lhe escapava uma vez ainda, vieram annunciar-lhe que uma deputação d'eleitores o procurava para lhe fallar.

Feliz por ter essa nova distração no meio dos seus desgostos internos, desceu para fallar aos que o procuravam. Na sala encontravam-se assentados uns quinze homens.

Viam-se muitos «maires» influentes dos arredores da cidade e lavradores de blusa que esperavam de chapeu na mão.

– Vejamos, senhor barão, disse o mais velho dos eleitores presentes, por quem devemos votar nas proximas eleições? Vimos pedir-vos este conselho. Faremos o que o senhor barão nos ordenar.

Estas palavras envaideceram o amôr proprio do barão «des Quérelles». Sabia bem que a delegação que se encontrava na sua frente representava bem umas vinte communas importantes.

– Ah! scelerado marquez, pensava elle, depende de mim a tua sorte e vós, senhor repuplicano, tendes a vossa eleição na minha mão.

Após este discurso mental, o barão voltou a ter o bom humor antigo.

– Meus senhores, disse, dirigindo-se aos eleitores, estou immensamente envaidecido com a vossa resolução. Dar-vos-hei, sinceramente o meu conselho. Mas a questão merece um exame muito cuidadoso. Convido-vos para almoçardes commigo e antes que nos separemos, tomarei as minhas resoluções energicas.

Na realidade, o barão não sabia que responder aos eleitores que o vinham consultar. Como todos que se veem embaraçados pediu tempo para reflectir. Se por um lado, odiava de morte o marquez por que fôra o rival que «m.elle de Champeautey» lhe preferira, por outro lado custava-lhe favorecer a eleição de Ronquerolle.

Não comprehendia bem porque este homem lhe inspirava tal anthipatia mas o certo era que o aborrecia.

Adivinhava que este senhor Ronquerolle havia de ser mais tarde um obstaculo aos seus desejos, porque o arrebatado barão não renunciara á esperança de possuir mais tarde ou mais cedo o coração da bella Carlota.

Durante os preparativos do almoço, os homens da delegação foram passear para o parque do barão, que por sua vez se retirou para o seu gabinete de trabalho, preso d'uma perplexidade inquietadora.

– Meu Deus! que hei de aconselhar a estes homens? Se lhes digo que votem por esse tolo do marquez «de la Tournelle» saberá a marqueza reconhecer que é a mim que deve o não ver o seu orgulho e o seu nome humilhados? Se os aconselho a deitarem a sua lista pelo Ronquerolle quem me assegura que a sua eleição não vem pôr uma barreira invencivel entre mim e a minha paixão?

Torturado pela duvida o infeliz barão não sabia para que lado se havia de voltar, quando o creado lhe entregou o ultimo numero do «Echo da Borgonha», o jornal monarchico que pertencia ao marquez. Abriu, e de vermelho que estava, tornou-se pallido como cêra. Na primeira pagina do jornal destacava-se em normando um suelto ironico que lhe dizia respeito. O auctor do pequenino artigo troçava do barão pela sua pequena estatura e fazia insinuar que a pequenez da sua intelligencia estava na proporção da do seu corpo.

Era ferir a corôa sensivel. Este artigo afiado como a lamina d'um punhal, pôz fim ás suas hesitações e decidiu da eleição do circulo de Saint-Martin.

Ah! é isso? Pois bem! disse o barão. Senhor «de la Tournelle», meu amigo, ficarás fóra da lucta, serás vencido, assim o espero. Feliz Ronquerolle, um bom genio te protege!

O barão «des Quérelles» desconhecia por completo a grande verdade que dissera. Sim, um bom genio protegia Ronquerolle. Sim, a felicidade vinha para elle. Que artigo perfido! Quem o redigira? Quem sacrificára assim a vaidade d'um barão? Quem tanta sorte dera a Maximo?

Quem? A propria marqueza «de la Tournelle». Louca pelo seu amante, capaz de fazer por elle todos os sacrificios, não pensando senão na sua fortuna e na sua gloria começou a por ao seu serviço toda a artilharia dos seus ardis femeninos.

«Des Quérelles» estava alegre, como um homem que acaba de tomar uma resolução. O seu caracter colerico encontrou em que se empregar, durante o almoço que offerecêra aos eleitores inflúentes que tinham vindo consultal-o.

– Bebam, meus amigos! dizia aos seus hospedes. Viva Deus! Vamos, finalmente, ver-nos livres d'esse magrizela do marquez. Está entendido, não é assim, no proximo domingo votaremos como um só homem no bello Ronquerolle. Eis um que têm sorte.

Os convivas, bravos lavradores e vinhateiros, bebiam vinho puro, comendo constantemente e rindo á vontade ao ouvir os gracejos do seu amphitrião. A conversação foi declinando a pouco e pouco da politica para os boatos que corriam na cidade e na região. Fallou-se da marqueza, de «M.me de Beaumenard», a mulher do banqueiro; de «M.me Desbroutin», a mulher do notario.

– Parece que esses senhores, dizia o barão, não teem muito que se queixar do periodo eleitoral. Vamos, tanto melhor! Os tres parisienses não vem para aqui só para trabalhar, os galhofeiros; levam-nos, porém, o melhor. O que está nas boas graças da gentil «M.me de Beaumenard» é um finório. Ah! que linda coisa é a mocidade!

O almoço terminou alegremente, como havia começado. Tomou-se café no jardim, onde pouco depois se bebia tambem cerveja. Eram apenas tres horas da tarde. O barão fez a ultima recommendação aos seus hospedes:

O «mot d'ordre» é que o marquez tem de ser vencido. Ide, meus amigos, e levae por toda a parte a boa nova!

Estas palavras deviam dar a Ronquerolle tres mil e setecentos votos. A intelligente marqueza tinha calculado bem, redigindo ella mesma o artigo contra o barão, para excitar a sua colera e para o fazer sair da sua reserva.

Ficou louca d'alegria e louca d'amôr quando soube da resolução de «des Quérelles». Era o bom exito da lucta de Maximo assegurado.

– Ó meu querido amante, dizia ella, sou eu que te abro o caminho da fortuna e da gloria. Serás tu fiel, ao menos?

O caracteristico do verdadeiro amôr foi sempre o sacrificio pela pessoa amada. Sacrifica-se tudo por ella, por ella se affrontam os perigos e a morte, por ella se commettem prodigios, por ella se perde o apetite e o somno e se é feliz com este tormento, com esta dôr, com este mal implacavel que invade todo o nosso ser.

A soberba Carlota estava no paroxismo da paixão. Calma na apparencia sentia-se devorada pelo frenesi do amôr. Passeando no seu jardim, sentia-se tão dominada pela imagem e recordação do seu amante que a custo caminhava. Uma languidez indizivel a fatigava. Podia-se tomar por uma d'essas deusas antigas que atravessavam os bosques sagrados da Grecia e que desappareciam n'uma nuvem azul. Jámais visão tão bella podia inspirar um poeta. Jámais a incarnação da vida se tinha manifestado n'uma mais nobre creatura!

Ronquerolle sentia-se falto de energia.

No ultimo sabbado, vespera da eleição, esteve dominado por um febre ardente. A inquietação devorava-o. Sairia vencedor do escrutinio? Iria de novo passar á obscuridade? Além d'isto o amôr de «M.me de la Tournelle», como uma ferida incuravel, invadia-o, torturava-o, dominava-o. Elle, um homem forte, o cidadão inflexivel, sentia-se vencido por essa mulher, por essa sereia de cabellos loiros.

– O destino! Ella sacrifica-se por mim emquanto que eu, egoista, onde está o meu sacrificio?

Uma agitação extraordinaria o reteve durante as horas em que se procedeu á abertura do escrutinio.

Os partidarios do marquez percorriam a cidade e os arrabaldes, fazendo promessas a uns, ameaçando outros, espalhando profusamente por toda a parte as listas.

Por seu lado os partidarios de Ronquerole não ficaram inertes.

Durante toda a noite de sabbado para domingo desenvolveram uma energia sem igual a fim de levarem os operarios a votarem no candidato republicano. Luctavam com a intrepidez da ultima hora, com a coragem suprema que tem o soldado quando está prestes a derrotar o inimigo.

 

Quando, no domingo de manhã, o escrutinio se abriu, os dois partidos estavam perfeitamente calmos. O momento decisivo approximava-se. Viam-se grupos formados na praça publica e que depois se dirigiam a votar á mairie. Misturavam-se os amigos e inimigos politicos; uns chasqueavam o marquez de «la Tournelle», outros riam-se de Ronquerolle.

Este ultimo abatido pela fadiga e atormentado pelo desassoçego não abandonou o leito n'este domingo fatal que ia dicidir a sua sorte. Victima da ambição, debalde tentava adormecer. Elle proprio tinha censurado o seu procedimento e só o seu amigo fiel, Branche, estava junto d'elle absorvido pela mesma incerteza pelas luctas do futuro.

O escrutinio fechou-se ás seis horas, começando immediatamente o apuramento de votos. A sala da «mairie» estava completamente cheia. Os eleitores presentes escutavam silenciosamente a contagem dos votos.

Alternadamente escutavam-se os nomes dos dois candidatos.

– Sr. de la Tournelle!

– Sr. Ronquerolle!

Cêrca das nove horas os murmurios d'alegria ouviam-se já entre os operarios. Vencia o cidadão Ronquerolle, segundo todas as probabilidades. Tinha a maioria de 1500 votos só na cidade de Saint-Martin. O ruido d'esta vitoria estalou como uma bomba de dynamite.

Uma multidão compacta que esperava as noticias em frente á casa da camara, gritou instinctivamente: Viva a Republica!

Este grito resoou pelo silencio da noite como o ronco d'um trovão. O seu ruido fez-se ouvir no castello feudal do marquez de «la Tournelle» e gelou de terror os realistas que se encontravam reunidos no salão.

– A canalha triumpha disse friamente o conde d'Orgefin. Escute estes gritos marquez! Tenho receio de que tenhamos sido batidos!

De minuto em minuto chegavam estafetas das communas, succedendo-se sem interrupção os telegrammas. Por toda a parte o candidato republicano saía vitorioso.

Cêrca da meia noite a victoria definitiva de Ronquerolle foi proclamada. Vencera pela maioria de quatro mil seiscentos e vinte sete votos. Foi um delirio entre os republicanos.

O «Poule Blanche» illuminou-se, organisando-se grupos que cantavam pelas ruas hymnos patrioticos. Ronquerolle não podia acreditar no seu triumpho. Tinha os olhos cheios de lagrimas continuando a ser devorado pela febre.

Foi preciso que se mostrasse á multidão, da janella, entre bandeiras tricolores e illuminações. Estava pallido como a morte. Quando se fez silencio pronunciou um d'aquelles discursos que inflamam as imaginações e fazem transbordar os corações d'enthusiasmo.

Durante quasi uma hora, o intrepido mancebo fallou á multidão da maneira a mais patriotica. A sua fadiga desappareceu deante d'esses homens rudes e valentes que o applaudiam freneticamente. Quando de novo recolheu ao seu quarto, quando já tinham terminado todas as manifestações, Ronquerolle encontrou-se fresco e bem disposto, tendo-lhe desaparecido a febre; tinha passado a hora d'angustia.

Subia, finalmente, a essa tribuna que tanto ambicionava. Os obstaculos que lhe impediam o caminho desappareceram como uma nuvem ligeira. O caminho do futuro, apparecia claramente agora aos seus olhos. Estava satisfeita a sua ambição.

– Restava-lhe ainda a amante. Ronquerolle passava a maior parte da noite a escrever-lhe.

Toda a poesia da sua natureza inquieta e apaixonada se desenvolveu livremente e as palavras mais ternas sairam da pena.

– «Mulher adorada, escrevia Ronquerolle, devo-te a primeira gloria da minha carreira! Sê bemdita, porque me ajudaste, porque foste immensamente corajosa para sacrificares por mim os prejuizos da tua raça; porque, afinal, tu sacrificaste-te… Que farei eu para recompensar o teu amôr que tão alto vae? Ah! no inicio da minha carreira, pobre, obscuro ainda, não tenho senão a minha mocidade para te dar, a ti minha encantadora e bella amiga, incomparavel Carlota, a ti, cuja graça me encanta, a ti cujos olhos azues me fazem louco, a ti cujo ser me enebria!..

«Que dias felizes eu antevejo! Que ideal visão me persegue! Que nobre destino eu entrevejo para ti e para mim, cara e mysteriosa amante!

«Ninguem saberá que nos amamos, ninguem advinhará o segredo da nossa amizade; amar-nos-hemos, adorar-nos-hemos por nossos proprios merecimentos e não para obedecer ás convenções sociaes, não para nos conformarmos com interesses pueris.

«… Para ti toda a minha alma, para ti o melhor do meu pensamento, para ti a minha vida»!

Ronquerolle não podia de maneira alguma terminar a carta. O seu coração transbordava de ternura, quizera encerrar n'esse papel toda a sua existencia: o passado, o presente e o futuro.

Antes de a fechar releu-a; lagrimas ardentes lhe marejaram os olhos, a ponto de a si mesmo perguntar se não estaria preso d'uma allucinação.

E lacrou a carta sentindo-se moralmente fatigado.

VII
Vida nova

Na quinta-feira seguinte ao dia da eleição, pelas dez horas da manhã, a cidade de Saint-Martin apresentava um aspecto de festa fóra de costume. O sol de julho brilhava n'um ceu purissimo, e o calor era já asphyxiante. Quinhentas a seiscentas pessoas estacionavam em frente do edificio da Camara, onde acabava de chegar uma fanfarra com o seu estandarte, e ia formar-se o cortejo.

Os republicanos preparavam-se para acompanhar até á estação dos caminhos de ferro o cidadão Ronquerolle que partia para Paris.

Por entre os grupos que se viam formados pela praça, o observador prespicaz teria notado tres mulheres novas, que muito chegadas umas ás outras pareciam tristes e preocupadas. Entretanto sorriam mas o seu sorriso era contrafeito.

Esse grupo feminino compunha-se da graciosa Madame Beauménard, a mulher do banqueiro, da buliçosa Madame Desbroutin, a mulher do tabellião, e finalmente da elegante Madame Jolibois, a mulher do recebedor das contribuições.

Todas tres muito amigas, não tinham segredos umas para as outras.

Madame Beauménard deixara-se prender pelas declarações amorosas de Didier; Madame Desbroutin adorava Branche, e, finalmente, Maupertuis conseguira fazer sossobrar a virtude um pouco arisca de Madame Jolibois.

Ai, como são rapidos os dias felizes!

Os apaixonados retomavam o vôo em direcção a Paris, e a vida monotona da provincia ia recomeçar para aquellas galantes mulheres.

De repente, o deputado Ronquerolle appareceu seguido dos seus tres amigos, de todos os membros do «comité» republicano e de numerosos cidadãos, pertencentes ás diversas classes da sociedade. Estava pallido, quasi livido e uma gravata vermelha fazia ainda resaltar essa pallidez, resultante da fadiga e das commoções soffridas. A fanfarra executou a «Marselheza» e o cortejo poz-se em marcha.

Quando Branche, Didier e Maupertuis passaram junto das suas tres amantes, trocaram-se rapidos olhares e as tres mulheres não puderam conter as lagrimas.

– Amava-l'o muito? disse Madame Jolibois a Madame Beauménard.

– Minha querida, era louca por elle! E tu? redarguiu a interrogada.

– Eu, quereria partir com elle, respondeu Madame Jolibois.

Quanto a Madame Desbroutin, estava tão commovida, que apenas poude dizer:

– Que ha de ser de nós, agora? Esses rapazes que partiam eram a poesia, o amôr a paixão.

A marqueza de Tournelle havia deixado Saint-Martin no dia seguinte ao das eleições. Estava em Paris havia quatro dias, quando Ronquerolle ali chegou.

A grande cidade estava n'essa occasião deserta. A alta sociedade partira já para as estações de aguas, para os banhos do mar, para o campo. Apenas ficára a população que as necessidades da vida prendiam em Paris. O calor tornava-se mais violento dia a dia.

A marqueza habitava um soberbo palacete na rua de Varennes, construido entre um pateo e um jardim.

Habitualmente demorava-se no campo até aos fins de novembro, mas o seu regresso inesperado a Paris foi explicado pelo cheque eleitoral soffrido pelo marquez seu esposo.

O sr. de La Tournelle, sentindo-se envergonhado, humilhado, diante de sua mulher, não ousava acompanhal-a á grande capital. Por outro lado o continuar em Saint-Martin lhe parecia tambem insupportavel e por isso partira, sem demora, para a Suissa, em companhia do conde de Orgeffin.

Ronquerolle, em vista da sua nova situação, alugara uma bôa habitação perto dos Invalidos, ficando estabelecido que Branche seria seu secretario e rezidiria com elle. Quanto a Maupertuis e a Didier installar-se-hiam nas immediações.

A abertura das camaras devia realizar-se em outubro, e por isso restavam ainda ao novo deputado dois longos mezes para se preparar para as luctas parlamentares, para se concentrar antes do combate, e para se entregar inteiramente á sua amante.

Durante esse espaço de tempo esses dois entes privilegiados foram completamente felizes. Encontravam-se todos os dias e a sua intimidade augmentando, augmentou a sua paixão. Até então elles tinham-se mais adivinhado do que conhecido. E que alegria foi para elles o reconhecerem, mutuamente, que eram ainda superiores á ideia que se haviam formado de sentimentos, de intelligencia e da elevada concepção do amôr.

Ronquerolle estava completamente fascinado, maravilhado da audaz belleza de Madame de la Tournelle e a marqueza adorava o seu amante pela sua mocidade, simplicidade, pela vehemencia da sua paixão e do seu formoso espirito, e tambem pela sua insaciavel ambição.

Ronquerolle comprazia-se em fazer-lhe longas confidencias sobre os seus projectos de futuro. Não queria entrar na camara dos deputados para se deixar seduzir pelo apparato do poder, para ser cumplice ou victima da corrupção, da ignorancia ou do embuste; mas sim para representar verdadeiramente o papel de reformador, tomando o povo como ponto de apoio…

Uma tarde, quando o sol desapparecia por detraz do Arco do Triumpho, e quando já descia o crepusculo sobre a grande cidade, o orgulhoso rapaz repetia á sua amante os seus sonhos de esperança, deixando as palavras seguirem o curso do seu fogoso temperamento.

Electrisas-me, meu adorado, dizia-lhe a encantadora e loura Carlota de la Tournelle; perdôa-me mas sou ciumenta como uma panthera, e estremeço ao pensar que em breve te tornarás uma figura celebre, que os mais provocantes sorrisos te vão ser dirigidos, e que, pode ser, que então, eu não seja a unica a possuir toda a tua alma!

– Tranquilisa-te, respondeu Ronquerolle; porventura não sentimos que este amôr é de vida e de morte.

– Sim, sim, retorquiu vivamente e apaixonadamente a marqueza, amôr para a vida e para a morte!

Algumas vezes, tambem pelas onze horas da noite, os dois amantes passeavam juntos, a pé ou de carruagem, percorrendo os bairros mais afastados e solitarios, pois que a marqueza ficaria perdida se fosse reconhecida nos seus passeios em companhia do joven deputado republicano.

N'um sabbado, pela meia noite, quando entravam por uma pequena rua desviada da habitação de Ronquerolle, estremeceram ambos ao mesmo tempo ao cruzarem-se com um individuo que seguia em sentido contrario.

Felizmente para madame de la Tournelle ella usava um véu espesso e não poude por isso ser reconhecida.

O homem que passara perto d'elles era o barão de Quérelles, que, por seu turno, acabara de chegar a Paris, com a firme rezolução de vigiar a marqueza.

Como seguia preoccupado e muito rapidamente, o barão nem mesmo reconheceu Ronquerolle, mas fôra reconhecido por este e por madame de la Tournelle.

– Diabo, exclamou Maximo, vamos ter este pequeno barão a seguir-nos os passos. É preciso acautelarmo-nos até que d'elle estejamos livres.

Por esta epocha, Ronquerolle recebeu uma carta que profundamente o impressionou.

Era a pobre, a pequena Emilia, sua amante d'outros tempos, que lhe escrevia.

Ronquerolle ainda não a tinha ido ver, e a infeliz rapariga sabendo do seu regresso a Paris, lamentava-se do abandono a que elle a votara.

«Eu bem sabia, lhe dizia ella, que a tua partida para a Borgonha era o fim dos nossos amôres! Eu bem sabia que uma nova vida ia começar para ti, meu adorado Maximo, e que eu, pobre flôr desfeita, seria sacrificada á tua ambição, que uma nova paixão exige.

«Bem sabia ao vêr-te partir que tudo era perdido para mim, o meu unico amigo, o meu bem amado, o meu querido amante! Escuta, prefiro antes morrêr a descêr pela escada fatal das raparigas bem educadas mas pobres. Tornar-me-hia a amante d'um outro, que me abandonaria tambem, depois d'um terceiro, e depois, de todo o mundo! Não! Não! Repito-te, antes a morte!

«Não me digas que ainda me amas; se assim fosse não terias vindo abraçar-me logo após a sahida do comboio que te conduziu a Paris? E tu estás aqui ha quinze dias, e em vão te hei esperado todas as manhãs e todas as tardes.

 

«Oh! Maximo! Meu querido Maximo! Não poderei eu ainda apertar-te nos meus braços, antes de ser envolvida na mortalha dos pobres, antes de fechar os meus olhos á doce claridade do sol, antes de ser conduzida ao cemiterio e coberta com algumas pás de terra?

«A tua querida toutinegra d'outros tempos

«Emilia.»

Ao ler esta impressionante carta, Ronquerolle sentiu que um suor frio lhe banhava a fronte. Não tinha esquecido completamente aquella pobre creança companheira dos dias de maior adversidade, essa sensivel Emilia á qual jurara eterno amôr, mas da qual a imagem havia sido eclipsada no seu coração e no seu cerebro pela visão estonteante da marqueza de la Tournelle.

E comtudo, durante o periodo eleitoral, elle tinha-lhe escripto, á pobre rapariga, jurando-lhe ainda que nunca a abandonaria, mas, mau grado os seus desejos, a sua linguagem, as suas palavras eram sem calôr, e o amôr d'outros tempos transformara-se n'uma affeição de irmão.

Emilia havia comprehendido essa mudança, mulher de sentimento, sentira que lhe fugia o amante a quem adorava, e ficou profundamente abatida.

Ronquerolle era tudo para ella, sem parentes, sem familia, só n'essa immensa Paris, ella só o tinha a elle no mundo para proteger a sua juventude, e a sua fraqueza de mulher nas luctas contra a dura necessidade.

Com esse instincto maravilhoso que possuem as verdadeiras amantes, Emilia comprehendêra que uma outra paixão enchêra a alma do seu querido Maximo, e então todas as suas esperanças, já de si tão frageis, se abateram de um só golpe.

Nem o pensamento de luctar contra a adversidade lhe assaltou o espirito.

A pobre creatura, imagem fiel da resignação disse a si propria: Maximo já não me ama, pois bem, só me resta morrêr.

Quando soube da chegada de Ronquerolle, quando soube que elle estava em Paris ha quinze dias e o esperou em vão, chorou lagrimas de sangue e decidiu-se por fim a escrevêr-lhe, como unica esperança de vêl-o, ao menos uma vez antes de morrer.

Ronquerolle, tomado d'uma inquietação mortal, ao terminar a leitura da carta da sua pobre Emilia, sahiu immediatamente, tomou um trem e dirigiu-se a casa da pobre rapariga.

Emilia reconheceu-lhe os passos, e quando elle lhe bateu á porta, abriu-lh'a com o coração despedaçado, mas ainda com uma migalha de esperança.

Foi tal a violencia da commoção recebida, que a pobrezinha, cahindo nos braços do seu adorado Maximo, durante bastantes minutos não poude articular palavra.

O triumphador não podia crêr no que os seus olhos viam. A sua pequenina Emilia não era mais que uma sombra do que fôra.

Pallida, magra, os olhos amortecidos pela angustia, pelas lagrimas, e pelas noites de insomnias, davam áquella creaturinha o aspecto d'um phantasma.

– Meu Deus! pensava Ronquerolle, oxalá que eu não chegasse demasiado tarde! A pobre creança está ferida de morte pelo desgosto que lhe causei, e a sua extrema sensibilidade attrahe-a para o tumulo.

Passados os primeiros momentos Emilia retomou o seu doce sorriso e n'uma alegria verdadeiramente infantil exclamou:

– Eis-te emfim, meu querido Maximo! exclamou ella.

Oh! Como eu sou feliz em tornar a ver-te!

Como eu te esperava!

Como eu receava morrer sem te abraçar ainda uma vez!

Como eu te amo!

Se tu soubesses como eu te amo!

Tu, bem sei, tu não podes amar-me da mesma forma.

Sei muito bem que tu não podes prender na tua vida uma simples sensitiva como a pobre Emilia…

Tu tens um grande destino a cumprir, tens uma vasta carreira a percorrer. Tens que alcançar a gloria.

Eu vejo bem a differença da minha vida para a tua.

Precisas de amôres enebriantes; desejas o explendôr que possa satisfazer o teu immenso orgulho…

Eu conheço-te bem!

Ronquerolle, profundamente impressionado sentia que a sua companheira d'outros tempos tinha razão.

Elle procurava distrahil-a, animal-a, mas a pobre rapariga voltava sempre a reconhecer o fatal abandono a que fôra votada.

Entretanto sentia uma especie de melancholica voluptuosidade em remover as recordações dos felizes dias passados, dos primeiros mezes dos seus amôres, dos seus passeios de outr'ora nos bosques, a Saint-Cloud, a Mendon, a Montmorency, a Ermenonville.

– Como soubeste que eu voltara a Paris? perguntou Maximo.

– Como o soube! retorquiu Emilia; muito simplesmente, adivinhei. Podes crêr. Sentia-te perto de mim.

Os que amam verdadeiramente teem presentimentos que jámais os enganam.

Além d'isso, eu vi os teus amigos atravessarem a rua Vaugirard.

A sua presença confirmou a tua. Eu sabia quanto sois inseparaveis. Tu não estavas de certo longe, visto que me apparecia Branche, Didier e Maupertuis.

O novo deputado demorou-se bastante tempo junto de Emilia.

Um extranho encanto havia em volta d'ella.

Emilia vestia um penteador azul e estava sentada n'um canapé, perto da janella. Lembrava uma convalescente que procurava cobrar fôrças, e a quem o menor esforço enfraquecia.

– Voltarei a vêr-te muitas vezes, disse-lhe Ronquerolle deixando-a. Tem coragem. A tua vida terá ainda dias felizes.

– Não, meu amigo, respondeu ella. Tudo se acabou!

Pois não reparas?

Não vês que eu não te faço a menor pergunta?

Nem sequer me queixo!

É a suprema resignação do condemnado.

Maximo affastou-se lentamente da casa de sua pequena amiga. Seguiu para o «boulevard» de Vaugirard, voltando-se mais d'uma vez, para olhar a janella onde outr'ora tantas vezes, elle vira o rosto sorridente da pobre creança. A sua dôr tão verdadeira, tão sincera, tão eloquente, envenenava a sua felicidade.

Aguardou assim a hora em que M.me de la Tournelle o esperava.

A marqueza não teve muito trabalho para reconhecer que o seu amante tinha qualquer pensamento que o fazia soffrer. Interrogou-o. Perguntou-lhe a causa da sua dôr.

Ronquerolle hesitou um momento, mas depois, para alliviar o enorme peso que tinha sobre o coração, contou-lhe toda a historia da sua ligação com a pobre Emilia.

– Seria indigno de mim, o occultar-lhe o menor segredo da minha vida, disse-lhe elle.

O soffrimento d'essa pobre creança, cahe sobre mim como um remorso. É o primeiro da minha vida!

Dois dias depois o deputado republicano recebia nova carta da pobre abandonada.

«Eu bem te dizia Maximo, escrevia Emilia, que estava proximo o meu fim: estou cada vez peor, meu amigo, vêm depressa. Eu não nasci para viver n'este mundo demasiado brutal. O meu pobre coração quebrou-se ao embate da primeira amargura.

Tombou como uma flôr que a tempestade lança por terra, e cousa alguma n'este mundo pode já reanimal-o, dar-lhe a alegria, sem a qual elle não pode viver.

A flôr arrancada da haste nunca mais pode readquirir a sua frescura e o seu perfume.

Vive um dia e morrre. Nada resta d'ella.

Outras flôres vêem substituil-a, outros felizes dias vão nascer, e a outra a pobre florinha morreu e não ressuscitará.

E que bellos momentos nós tivemos na vida meu querido Maximo!

Recordas-te de quando tu me esperavas ao terminar as tuas lições da Sorbonne e do Collegio de França, quando iamos passear de braço dado, sob as sombras de Luxemburgo, quando trocavamos ainda timidas palavras de amôr, quando tu apenas ousavas apertar-me a mão?

Abençoados tempos, dias felizes da minha adolescencia, da minha juventude, porque tão depressa me fugiste?

Porquê meu bem amado é tão rapida tão fugitiva a felicidade?

E porque será que ha na vida fatalidades que nos quebram o coração?

Conheci-te nas mais bellas horas da tua mocidade, meigo e ao mesmo tempo terrivel amante pelo qual eu fui vencida e pelo qual eu vou bem cêdo morrer!

Entretanto a ambição vae devorar-te, mas as mulheres que te amarem não descobrirão nos teus labios esse encantador sorriso que tu tinhas para mim, essa bella alegria e esse enthusiasmo dos vinte annos, que eu pude apreciar. É essa a minha suprema consolação. – A tua pequenina amiga d'outros tempos – Emilia».

Estas cartas preoccupavam sobremaneira Ronquerolle. Augmentava o seu remorso, e a imagem da terna Emilia, doente, morrendo do peito e morrendo de desgosto não o deixava um instante.