Za darmo

Amôres d'um deputado

Tekst
0
Recenzje
iOSAndroidWindows Phone
Gdzie wysłać link do aplikacji?
Nie zamykaj tego okna, dopóki nie wprowadzisz kodu na urządzeniu mobilnym
Ponów próbęLink został wysłany

Na prośbę właściciela praw autorskich ta książka nie jest dostępna do pobrania jako plik.

Można ją jednak przeczytać w naszych aplikacjach mobilnych (nawet bez połączenia z internetem) oraz online w witrynie LitRes.

Oznacz jako przeczytane
Czcionka:Mniejsze АаWiększe Aa

V
Os infortunios do marquez

A reunião publica estava annunciada e determinada para quinta-feira, mas á ultima hora o proprietario da sala onde tinha de se realisar essa reunião veiu avisar Ronquerolle de que confiava pouco na resistencia do soalho e que seria, a pesar seu, obrigado a faltar á sua promessa e ao preço estabelecido, porque um particular tinha pedido cincoenta francos pelo aluguer.

A sala do «Poule Blanche» era demasiado pequena e por esse motivo foram ter com Matteus Baliverne, proprietario do café do Commercio, que tinha, no primeiro andar, uma magnifica sala de baile podendo conter mil e quinhentas a duas mil pessoas.

Baliverne acolheu admiravelmente o presidente Kolri, Ronquerolle e os seus amigos na entrevista preliminar; Kolri deu-lhe dez francos de signal pelo aluguer da sala e beberam n'essa occasião em boa companhia um copo de cognac.

– Ao bom sucesso da vossa candidatura, disse Baliverne, tocando com o seu o copo de Ronquerolle.

Não obstante, Baliverne fugiu ao contracto depois de ter recebido os dez francos do signal.

– Como! gritou-lhe Ronquerolle furioso, quereis convencer-nos de que a vossa sala não está segura e daes bailes n'ella! meu caro senhor Baliverne, tomaes-nos por uns imbecis! Quando as raparigas e os rapazes do logar veem bailar aos domingos em vossa casa mandai-los por acaso, descalçarem-se no vestibulo, afim de dançarem descalços para não prejudicar a solidez das vossas salas?! Basta de gracejos, senhor Baliverne! tendes o aspecto d'um bom rapaz e ha dias comemos juntos, por isso é preciso fallarmos com toda a franqueza. Vamos, dizei-nos qual a verdadeira razão que vos leva agora a recusar-nos a sala que já nos havieis promettido. Mas, por amôr de Deus, se Deus existe, deixae em paz o vosso soalho.

Matheus Baliverne estava embaraçado, de cabeça baixa, não sabia que responder a Ronquerolle, que o fitava attentamente, esperando resposta.

– Vejamos, disse Ronquerolle, quereis que vos ajude a confessar a verdade? É o marquez, não é verdade, que vos ameaça se nos concederdes a sala? Deve ter-vos lembrado a sua qualidade de «maire» da cidade, e, como necessitaes da sua auctorisação para conservardes o vosso baile aberto até ás 5 horas da manhã, o marquez fez-vos comprehender que d'ora avante vos recusará essa licença, no caso de eu vir fallar em vossa casa aos meus eleitores!

Baliverne, olhando em volta de si para se certificar que ninguem o escutava, respondeu a Ronquerolle:

– Palavra d'honra sr. Ronquerolle, ouvi-me, eu sou um homem energico mas tenho filhos a sustentar e vejo-me por esse motivo obrigado a agradar a todo o mundo; não me trahireis não é assim? Confio em vós. Pois bem, haveis adivinhado tudo o que aconteceu! Foi o marquez, o maire que me fez comprehender como o sr. disse, que não queria que a reunião se realisasse em minha casa. Aquelle canalha tem-vos medo, e, se me recusasse licença para os meus bailes, ao mesmo tempo que me tirava o sustento, privava os rapazes de se divertirem.

Ronquerolle tremeu ao ouvir tal confissão. Sorriu ironicamente, depois do que se apoderou d'elle uma colera fria. Despediu-se rapidamente de Baliverne e encerrou-se no seu quarto.

N'este mesmo dia, na mesma quinta-feira para que fôra convocada a reunião devia elle ter o «rendez-vous» combinado, com «M.me de la Tournelle», nos «Passeios» ás dez horas da noite.

Por uma estranha coincidencia, este «rendez-vous» apaixonado, a que julgava não poder assistir, tornava-se agora possivel.

Quem destruira, afinal, os obstaculos? Quem lançára nos seus braços a bella, a divina Carlota? O proprio marquez de la Tournelle. Invejando-o como rival, temendo o poder das suas convicções, impedia-lhe que fallasse em publico e que conquistasse a popularidade que lhe dava a sua eloquencia. O infeliz! Impedindo Ronquerolle de n'essa noite subir á tribuna, deixava-lhe livre a mulher e era elle mesmo o causador da sua infelicidade.

– Dentro de tres dias, ás dez horas da noite! tinha segredado a marqueza n'essa inolvidavel noite dos «Passeios».

A reunião que devia realisar-se na quinta-feira, ficou adiada para mais tarde. Ronquerolle explicou em o seu jornal o «Reveil» que o detestavel «maire» de Saint-Martin queria tapar-lhe a bocca e impedir ao mesmo tempo que as lindas raparigas da cidade se divertissem com os seus namorados, mas que pouco importava a sua ridicula e idiota firmeza pois que breve teria de se recolher ao seu castello socegadamente a tratar da sua vida particular.

Visto que nada se oppunha á entrevista fixada pela marqueza «de la Tournelle», Ronquerolle preparou-se para isso. Fez irreprehensivelmente a sua «toilette», perfumou o lenço, poz uma gravata nova da ultima moda, pegou no chapeu mais elegante, calçou as luvas mais lindas que possuia e as botas mais elegantes e chegou uma hora mais cedo ao logar da entrevista.

Sentou-se, nos «Passeios», no mesmo banco onde a marqueza o encontrara, recordando as tempestades da sua juventude.

O dia estivera quente mas a brisa fresca começava a murmurar por entre o arvoredo.

Vinha caindo a noite, e ouvia-se ao longe o ruido harmonioso da fonte e o canto do rouxinol. Alguns cães uivavam nas herdades longinquas e uma indefinivel voluptuosidade saía dos campos, dos bosques, dos valles e descia dos céus.

– Comtanto que ella venha, dizia Ronquerolle. Oh! meu Deus! Comtanto que ella venha! Mas, sem duvida, ella virá! Sinto que se aproxima! E poder-me-ha ella enganar? Mas, porque não está ella já junto de mim? Porque não tenho entre as minhas a sua mão mimosa, porque me encetou os meus juramentos, porque me deixou dizer-lhe que a adorava, que era o meu idolo?

O apaixonado mancebo poz-se a passear rapidamente, atormentado pela sua impaciencia em esperar. Quando ouviu soar as dez horas no relogio d'uma herdade, parou.

– Soou a hora que me indicou. Estará aqui dentro de poucos momentos? Porque não veiu já? Porque não ouço ainda o ruido do seu vestido de seda passando na areia da avenida?

E Ronquerolle, immovel, escutava, attentamente, no silencio da noite, mas não se ouvia som algum sob aquelle immenso arvoredo. Uma hora se passou, hora d'angustias profundas para Ronquerolle. Pensava que talvez não tivesse podido deixar o castello, e que tivessem surgido difficuldades imprevistas que a impedissem de cumprir a sua palavra. Resolveu esperar toda a noite. Nuvens pesadas pairavam no céu, occultando as estrellas. Não havia luar e a escuridão da noite tornava-se cada vez mais densa. Um vento forte succedera á brisa calma da tarde.

D'ouvido attento, os olhos pretendendo desvendar a escuridão, Ronquerolle espreitava os caminhos, os atalhos, os campos. Esperava-a impacientemente, queria vel-a, correr ao seu encontro. Cêrca da meia-noite, uma fórma occulta e mobil appareceu lá no fundo d'um caminho orlado de macieiras.

Surgia como uma sombra na direcção dos «Passeios».

– Eil-a, gritou Ronquerolle. Sabia-o bem! Viria com certeza! É minha emfim!

O coração batia-lhe fortemente dentro do peito. Occultou-se por detraz d'uma sebe e quando a forma escura e indecisa estava junto d'elle, murmurou docemente:

– Sois vós, minha querida?

– Sim, sou eu, respondeu uma voz debil. Onde estaes?

Era com effeito a marqueza de la Tournelle. Trazia o rosto coberto com um espesso veu e tremia de esperança e d'amôr. Sentiu-se tranquilisada com a presença d'aquelle a quem ia tornar seu amante, abandonando-se-lhe. Ronquerolle tirou-lhe o duplo veu que a envolvia e deu-lhe o braço, ajudando-a a caminhar, arrastando-a quasi.

– Como podesteis vós vir aqui a estas horas? perguntou Ronquerolle.

– Sabel-o-heis mais tarde, respondeu a marqueza. Commeto por vós imprudencias que podem tornar-me alvo dos motejos publicos; se não me amaes verdadeiramente, como creio, sereis um grande culpado!

Ronquerolle jurou que seria eterno o seu amôr e que só a morte o poderia destruir. «M.me de la Tournelle» descançou um pouco mais ao ver-se sentada ao lado de Ronquerolle, sob as tilias centenarias, escutando com attenção as suas palavras, os juramentos que lhe fazia.

Jamais ouvira tão apaixonadas palavras. Nunca acreditara que fóra dos romances, existissem d'aquelles enthusiasmos. Nunca Ronquerolle, pelo seu lado, tivera para seduzir uma mulher, usado de termos tão ardentes, d'exclamações tão enthusiasticas, como nunca occasião tão favoravel se lhe offerecera.

Durou muito tempo a entrevista dos dois amantes. Tinham ao seu dispor as horas tranquillas da noite. As nuvens tinham desaparecido, o vento acalmara-se e as estrellas silenciosas percorriam o seu eterno curso.

Ronquerolle tinha, entre as suas mãos, as mãos delicadas da marqueza e contava-lhe as aventuras da sua mocidade ardente. Ella escutava-o, admirava-o intimamente e estabelecia pequenas perguntas de amôr. Tremia ao pensar na aventura em que se lançára e o seu seio arfava sob a emoção commovente do remorso e da felicidade.

– Que felicidade a minha! segredava-lhe Ronquerolle. Sou todo vosso, sem restricções, sem pensamentos reservados e é a primeira vez que o faço. A fatalidade creou-nos um para o outro e torna-se impossivel que não nos amemos. Ah! quem descobrirá os mysterios da ternura humana? Quem conhecerá a lei que preside ás preferencias do coração humano? Quem nos explicará como é que nos achamos aqui reunidos na calma d'esta noite linda, devorados pelo fogo da paixão, decididos a tudo vencer antes do que deixarmos de nos amar, de que nos separarmos?.. Oh! como sois bella! E como vos amo!

E febrilmente o mancebo enlaçava a marqueza. Contou-lhe tudo quanto sacrificava para que alli estivesse ao lado d'ella, apresentando-se decidido a tudo immolar ao seu amôr para lhe provar que era digno da sua ternura e que a comprehendia em tudo e por tudo.

– Tinha como que um presentimento mysterioso de que influenciarieis na minha vida e que o destino nos uniria mais cedo ou mais tarde; disse a marqueza. Lembrais-vos d'aquelles versos, d'aquella linda poesia que um dia me mandastes? Ha quatro annos já. Pois bem, conservo essas estrophes que talvez tenhais esquecido. Porque guardei eu tão fielmente essa vossa lembrança? Porque foi que tudo o que dissestes e tudo o que fizestes se me gravou na memoria? Porque não deixei de vos admirar nas vossas luctas e de vos amar?..

 

«M.me de la Tournelle» e Maximo de Ronquerolle viajavam pelas altas espheras da paixão. A voluptuosidade sensual desaparecera dos seus pensamentos. A sua suprema felicidade consistia em ver que se comprehendiam, e que á delicadeza d'um correspondia maior delicadeza d'outro, que por mais alto que fosse o amante mais alto iria a mulher amada.

Era um phenomeno raro e admiravel. Em todos os tempos, as affeições humanas se nortearam por considerações mesquinhas, por interesse, pelo dinheiro, pela vaidade, e por prazeres grosseiramente sensuaes. Por isso pouco tempo duram e se arrastam na banalidade da vida de todos os dias.

Mas quando, não obstante os prejuizos sociaes, os costumes do mundo, as barreiras sociaes, os obstaculos da pobreza d'um e da fortuna d'outro, dois entes se atraem, se encontram e se amam, este amôr profundo, é tão puro e tão bello, que por si mesmo constitue a base da vida d'aquelles que o sentem, e que não esperam, senão a hora em que o tumulo o destruirá.

Era um amôr assim, um thesouro de divinas sensações que unia a marqueza e o republicano. E, como n'este ultimo residia a força do caracter, e intelligencia e o talento, Ronquerolle devia absorver completamente a existencia de «M.me de la Tournelle». Ella tendia mais para elle do que elle a amava a ella. É o privilegio do homem: a força fascina a graça. É a planta que se agarra ao tronco da arvore e que com ella vive e morre.

Todas as barreiras da sociedade estavam destruidas entre a aristocratica marqueza e o fogoso republicano. Tudo aquillo que constitue as castas, separa as classes, sustenta o orgulho d'uns e envenena a inveja d'outros, desapparecia aos olhos d'esses dois seres que a fatalidade se entretinha a approximar e a unir n'um beijo.

Não era a altiva e imperiosa Maximiliana Carlota de Champeautey, tornada «M.me de la Tournelle» que alli estava, n'este momento.

Não havia n'ella mais que uma mulher nova e soberba, que uma creatura adoravel, embriagada d'amôr, abandonando-se livremente nos braços d'um homem que para ella attingira o mais alto grau da força moral e da coragem.

O mesmo acontecia a Ronquerolle.

Esquecera as suas coleras e odios, abandonara as suas indignações, nada tinha, n'este momento, do vingador dos soffrimentos populares. Todo entregue ao encanto d'aquella paixão, o seu coração trasbordava d'amôr, a sua juventude brilhava, não vendo em «M.me de la Tournelle» mais do que a formosa personalidade da belleza e da vida.

Nunca dois seres mais sinceros, mais dignos um do outro, mais desinteressados, mais enthusiastas, mais feitos para se comprehenderem e se adorarem se tinham unido debaixo do céu e jurado um amôr eterno!

– Amo-te até á loucura! dizia Ronquerolle á marqueza.

– E eu, respondia ella, amo-te até morrer!

Como tinham decidido os directores do «comité», um grande banquete se devia realizar no castello de Tournelle. Toda a nobreza da região tinha sido convidada para este banquete eleitoral que devia destruir a fortuna politica do sr. Ronquerolle, como diria o conde d'Orgefin. Foi convidado o senhor bispo de Dijon, bem como o vigario e quasi todos os curas de Saint-Martin. Não se tinham esquecido dos grandes industriaes da circunscripção, que dirigiam numerosos operarios e que convinha prender por qualquer delicadeza.

Quando chegou o dia fixado para o banquete, numerosas carruagens se viam chegar de todos os lados ao castello «de la Tournelle», conduzindo toda a nobreza.

Mancebos em «breaks» de caça, sorriam ás condessas, viscondessas, baronezas e ás velhas donas de castellos que vinham cooperar na manifestação contra a Republica.

Outros convidados, que na vespera tinham chegado a Saint-Martin, transpunham a pé o portão do castello, e, ás onze horas e meia, o grande salão estava completamente cheio. Não se esperava mais que o sr. bispo de Dijon que tinha promettido vir e que, como se sabia, se encontrava justamente nas visinhanças do castello n'uma viagem pastoral.

Meio dia soou, quando o ruido d'uma ultima carruagem se fez ouvir. Os lacaios correram ao seu encontro. Era a carruagem de monsenhor. O bispo vinha acompanhado do seu primeiro vigario geral e do seu secretario particular. A carruagem parou em frente do perystilo do castello e, sorrindo, de bom humor, o prelado desceu, sendo acolhido entre duas alas de admiradores, de mulheres elegantes e de lindos rapazes, levando, quasi todos, nas suas gravatas em forma d'alfinete uma flôr de liz.

O marquez «de la Tournelle» adiantou-se para receber o principe da egreja, dando-lhe as boas vindas.

O bispo, galante como um abbade do seculo passado, perguntou pela saude da marqueza.

– Senhor, disse o marquez, é o unico contratempo que temos em tão bello dia. A marqueza está um pouco adoentada e não poderá assistir ao banquete de que tenho a honra de vos offerecer a presidencia.

O bispo continuou a sorrir, mas intimamente, no fundo do seu pensamento, perguntava o porquê e a causa d'esta ausencia da dona da casa. As dignidades da egreja, padres, abbades, curas, vigarios, bispos, arcebispos e cardeaes, gostam de conhecer os segredos das familias. Nunca se deixam illudir pelas apparencias, pelos pretextos allegados; querem conhecer o fundo, a rasão, segundo a expressão popular, dos pequenos e dos grandes acontecimentos que se passam na intimidade dos lares, na choupana do pobre, como nos palacios dos ricos.

– «M.me de la Tournelle», disse o bispo de si para si, é uma mulher que vende saude. Que motivo mysterioso a tem presa nos seus aposentos, quando tudo a está convidando a apparecer?

Não obstante a sua perspicacia e o seu profundo conhecimento do coração o prelado estava longe de conhecer a verdade.

Acreditava em alguma discussão por amôr proprio entre marido e mulher, qualquer disputa interna, mas a supposição de que uma adultera estava em casa dos «de la Tournelle» não passára ainda pelo seu espirito.

«M.me de la Tournelle» recusára-se abertamente a comparecer ao banquete. Tinha havido uma scena entre ella e o marido, scena fria, sem violencia, sem longas explicações, mas mais do que significativa.

Fôra no proprio quarto da marqueza que se dera essa discussão. A bella Carlota fôra d'uma impiedade extrema. O marquez comprehendera que lhe era inutil insistir e que era prudente retirar-se em boa ordem.

A marqueza não cuidou mais da agitação politica do seu partido. O amôr vencera-a; Jamais tinha pensado em que semelhantes tempestades se desencadeassem na sua alma. Quasi que se não conhecia. A paixão que sentia por Ronquerolle invadira-a completamente como uma onda subita, e tudo aquillo que até então constituira o seu ideal submergira-se, obliterara-se, aniquilara-se quasi.

Começava a amar a solidão dos seus aposentos. Estava impaciente, febril. Tentava entregar-se á leitura mas a sua attenção divagava. Tomava rapidamente um livro, passava-o pelos olhos depois do que o lançava para o lado sem o ter lido.

O amôr invadia esta adoravel mulher, como a febre ardente invade uma doente. Coisa extranha! Soffria e era feliz ao mesmo tempo! O que experimentava era uma «melange» de dôr e de alegria, de inquietação e de esperança, d'orgulho e de medo. Louca d'amôr, passeava febrilmente no seu quarto quasi que fallando em voz alta, aproximando-se de vez em quando da janella e contemplando os prados, a relva e, lá no fundo, a pequena cidade de Saint-Martin.

– Amigo, amigo! dizia ella, pensando em Ronquerolle, que haverá em ti para assim me esquecer do que sou? Já não pertenço a mim mesma desde a nossa entrevista… Oh sim!.. foi depois que te vi que me considerei feliz… Tua! Tua para sempre!

E, levando os dedos aos seus finos labios, enviou, como uma creança, beijos ao joven republicano e ao mesmo tempo toda a sua alma.

O banquete realista! A lucta dos partidos O triumpho d'uns e a perda d'outros! Que lhe importava isso? Nada d'isto a interessava no momento em que o imperioso delirio da paixão se apoderava d'ella e a torturava.

O famoso banquete terminara no meio d'alegria geral dos convidados. A principio decorrera frio. A ausencia da marqueza tinha impressionado toda a gente. O seu logar, logar d'honra, ficara por occupar.

A sua cadeira vasia lá estava e cada conviva lançava muitas vezes um olhar involuntario para esse lado, fazendo, intimamente, os commentarios mais maliciosos.

Presidia o bispo, tendo sentado «vis-á-vis» o conde d'Orgefin. Ao todo os convivas subiam a noventa e cinco. Os lacaios, de calção, com as armas dos «de la Tournelle» bordadas nas fardas, faziam um serviço irreprehensivel sob todos os pontos de vista.

Os pratos exquisitos, os vinhos finos aqueceram pouco a pouco os cerebros, destravaram-se as linguas e a animação augmentou. D'Orgefin observáva os convidados e tirava um bom presagio das suas felizes disposições. D'uma sobriedade notavel, o conde não bebia senão agua, conservando o seu sangue frio. Ao «toast» fez encher a sua taça de «champagne» para levantar um brinde ao triumpho dos principios monarchicos, fazendo um «speech» enfatuado d'odio ao governo republicano.

Esperava-se um pequeno discurso da parte do bispo, mas a este, passaro bisnau, não convinha comprometter-se muito com o partido conservador. Intimamente, detestava extraordinariamente as novas ideias; via, com a morte na alma, os triumphos dos principios da Revolução, mas os membros da egreja são prudentes. O bispo gostava antes de estar do lado do cabo, como se diz em linguagem popular e quando o futuro estivesse mais conhecido, elle cuidaria do seu caminho.

Emquanto se festejava a causa realista no castello do marquez, os habitantes da pequena cidade de Saint-Martin estavam seriamente preocupados. Este banquete era um acontecimento que entretinha todas as conversações.

Em toda a parte se fallava d'elle; na pharmacia, na praça, na fonte, e em frente da «mairie» formavam-se grupos, dizendo cada um o que lhe appetecia.

Por uma necessidade natural de se encontrarem juntos os republicanos de Saint-Martin foram todos para os lados da «Poule Blanche». O presidente Kolri discursava a uma grande mesa cercado de Ronquerolle, Branche, Didier e Maupertuis. A maior parte dos individuos estavam de pé e, a cada instante se ouvia copos tocando o do candidato republicano.

Ronquerolle encorajava-os, fallava-lhes das lutas que encontram sempre n'um paiz a liberdade e a justiça que nascem, fazendo-lhes comprehender que, na maior parte do tempo, o luxo do rico é sustentado pelo trabalho do pobre.

O joven republicano estava d'uma pallidez excessiva. Devorado pela febre da ambição e do amôr, pensava nas suas aventuras de ha dois dias com a marqueza «de la Tournelle», deixando-se levar pela sua paixão. Todos os seus sentidos se sentiam presos d'uma languidez indefinivel.

A sensação dos beijos da sua amante parecia não poder deixar o seu rosto, não podendo ao mesmo tempo esquecer a sua lembrança.

Ignorava que, por elle, se recusara a comparecer ao banquete realista. Não suppunha que recordações amorosas tinha gravado no coração da bella Carlota.

Parecia que era elle Ronquerolle, que a amava com uma intensidade mais violenta, emquanto que, na realidade era a marqueza que tinha pelo republicano uma amizade mais profunda.

– Oh! meu Deus! dizia Ronquerolle, pensando na sua amante, quando poderei voltar a vel-a? Oh! minha linda amiga, quando nos encontraremos alfim reunidos, sós, no silencio da natureza e fóra do ruido das cidades?

E recordava os seus grandes olhos, o seu sorriso, a graça das suas longas tranças, a sua mão tão fina, os seus seios incomparaveis, o perfume da sua «toilette».

Separando-se, após a sua entrevista nos «Passeios», Ronquerolle e a marqueza prometteram voltar a encontrar-se em Paris, depois da eleição de 15 de julho.

– Voltarmos a encontrar-nos aqui, no campo, é impossivel, disse a marqueza. Perder-nos-iamos os dois inutilmente. Eu seria envilecida, expulsa, vilipendiada como uma mulher publica. Tu, meu querido, tornar-te-ias suspeito a todos os que defendes e pezar-te-ia sempre o teres-me comprometido. Sejamos prudentes. Partirei para Paris alguns dias antes de ti. Virás então juntar-te a mim e lá construiremos um ninho para o nosso amôr.

Ronquerolle recordava este plano delineado pela sua amante e consultava as datas.

 

– Ainda oito dias! dizia elle. Encontral-a-hei em Paris, n'esse immenso Paris, quando partir.

Já elle calculava que partiria no dia seguinte ao da eleição quer vencesse ou não o marquez.

O amôr e a ambição confundiam-se no seu espirito e no seu coração. No coração da marqueza só o amôr vivia. Ella amava-o e n'estas palavras se reunia tudo para si. Ronquerolle pagava em amôr, amando-a tambem, mas, dotado de faculdades poderosas, tinha antes d'isso, um fim a cumprir, e com esse fim esperava elle construir o pedestal do seu amôr.