Za darmo

Amôres d'um deputado

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A marqueza hesitou a principio. O medo fez com que ella se decidisse e tranquillamente caminhou para traz da arvore cujo tronco a escondia de todas as vistas.

– Devia evitar-vos, dizia ella, detestar-vos, odiar-vos e arrisco-me a perder-me por vós.

Ronquerolle tinha os olhos fixos nos seus. Fascinado, louco, contemplava-a e sentia-se vencido pela belleza magestosa d'aquella mulher. Não via n'ella a marqueza inimiga da sua causa, a aristocrata que desejava a volta da realesa e que sonhava uma côrte brilhante em que triumphasse; não, ella não era para elle, n'essa hora, mais do que a incarnação da elegancia, da juventude, da vida, do amôr, da paixão incandescente, que queima, que devóra.

Por um phenomeno análogo, a castellã de Saint-Martin esquecia que o homem que alli estava deante d'ella representava o povo trabalhador, os infelizes que se revoltam, que fazem as revoluções e que prendem os reis e os imperadores. Não pensava que esse homem incarnava o odio fatal do pobre contra os rico, do humilde contra o poderoso, do opprimido contra o oppressor. O que n'elle via era o talento promettedor, o enthusiasmo da sua linda edade, a coragem do homem que luta, a poesia do ideal e da acção, o encanto emfim d'um espirito superior e d'um coração preso ao destino.

Alem d'isso, nem um nem outro tinham tempo de reflectir, as convenções imbecis da sociedade não podiam ser attendidas n'aquelle encontro e a natureza boa e fecunda recuperava os seus direitos. A presença, por si mesma, tem a sua eloquencia e dois olhares que se encontram diminuem singularmente as distancias.

– Perder-vos por mim! disse Ronquerolle, mas não sabeis que me perderei para vos agradar! Amo-vos com toda a minha coragem, com toda a minha energia e não é d'hoje este amôr, não é d'hontem. Ha quatro annos que viveis na minha saudade. Recordae o baile em que dançámos juntos, onde vos tive junto do meu peito!.. Recordai-vos…

– Amaes-me, vós! o orador das multidões, o republicano fogoso, o apologista do Terror!

M.me «de la Tournelle» estava de pé e encostada á larga tilia, paternal e tranquilla. A velha arvore servia-lhe de abrigo mas não a occultava.

Ronquerolle, na sua frente, conservava-se a uma distancia respeitosa. O seu busto, alto e esbelto, dominava o da marquesa.

– Se vos amo! dizia elle, aproximando-se, e com uma voz em que havia lagrimas. Se vos amo!

Fez-se silencio. A commoção impedia Ronquerolle de fallar! Sentia desejos de tomar a marqueza e de a cobrir de beijos. Temia assustal-a e pensava: como convencêl-a? Sê simples e verdadeiro! respondia-lhe a sua nobre intelligencia; era a arma mais digna para conquistar uma mulher como aquella.

– Sim amo-vos, porque a vossa belleza me arrasta; desejaria resistir a este encanto, mas não posso. Oh! minha senhora, não misture com a minha paixão as irritantes discussões politicas. Não pairará acima d'essas questões, para almas como as nossas, a ideal visão do amôr? Não se encontram os grandes corações n'esta esphera superior onde veem acabar as disputas dos homens? Vêde! tenho um orgulho que por vezes me arrasta e que resistencia alguma fará dobrar… appareceis-me, e estou prompto a cair de joelhos deante de vós. Está domado o meu orgulho? Certamente não, mas, por cima d'elle, encontrar-nos-emos e parece-me que lá nos amaremos.

… Não pensaes assim? Sei-o bem, não me enganei comvosco: o mundo ideal a que aspira a vossa alma não tem nada de commum com as infamias, com as pequenas coisas, com os miseraveis calculos das castas e dos partidos. Vá, respondei, senhora! Não disse eu a verdade?

Ao terminar, Ronquerolle ousou approximar-se, quasi tocando na marqueza. Appoiava-se, como ella, á velha tilia e esperava resposta.

– Escuto-vos, senhor, e sinto-me perturbada. As vossas theorias parecem-se ás flôres do Oriente cujo perfume muito forte enerva os que o respiram.

– Não me amaes? perguntou Ronquerolle com a voz perturbada.

– Elle duvida ainda! respondeu a marqueza, empallidecendo.

Ao escutar estas palavras Ronquerolle tomou-lhe a mão que uma luva finissima calçava e levou-a aos labios. A marquesa retraiu-se e quiz escapar-se.

– Por favor, uma palavra para acabar! disse elle. Onde e quando vos voltarei a ver?

A marqueza hesitou, sentia-se embaraçada para responder. N'este momento os cavallos da sua carruagem relinchavam de impacientes; finalmente fugiu a Ronquerolle, dizendo:

– Aqui, d'hoje a tres dias, ás dez horas da noite.

Ronquerolle viu-a partir e escutando o ruido do seu vestido de seda, o «frou-frou» harmonioso de toda a sua «toilette», custava-lhe a acreditar na sua felicidade.

Quando escutou o ruido da portinhola da carruagem que o trintanario fechava, quando viu a carruagem desapparecer a caminho de Saint-Martin entre uma nuvem de pó, pareceu-lhe que a terra girava por todos os lados e que o ceu ia sair-lhe do peito.

Durante muito tempo olhou a carruagem que dous cavallos ageis arrastavam. Quando emfim ella desappareceu n'uma volta do caminho, voltou a sentar-se sobre o banco solitario em que M.me «de la Tournelle» o tinha surprehendido no meio dos seus sonhos e das suas doces illusões.

– Dentro em tres dias voltarei a vêl-a; dentro em tres dias será minha. Ó delicia! Ó felicidade inesperada! E já antecipadamente, escutava os transportes da sua paixão, a alegria dos novos amôres. De repente bateu na testa e empallideceu.

– Mas, d'aqui a tres dias, á noite, ha uma reunião eleitoral em Saint-Martin. Não posso enganar-me pois que fui eu que convoquei os eleitores… Que fazer?

Ronquerolle acreditou por momentos que M.me «de la Tournelle» lhe tivesse pregado uma peça. Ella conhecia a data e a hora da reunião publica já publicadas no «Reveil». Quereria ella d'esta fórma pôr á prova o amôr de Ronquerolle, forçando-o a sacrificar a sua palavra de homem politico? Quereria ella rebaixal-o para com os eleitores e tentar destruir a sua influencia em proveito da sua causa? Emfim, terá fallado sem calculo algum e o «rendez-vous» que lhe marcou, na sua coindencia com a reunião de Saint-Martin, não passaria d'um acaso que por vezes tanto nas grandes como nas pequenas coisas, se torna um obstaculo ás vontades do homem?

Ronquerolle não sabia que pensar.

IV
O barão de Quérelles

Quando se davam os acontecimentos que acabamos de narrar, chegou o barão de Quérelles a Saint-Martin. Como dissemos já, era o unico inimigo da marqueza por causa do despreso a que ella votara a sua paixão.

Pequeno, bilioso, trajando com o maximo apuro, os cabellos cortados á escovinha, desenvolvia uma actividade febril quando algum projecto lhe enchia o cerebro. Agitava-se em todos os sentidos, luctava tenazmente até conseguir o seu fim e se o não conseguisse era por que ninguem o poderia conseguir.

Com trinta e cinco annos, rico, este «petit baron» tinha tido uma paixão louca pela marqueza «de la Tournelle» quando ainda era apenas M.elle Carlota Maximilana de Champeautey. Por uma singular lei dos contrastes, o seu maior, o seu mais insaciavel desejo era possuir uma grande e inteligente mulher por esposa.

A orgulhosa Carlota ria das suas pretenções.

– Meu Deus! meu Deus! dizia a marqueza, quando o ousado barão teimava em conseguir o seu «desideratum», que hei de fazer d'esta creança? É tão baixo que se torna ridiculo.

No emtanto, Domingos de Quérelles não era um imbecil. Era para elle um contra tempo a sua estatura minguada e muitas vezes repetia que os homens não se mediam aos palmos.

Infelizmente para elle, M.elle de Champeautey não se via obrigada a debruçar-se para tomar o braço de seu marido e o elegante «Sergio de la Tournelle» não tivera muito trabalho para eclipsar o seu rival. A repugnancia d'artista que a futura marqueza sentira pela antistetica personagem que era «Quérelles» contribuira immenso para o triumpho do marquez.

– Ah! dissera Domingos de Quérelles, M.elle de Champeautey quer desposar um pateta? Pois bem, que o faça, que d'isso se arrependerá.

O barão viajava por Italia quando, pelos jornaes, viu que no seu departamento os republicanos oppunham um candidato aos monarchicos. Immediatamente arranjou as suas malas e veio a toda a pressa para Saint-Martin onde possuia uma propriedade. As ideias politicas de «des Quérelles» tinham sido até então conservadoras se bem que com uma certa tendencia liberal. A côr de conservador era uma tradicção na sua casa de fidalgo, mas o seu espirito, moderno e liberal, não desdenhava em admittir as modernas theorias democraticas.

Não era um inimigo do progresso e quando via que alguma asneira se fazia, reprovava-a absolutamente quer ella viesse dos conservadores quer dos republicanos. Era extremamente estimado na Borgonha. Não se desprezava em comer á mesa dos operarios quando para isso se offerecesse occasião e secretamente, desejava pertencer ao conselho geral.

Se não perdoava á marqueza o tel-o despresado, mais o acabrunhara com os seus sarcasmos o sr. «de la Tournelle», «maire» conselheiro geral e deputado.

– É um asno, dizia «des Quérelles», fallando do marquez; sim, é um estupido esse espigado marquez «de la Tournelle». Aposto vinte luizes em como não sabe distinguir a sua mão esquerda da direita e que a respeito de ortographia é um ignorante.

A candidatura de Ronquerolle era um balsamo sobre as feridas d'amôr proprio e sobre as irritações do «petit baron». Encontrava assim maneira de se vingar d'aquelles que tinha como seus inimigos, vingança que tinha acalentado durante tantos annos.

– Emfim, dizia, chegou a hora da minha vingança. Por mais «pequeno» que eu seja podem contar commigo aqui. Disponho de muitos milhares de votos que vão ser n'este momento o meu instrumento de vingança. Dal-os-hei ao novo deputado Ronquerolle. É um republicano exaltado… que me importa isso. É necessario a todo o transe que esse papalvo, esse marquez «de la Tournelle» perca a eleição… Ah! o patife, não me exterminou ainda! Ah! sr.ª marqueza, despresastes as minhas homenagens! Sereis vós quem d'esta vez virá implorar a paz e então entabolaremos as condicções.

 

Como todos os apaixonados, o barão «des Quérelles» não renunciara, ainda, á sua ultima esperança em commover o coração da mulher que elle tão extraordinariamente amara.

Era seu inimigo, por amôr. Queria tirar a sua desforra. Alimentava ainda a esperança de que, apezar de se não ter podido desforrar, talvez podesse um dia fazer d'ella sua amante.

– Quem sabe, dizia, o que será aquella mulher, que sentimentos lhe dominam a alma, sobretudo depois da desillusão que deve ter sentido após o seu casamento com esse estupido marquez.

Era digno de ver-se o homemsinho, passados dois dias, pavoneando-se sobre os elevados saltos das suas botas, fumando o seu cigarro.

– Vamos! Vamos! pensava, tudo caminha á mercê dos nossos desejos. Declaro guerra aos «de la Tournelle», colloco todas as minhas baterias em campo, excitando os eleitores contra elles… A marqueza pedir-me-ha treguas na lucta, enviar-lhe-hei um parlamentar e tudo conseguirei; será finalmente o resumo de todas as minhas esperanças, de todos os meus desejos. Quanto aos candidatos, elles que se arranjem, que resolvam o caso como entenderem. Se porém ainda assim a marqueza continuar a mostrar-se esquiva, será Ronquerolle o novo deputado por Saint-Martin.

Domingos de Quérelles adquiriu então uma rara actividade junto dos eleitores, em toda a parte. Este liliputiano mexia-se como um diabo n'uma pia d'agua benta. Entrava nas choupanas, conversava com os operarios, pagava-lhes de beber, comia com elles, acabando sempre as suas conversas pela politica.

Em breve em todas as communas se espalhou a noticia de que o barão advogava a candidatura de Ronquerolle. Foi uma surpreza para o castello. O conde d'Orgefin, presidente do «comité» conservador, era d'opinião que se devia tomar uma medida energica, e em plena reunião de todos os marechaes do partido reacionario ficou planeada. Devia convocar-se, no castello do marquez «de la Tournelle», a reunião dos oitenta a cem proprietarios influentes da circunscripção; coroaria a reunião um grande banquete.

– Que reles canalha que é este barão «des Quérelles!» dizia uma manhã o conde d'Orgefin ao marquez. Hein! Comprehendeis este homem? Excitar a população contra nós! Defender um Ronquerolle! Romper abertamente com as tradições da sua familia! Ah! marquez, é preciso que não nos enganemos, se o barão fôr contra nós até ao fim da lucta, perderêmos votos, mesmo muitissimos votos.

– É uma vingança de biltre, respondeu o marquez. O barão «des Quérelles» é um poltrão. Morde cobardemente, receando encontrar-se frente a frente commigo, não dizendo a causa da lucta porque tem d'isso vergonha. Sabeis por que elle nos odeia a este ponto?

– Sim, sei, meu caro amigo, respondeu o conde. O tôlo, queria desposar a marqueza, e não vos pode perdoar o terdes vencido na conquista do coração da marqueza, calcando assim os seus caprichos. Tratemos, antes de tudo, de o atrair; depois de feita a eleição, lançamol-o á margem, desprezamol-o como a uma casca de laranja.

Emquanto todo este alarme se produzia no castello perante o seu procedimento e emquanto o seu nome era injuriado, tratava o barão de gosar deliciosamente os golpes que desapiedadamente despedia sobre os seus adversarios.

Via-se atravessar de carruagem as ruas de Saint-Martin, guiando os seus cavallos, e cumprimentando significativa e affectuosamente os democratas mais avançados.

N'uma occasião em que na praça publica atravessava com a sua carruagem, encontrando por acaso o bravo Kolri, presidente do «comité» republicano, disse-lhe em voz alta de maneira a todos ouvirem:

– Sabei, pae Kolri, que sou dos vossos de todo o coração. Fazei-me o favor de dizer a esses senhores, M. Ronquerolle e aos seus amigos de Paris, que lhes desejo fallar. Alem d'isso tenciono ir á reunião publica na quinta-feira á tarde. Pouco me importa o que digam de mim. Logar aos homens intelligentes e nada de deputados sem valor!

O barão «des Quérelles» dispunha de tres a quatro mil votos. Era um influente nada para despresar n'um escrutinio onde só votavam dose mil eleitores.

– Tenho o castello nas minhas mãos! dizia o barão n'uma ceia, quando bebia cognac em companhia dos seus amigos.

No fundo da sua consciencia pensava:

– Serei o senhor da soberba Carlota que sem duvida capitulará por ambição. Como ella me tem feito soffrer! Como me tem despresado!

Emquanto o marquez «de la Tournelle» e o conde d'Orgefin tratavam da sua reunião plena das fôrças conservadoras, emquanto o colerico barão «des Quérelles» meditava como Machiavel e punha a sua influencia politica ao serviço das suas paixões amorosas, os tres amigos de Ronquerolle, Branche, Didier e Maupertuis, não perdiam o seu tempo. Os rapazes, arrojados para as mulheres, como todos os jornalistas, produziam estragos terriveis nos corações das burguezinhas de Saint-Martin.

Ronquerolle e os seus amigos tinham sido convidados para uma pequena «soirée» em casa do mestre Desbroutin, notario republicano da cidade, que não temia defender as suas opiniões democratas e que alem d'isso, possuia uma bella fortuna. Desbroutin era ao mesmo tempo um bom «vivant» amando os prazeres da mesa e tendo sempre a sua despensa bellamente fornecida. Recordava muito as suas travessuras de rapaz no tempo em que vivera na capital. Havia muito tempo que isto accontecera, ha pouco mais ou menos vinte annos. Que praser sentiria, ao receber em sua casa os quatro parisienses com os quaes conversaria dos tempos passados e das suas loucas amantes.

Ás nove horas da noite, Branche, Didier e Maupertuis fiséram a sua entrada no salão de M.me Desbroutin, uma senhora loira, pequena e nutrida, muito amavel, muito simples e muito mais nova que seu marido.

– Como, meus senhores, vindes sós? O sr. Ronquerolle não vem?

– Perdão, sr. Desbroutin, respondeu Maupertuis, o nosso amigo está preparando n'este momento um discurso politico mas estará aqui antes d'uma hora tendo-me encarregado de vos apresentar as suas desculpas.

Tinham já chegado muitas pessoas, toda a burguesia descontente de Saint-Martin; todos os que nada tinham a esperar do castello e que não podiam por mais tempo supportar que os cavallos e os trens do marquez os continuassem a enlamear, tinham sido convidados por mestre Desbroutin.

As mulheres vinham acompanhadas de seus maridos. Desbroutin andava por todos os lados a explicar que não tardaria a chegar o sr. Ronquerolle, a quem uma pequena occupação detinha em casa. Esperava-se só por elle para ser servido o chá. Quasi todos os homens se tinham retirado para o gabinete de trabalho do notario, que se seguia ao salão e onde fumando, se entretinham a fallar das eleições.

Maupertuis fallava no meio d'elles, Branche e Didier tinham ficado perto das mulheres a quem contavam como no inverno se passava a vida em Paris e como ella era immensamente mais divertida do que na provincia. Alem d'isso, Branche testemunhava uma sympathia particular a M.me Desbroutin, emquanto que Didier fazia evidentemente a côrte a M.me Beaumenard, a mulher do banqueiro Beaumenard. Esta tinha um espirito romanesco. A sua maior felicidade consistia em lêr folhetins e ser heroina ideal das mais ternas aventuras.

– A vida sem paixão, dizia-lhe eloquentemente Didier, é semelhante a um deserto arido. É um pouco a minha, e nem vós calculaes, senhora, o quanto tenho soffrido pelo coração. Ah! Se não fôra a politica por onde faço carreira e que me faz esquecer as amarguras da vida, seria o homem mais infeliz da terra.

A graciosa M.me Beaumenard estava encantada com esta linguagem. Encontrava vivas, nas palavras do fino e amoroso Didier, as tiradas apaixonadas que a faziam quasi chorar nos seus livros. Branche, pelo seu lado, tinha levado a linda mulher do notario até ao precipicio encantador mas perigoso das confidencias amorosas.

Eram onze horas quando chegou o barão «des Quérelles». Desbroutin tinha-o convidado verbalmente e sem ceremonia. O barão promettera vir e viera com o fim d'excitar os espiritos contra o marquez «de la Tournelle». Pretendia ao mesmo tempo conhecer de perto e assegurar-se por si proprio se o joven deputado republicano era realmente o homem intelligente de que lhe tinham fallado. A presença do barão interrompeu por momentos a interessante conversação de Branche com M.me Desbroutin. Quanto a Didier, aproveitou o vae-vem dos convidados e a curiosidade que se fizera em volta do barão, para apertar docemente a mão de M.me Beaumenard que lh'a retirou, é verdade, mas sem muito esforço.

Ronquerolle entrou finalmente no salão. Apresentou as desculpas da sua demora, sendo facilmente desculpado. Desbroutin apresentou-o ao barão, ficando os dois a conversar. Desbroutin andava radiante. A pequena «soirée» fôra ainda além dos seus desejos e no dia seguinte todo o mundo o invejaria.

Ronquerolle escutava attentamente o barão «des Quérelles». No fundo desconfiava d'este homemzinho que tão calorosamente defendia a causa republicana.

– Que interesse poderá ter este barão, pensava, na actividade que desenvolve contra o representante da sua casta, contra o meu adversario? Evidentemente não trabalha por convicção. Ha pois, na sua conducta um mobil occulto. Qual será?

E Ronquerolle, com o seu olhar penetrante, mirou o barão dos pés até á cabeça.

Pelo seu lado o barão tratava de sondar o espirito de Ronquerolle; abordou successivamente todos os assumptos para ver até que ponto podia confiar n'elle.

Ronquerolle exprimia-se com a maxima clareza sobre todas as questões politicas, mas fóra d'isso conservava-se impenetravel. Bruscamente, «des Quérelles» interrogou d'esta maneira o joven candidato:

– Conheceis a marqueza «de la Tournelle?»

Ronquerolle empallideceu ao ouvir esta pergunta directa, e hesitou um instante antes de responder. Mas adquirindo de novo o seu sangue frio, respondeu com uma soberana indifferença.

– A marqueza «de la Tournelle!». Mas senhor barão, conheço-a como toda a gente, e menos que V. Ex.ª certamente. Tenho eu tempo para me occupar de mulheres? Tenho muito que fazer, tratando dos meus eleitores e procurando bater o meu adversario.

O barão queria conhecer melhor Ronquerolle, para lhe contar toda a historia da sua paixão por M.elle de Champeautey. Não receava tomal-o para seu confidente e dizer-lhe o quanto desejava humilhar o altivo castello «de la Tournelle».

A pergunta do barão tinha feito tremêr um pouco intimamente Ronquerolle. Terá este tagarella alguma suspeita? Terá advinhado a minha paixão, a minha loucura pela loura e adoravel Carlota?

Terá surprehendido o mysterio da nossa entrevista? O que será, emfim?

Todos tinham saido satisfeitos da «soirée» de M. Desbroutin e, no dia seguinte ninguem falava d'outra cousa. Os mais pequenos incidentes foram discutidos e recontados dez vezes, commentados segundo a intelligencia e a malicia dos narradores. Recahia toda a consideração sobre o notario e algumas más linguas começaram a insinuar que a gentil M.me Desbroutin não era quem mais lastimava os resultados da reunião politica de seu marido.