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Viriatho: Narrativa epo-historica

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XXII

Recebendo a Espada Gaizus, lembrou-se Viriatho das palavras do armeiro de Toletum, lamentando que os indefessos mantenedores da liberdade da Lusitania não a tivessem brandido. Esses grandes chefes da resistencia da Hispania Ulterior estão mortos, e porque até agora não appareceram homens com conhecimento da arte da guerra, é que Roma conseguiu dominar em muitas cidades da Lusitania. Viriatho reconhecia a continuidade da sua missão libertadora, e possuido d'essa solidariedade do sentimento, disse para Idevor:

– Jazem nas suas sepulturas os dois irmãos e valentes cabecilhas Indibilis e Mandonio; e tambem o não menos denodado Salondico.

– Em logar d'elles, – atalhou o velho endre, – apparece um homem, sim, um homem, que vale por todos tres; possue de um o genio da estrategia e a energia do commando; de outro a lhaneza familiar e o trato superior com os homens; do terceiro tem a integridade da sua palavra, que faz fé como se fosse uma sentença. Por isso veiu ás suas mãos o Gaizus.

Por sua vez Viriatho, interrompendo os louvores de Idevor, accentuou em poucas palavras o seu pensamento:

– Eu quero que esses tres nomes fiquem sempre memorados entre a gente lusitana; e darei todos os passos para que lhe sejam consagradas sobre as suas sepulturas tres estatuas funerarias.

Viriatho queria ligar ao sentimento da defeza da independencia da Lusitania uma expressão visivel, que lhe servisse de apoio e mesmo de estimulo; eram já mortos esses tres caudilhos, que tanto tinham luctado contra os Romanos, e que agora jaziam obscuramente sepultados, Indibilis e seu irmão Mandonio, e o destemido Salondico. Repetia-se na tradição os seus nomes, por que os feitos heroicos que praticaram eram recentes, mas tudo passa; Viriatho reconhecia que a recordação d'esses vultos extraordinarios era uma força com que podia actuar nas almas. Ordenou que viessem da região septemtrional da Lusitania tres blocos de granito, para serem esculpidas tres estatuas sepulchraes, representando os heroes lusitanos, e para serem erectas sobre os seus jazigos. Essa pedra rija e difficil de lavrar era a que melhor symbolisava a resistencia dos tres Cabecilhas destemidos, e como privativa de todas as construcções e monumentos da Vettonia, a que melhor representava aquella parte da Lusitania mais ciosa da sua liberdade. Realisou-se em breve a sua vontade.

A estatua de Indibilis, como o estylo d'essas esculpturas funerarias, estava perfilada, de cabeça altiva, erecta e sem capacete ou gálea. Todos aquelles que o conheceram dizem que é a sua imagem verdadeira, barba espêssa e cabello curto, nariz aquilino com uma depressão a partir da testa. Tem em volta do pescôço o collar ou torques simulando um grosso crescente. O corpo reveste-o um saio ou gibão justo á cinta por uma faixa ou balteus acolchetado pelas costas; a manga é curta, deixando os braços nús pouco abaixo dos hombros, e acima da bucha do braço uma armilha formada de tres braceletes. Os braços descem sustendo um sobre o ventre o escudo redondo ou cetra, ornamentado com cordões delineando contornos caprichosos; na mão direita tem segura a espada de lamina curva, parecida com a Sicca dos Thracios, de cabo curto terminando em bola, e com a ponta tocando nas nádegas. Assenta sobre um cippo lavrado, em que está inscripto o nome de Indibilis.

A estatua de Mandonio, trabalhada no mesmo estylo rude, mas primitivo, semelhando as esculpturas do Egypto e da Chaldèa, mostra leves differenças; o rosto oval tem uma expressão de audacia, de quem affronta todas as difficuldades; o escudo que assenta sobre o ventre está pendente do pescoço por correias sem abraçadeiras, tal como o clypeus dos gregos; na mão tem uma arma curta de empunhadura simples, como faca de ponta, que se alarga até ás guardas, como o pugio dos romanos. Tambem as pernas núas emergem do pedestal ou cippo votivo, em que se lê o nome de Mandonio.

A estatua de Salondico tem as armilhas nos pulsos ou propriamente manilhas; e na cabeça uma cervilheira de couro, que está cingida até meio da face; a cetra não é redonda, appresenta a face concava, e representa o enlaçamento de fitas de couro crú.

Antes de chegar á Lusitania um outro Pretor para substituir Plancio na campanha, já estava consagrada esta piedosa homenagem aos tres luctadores que tanto se sacrificaram pela liberdade da patria. Isso acordou novas energias.

XXIII

Não podia ser indifferente a Viriatho aquella extraordinaria fortificação defensiva do Castro da Colla, do Alemtejo, com suas torres e muralhas do mais inaccessivel alcance. Examinou-a detidamente, medindo-a a passos; e ahi na base do monte, para a parte do sul, em que estavam seis sepulturas de generaes lusitanos, é que mandou erguer as tres estatuas funerarias, por que já andavam esquecidos os nomes dos guerreiros que guardavam.

As estatuas dos dois irmãos Indibilis e Mandonio ficaram a par uma da outra, e diante d'ellas como formando um triangulo, a estatua de Salondico. Na linha d'esta sepultura seguiam-se mais tres moimentos, ignorando-se a quem pertenciam. Disse então Viriatho:

– Cubro-me de vergonha, quando noto que já ninguem se lembra do nome d'esses bravos que ahi jazem, tendo combatido pela nossa terra.

– Temos um pouco esse defeito da ingratidão para os homens que nos engrandecem. – Assim fallára um da trimarkisia; ao que um outro accrescentou:

– Tu mesmo serás um dia esquecido, ou reduzido a personagem de conto de velhas.

– Fica certo, que se alguma cousa se souber de ti, será pelo que memorarem os Annaes romanos.

– Não lucto para ganhar fama! É só por uma ideia. – E Viriatho voltou á sua preoccupação: Mas de quem serão essas tres sepulturas restantes?

– Talvez o saiba Idevor…

E consultado o velho endre, que era um verdadeiro poder moral que pela tradição lusa unificava as almas, elle respondeu com simplicidade promptamente:

– São tres caudilhos lusitanos que sempre combateram pela liberdade da terra; aqui descansa Edescon; esta jazida é de Alucio; a do tôpo cobre a Istolacio.

– Dá-me força o lembrar-me que eu continuo a sua missão.

Viriatho foi em seguida á exploração do Castro Verde, cuja posição estrategica era defendida por sete fortes, um dos quaes era o inconquistavel forte das Juntas, assim chamado pelo povo, por se achar erecto na parte em que as ribeiras confluentes, Odemira e Mariscão se encontram e confundem. Quando Viriatho, para subir a violenta escarpa do forte das Juntas, chegou á margem da ribeira de Odemira, estava alli um magote de lavadeiras com as pernas mettidas na agua esfregando a roupa e cantando.

– É esta a feição da gente lusitana; do trabalho faz uma festa; allivia-se da fadiga com os seus cantares.

E parou um instante a ouvir a

Canção das Lavadeiras
 
Já os linhos florescem,
Já os dias crescem,
E ainda não apparecem
    Os meus amores!
 
 
Já as neves descem,
Sem que as guerras cessem;
Mas nunca me esquecem
    Os meus amores!
 
 
Já os linhos se tecem,
Mesmo as têas alvecem;
Ah, se bem cedo viessem
    Os meus amores!
 

Aquella toada sentida communicava uma emoção saudosa, não tanto pela lembrança da paz, agora perdida, como pelo genio do povo, que se revelava n'essa dolencia. Viriatho, bebendo largos tragos da agua da ribeira em uma quarta alemtejana, que lhe encheu uma das lavadeiras, galgou a encosta asperrima, sem parar até ao cocuruto do forte das Juntas.

– Valentes pernas!

– Aquillo é que é homem! Disseram duas das lavadeiras que estavam torcendo o bragal, e que o olhavam cá debaixo, emquanto a agua escorria.

XXIV

Ainda Viriatho se achava proximo da Anta da Candieira, voltando a examinar a fortaleza da torre da Colla, nas campinas de Ourique, quando lhe trouxeram a nova da chegada á Hespanha dos dois Pretores romanos Claudio Unimano e Caio Nigidio, aos quaes o Senado confiára a missão urgente de reprimir de vez os Lusitanos, apagando as manchas das derrotas anteriores. Os dois Pretores combinaram o seu plano de ataque; Unimano iria atacar o Cabecilha nas montanhas de Ourique, aonde sabia que se encontrava por noticias dos espiões ibericos; repellindo-o diante de si, levava-o de encontro contra Nigidio, que operava ao norte confiado na antiga alliança dos Vacceos. Assim colhido entre os dois exercitos romanos, destinados depois da victoria a occuparem a Hespanha Citerior e Ulterior, a derrota de Viriatho parecia-lhes mais do que certa, inevitavel.

Parece que o destino favorecia o Cabecilha, ferindo-se a batalha n'aquella região sua conhecida e cheia de extraordinarios recursos defensivos. Aquelle vasto terreno coberto de rochas schistosas ostentava uma planura ou chapada, todo cercado de escombros e pequenos valles com montados de azinheiras e carvalhos, espessos e escuros. Excellente para repentinas emboscadas; mas o Pretor Unimano só pensára no seu apoio em Evora, cidade do direito do antigo Latio.

Subindo aquelle terreno accidentado cheio de cêrros com espinhaços inaccessiveis, avistava-se de longe a fortaleza a que o povo das cercanias chamava – a cidade da Colla. Negrejava com a sua cantaria secca sobre o ingreme cêrro, correndo-lhe em baixo ao sopé a ribeira de Mariscão. Foi alli que Viriatho reuniu os troços da sua confiança, dentro das muralhas que rodeavam a crista do cêrro. D'alli, do alto, avistava-se o rio de Odemira, que recebe a poente as aguas do Mariscão, junto do pégo do Sino. O Castello ergue-se abrupto, com as suas muralhas construidas por fiadas de cantaria não lavrada, mas todas de um tamanho egual; uma parte dos muros é a pique, outros inclinados para dentro, formando um quadrilongo de mais de duzentas braças, com uma espessura de vinte palmos. A fortaleza é dividida em outras duas internas, tendo ao centro uma cisterna profunda com paredes rebocadas e de abobada; a um lado está um rebaixamento que dá para uma extensa escadaria que leva á margem da ribeira por onde se póde fazer uma rapida sortida. Em quatro outros cabeços circumvisinhos, a meia legua de distancia, alevantam-se outras quatro fortalezas, e mais adiante, coroando um comprido monte o Castello velho, formado por uma gigantesca trincheira que abrange uma área de mais de seiscentas braças. A batalha dada nas visinhanças da Serra d'Ossa, tendo alli ao pé a Anta veneranda da Candieira, augurava para os Lusitanos um resultado feliz.

 

Quando Claudio Unimano avançava sobre Viriatho, que simulára uma retirada para a fortaleza da Colla, e lhe punha cêrco, contando tel-o seguro, por alta noite o Cabecilha desceu com os seus pela escadaria secreta da fortaleza que vem ter á ribeira de Mariscão; e sendo ao mesmo tempo avisado por lumieiras, os guerreiros lusitanos, que estavam recolhidos nas outras quatro fortalezas, cahiram quasi ao mesmo tempo sobre o exercito romano de surpreza, e fizeram uma incalculavel mortandade. Os estandartes da Republica e as insignias pretoriaes foram tomados por Viriatho, que mandou espetar pelos cabeços dos montes em redor as varas que formavam os feixes dos lictores, como fizera anteriormente apoz a derrota de Vetilio. As bandeiras romanas foram arrastadas diante do balsão das Quinas, produzindo um delirio de bravura nas catervas lusitanas.

Quando a batalha estava já decidida, ainda mil Legionarios sustentavam uma lucta isolada contra tresentos infantes lusos, desesperados e seguros de os esmagar pelo seu numero bruto. A resistencia d'esses poucos era tenaz, contando serem soccorridos; os romanos queriam n'essa ultima refrega vender caro a victoria. De subito, apparece á frente dos tresentos infantes o Cavalleiro que se destacava no tropel das batalhas pelo seu cavallo branco, no qual se arrojava á frente de todos os perigos. Os tresentos peões sentiram multiplicar-se-lhes a força e gritaram:

– Olha como elle brande a Colada!

– A Colada ao sol faisca; parece um raio.

O nome da espada Gaizus era desconhecido entre os companheiros de armas de Viriatho; chamavam á espada maravilhosa a Colada, por ter sido guardada em uma sepultura do castro da Colla. Com esse nome brilhará no futuro, quando um Campeador repellir com ella do solo da Hespanha as hordas africanas. D'ahi veiu o vulgar proverbio: «Todo saldrá a la COLADA

Diante da espada Gaizus alguns cavalleiros romanos que escaparam dos mil destroçados fugiam a toda a brida pelas encostas e chapadas de Ourique: um peão lusitano rapidamente atravessou um d'elles desmontando-o, cortou-lhe a cabeça de prompto e seguiu ligeiro no mesmo cavallo levando-a ao alto espetada na ponta da lança. Tamanho pavor se apoderou dos outros cavalleiros, que não se atreveram a atacar o peão, que seguiu seu caminho cantando. Ao tempo constava que o cavalleiro morto se chamava Caio Minicio, da Legião decima-gemina.

XXV

Aproveitando o enthusiasmo e confiança das suas tropas pela derrota estrondosa de Unimano, avançou Viriatho para o norte, transpondo a margem direita do Tagus. Não havia tempo a perder; era urgente ir ao encontro do Pretor Caio Nigidio. As esculcas trouxeram a Viriatho a aterradora noticia de que esse segundo corpo do exercito romano vagava pela Beira Alta devastando, incendiando granjas e casaes, roubando gados e aniquilando as sementeiras para reduzir pela fome a população trabalhadora e pacifica. Era preciso sustar o passo a Nigidio, agora enfraquecido pela impotencia de Unimano. Viriatho avançou a marchas forçadas, contando a cada momento encontrar o exercito pretorial.

Proximo já das faldas dos grandes Herminios, vieram as esculcas trazer ao cabecilha a noticia, de que Nigidio acampára o seu exercito dentro da Cava, que já então começava a ser conhecida entre os povos das cercanias pelo nome de Cava de Viriatho, gloriosos por saberem que alli o Maioral da Mésta abrigava os gados, quando desciam da serra.

A alegria de Viriatho foi vivissima com a noticia do acampamento de Nigidio dentro da Cava, em que se considerava seguro, sobretudo para o aquartelamento durante a noite, despreoccupado de toda a surpreza. Um plano decisivo fulgurou na mente do cabecilha; entreviu uma derrota inesperada, impossivel de ser prevista pelo Pretor, que considerava a Cava como uma Castra aestiva, para segurança do seu exercito. Qual fosse esse plano, a ninguem o communicava, resolvendo logo partir para o grande Herminio, acompanhado dos cavalleiros da trimarkisia, em marcha forçada. Por ventura iria combinar qualquer feito com os maioraes que constituem a Cabana da Mésta, seus antigos companheiros?

Viriatho chegára ao fim da tarde á povoação de Sedarça, logarejo na encosta da Serra, em que passára a infancia. Tudo eram recordações, que o enterneciam e o alentavam. De uma obscura choupana ouviu resoar um canto, e risadas frescas e animadas de raparigas que estavam junto de uma molinheira moendo bolotas, de cuja farinha se fabricava o bolo em uma larga certã de barro sobre brazas. Viriatho, que seguia sempre mais adiante dos companheiros, parou diante da porta, escutando o canto rythmado ao movimento da molinheira. Uma das raparigas ia cantando uma historia triste, talvez com realidade; era a canção narrativa,

A Dobadoira
 
Estava á porta assentada,
Dobando a sua meada
    A velhinha;
Lenço branco na cabeça
A madeixa lhe sustinha,
E envolve-a como toalha:
    Com que pressa
Sentada á porta trabalha!
 
 
    O sol doira
    Seu cabello,
Que tem a côr da geada:
Para passar o novello,
    A velhinha
De vez em quando sustinha
A gemente dobadoira,
Em que anda branca meada.
 
 
Na dobadoira que gira,
Como a mente que delira,
Nem já toda a attenção pondo;
Nem no novello redondo,
    Augmentando
Ao passo que o fio tira,
Todo o seu cuidado emprega!
    Pobre e cega,
Anciada, de quando em quando
Com que tristeza suspira!
 
 
Por vezes, o movimento
    Claro exprime
Tumultuar do pensamento,
Que no imo da alma a opprime
    E quasi oura!
Muda angustia e paciencia
Reflecte-as a intermittencia
    Do andamento
Ao voltear da dobadoira.
 
 
Fica-lhe na mão suspensa
    O novello,
Concentrada não o enleia:
Na orfã netinha pensa!..
    Vem-lhe á ideia
    Por sua morte:
«Só, no mundo! entregue á sorte!
    Pobre neta…»
    Pezadello,
Que tanto a velhinha inquieta.
 
*
 
Não ouvindo a dobadoira,
Que gemia intermittente,
Cahindo da mão dormente
    O novello…
    Com disvello,
A neta, cabeça loira,
    Vem á porta
Vêr o que foi; com susto olha:
Uma lagrima inda molha
A face á velhinha morta.
 

No fim da canção uma das raparigas limpou as lagrimas; disse uma d'ellas:

– Tu, Nilliata, nunca ouves essa aravenga sem chorares.

– É que eu conheci a velhinha cega, e tantas tardes a vi sentada á porta a dobar.

Viriatho approximou-se da porta da choupana, e saudou as raparigas:

– É bem triste essa historia. O que é feito da pobre orfã?

– Ah, senhor! Houve uma alma apiedada que a tomou como filha. Todos os seus parentes tinham morrido nas guerras ou na escravidão dos romanos, e Idevor acudiu-lhe em tanto desamparo. O que nos vale são as boas almas. E se não fosse agora Viriatho, o que os romanos não fariam por essa nossa terra…

– E nunca vistes Viriatho? Perguntou o cabecilha com bondade.

As tres raparigas, que estavam em volta da molinheira, depois de terminado o cantar ou aravenga da Dobadoira, encetando uma conversa intima, trocaram sorrisos maliciosos:

– Muito gostava de vêr esse homem de quem tanto se falla.

– E eu? E dizem que é um homem ás direitas; não é alto nem baixo, de côr morena e olhos castanhos, cabellos fartos e tambem castanhos lisos; barba espêssa e corredia; o rosto é oval, o nariz fino, e a bocca mediana deixa vêr uns dentes alvos e eguaes, que é um encanto! Se o visse conhecia-o.

– Parece que estás enamorada de Viriatho. Disse com malicia Nilliata.

– Eu nunca o vi, nem espero vêl-o. O que me faz gostar d'elle é a sua coragem. Quem hade dizer, que um homem costumado aos duros trabalhos da Mésta, delgado de perna, e pés pequenos, cá como os homens da nossa terra, tem uma alma generosa, e audaz para sacudir os inimigos da patria!

Caenia fallava convencida.

Viriatho, que entrára na povoação adiante dos tres companheiros, ouvindo as risadas das raparigas estacára para escutar o que diziam; em breve conheceu de quem se fallava, e com um sorriso cheio de benevolente carinho, disse para ellas:

– Fallar no máo, apparelhar o páo.

As raparigas olharam-o com surpreza e viram o homem como o tinham representado: aquelle rosto oval e trigueiro, aquelles olhos castanhos de um relance vivo e scintillante; o mesmo pé pequeno mas agil.

Disse a mais reservada das moças para a que era falladeira:

– Ahi tens o moço em quem pensavas. Dize-lhe que gostas d'elle.

– Todas nós devemos amar Viriatho, por que elle sabe defender a nossa terra. (Volveu a Caenia a rapariga falladeira com decisão). Pois para vencer o inimigo, Viriatho precisa do amor e da confiança de nós todos. Mas para amal-o, como a mulher póde amar o homem, isso fia mais fino! Na Lusitania, que mulher poderá merecel-o?

– Então não ha mulheres lusitanas que me queiram? – Interrompeu Viriatho com malicia.

– Ai, meu senhor. Das mulheres da Lusitania só tenho ouvido exaltar uma que é digna de vós, ou vós digno d'ella.

– E eu, que até hoje nunca tinha pensado em amar uma mulher! Queria saber quem é essa, que tanto exaltas.

– Falla! dize quem é. Insistiram Nilliata e Aponia.

– Não é segredo. Todos sabem qual a belleza e ingenuidade de Lisia, a filha de Idevor.

– Lisia? ainda tão nova; com pouco mais de dezeseis annos?

– Mas com um tino e juizo, que espanta; com uma graça invencivel; com uma memoria vivissima dos Cantos e tradições da velha Lusitania. Dizem até, que ella, pelos dons que possue, não é d'este mundo.

Outra das tres moçoilas, não menos linguareira, proseguiu na revelação começada:

– É Lisia quem na Torre redonda de Achale, no começo do Anno estival accende o Fogo novo.

– Ella tem o cuidado do Fogo consagrado a Samham ou São Homem, o Julgador dos Mortos, que os não deixa esquecer.

– E como dedilha na Harpa de triplices cordas…

– E lê todas as letras gravadas no Bastão dos Poetas

Viriatho ficou ferido de curiosidade; e pensando n'essa revelação casual, disse para as tres moças:

– Eu conheço o pae de Lisia, e sei bem que elle é meu amigo a valer.

E dizendo-lhes um adeus com simplicidade, continuou a sua marcha á chegada dos tres companheiros, subindo a encosta do grande Herminio.

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