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Viriatho: Narrativa epo-historica

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XIX

A derrota de Vetilio era commentada em Roma por fórma que se ligava pouca importancia á resistencia dos Lusitanos; attribuia-se a um defeito da organisação do exercito. Dizia-se que o patriciado romano, temendo que nas guerras longinquas os generaes conseguissem um grande prestigio sobre as Legiões que commandavam, se tinha estabelecido, que em cada Legião houvesse mais do que um chefe, sendo commandada por seis Tribunos militares, que por turno se succediam. Lamentava-se que geralmente os tribunos militares fôssem eleitos pelo povo e pelo senado, muitas vezes entre a mocidade inexperiente e por favoritismo. Que, verdadeiramente, era com os Centuriões que o general podia contar, por que esses sahiam da fileira, chegavam ao commando dos manipulos pela sua bravura, e conduziam as cohortes, até se elevarem a primipulos da Legião.

Era no Consulado de Publio Cornelio e de Caio Livio, quando foi nomeado novo Pretor para governar e commandar o exercito que operava contra os Lusitanos, o destemido Caio Plancio. Fôram-lhe entregues dez mil Legionarios e mil e quinhentos Cavalleiros, para engrossar as tropas que estavam recolhidas em Carpesso. O Pretor queria proceder com rapidez, e mostrar a Roma desalentada, que elle submettia para sempre esse povo irrequieto, que não se conformava com o jugo da Patria das Leis. Soube que o exercito de Viriatho permanecia na Carpetania, e quiz ir ao seu encontro, logo.

O Caudilho lusitano exultou de alegria, vendo aquella resolução inconsiderada.

– Plancio obedece inconscientemente ao meu plano, vindo pisar um terreno desconhecido. A victoria é nossa.

E assim que as suas vedetas lhe vieram dizer, que o exercito de Plancio estava quasi á vista, Viriatho dispoz as suas tropas por fórma a acceitar a batalha campal. Era com isso que contava o Pretor, fiado na disciplina inflexivel dos seus Legionarios, sempre com vantagem sobre tropas mal adestradas. Viriatho tomou immediatamente a offensiva carregando com os seus hastarios sobre o exercito romano; mas esse movimento impetuoso e apparentemente desvairado era um embuste. Plancio acreditou na furia cega da gente lusitana, e quando travou o combate, seguro de que em breve a teria derrotado, a um signal combinado todos os guerrilheiros lusitanos viraram costas ao exercito pretoriano em uma debandada rapida, vertiginosa e inesperada.

Plancio hesitou um momento sem comprehender aquelle exodio repentino:

– Fogem! Isto não é exercito; é um bando vil de cobardes. Não deslustrarei o meu exercito perseguindo o bando fugitivo.

E deu ordem a que se destacasse promptamente um trôço de quatro mil homens para dar caça ao lusitano.

Quando Viriatho comprehendeu pelo movimento dos manípulos a intenção do Pretor, rejubilou, exclamando:

– Temol-o cahido na cilada.

E quando o trôço dos quatro mil, que ia em perseguição dos lusos, já estava distante do exercito romano uma boa legua, Viriatho cáe em pezo sobre elles, envolve-os e chacina-os com presteza, escapando apenas aquelles que conveiu, para que levassem a tremenda impressão da catastrophe a Plancio. Nunca as espadas temperadas com as aguas do Tagus, que lhes dava toda a rijeza do aço, trabalharam com mais nitidez. Caio Plancio sentiu-se ferido no seu prestigio, e a perda d'aquelles quatro mil homens revelava-lhe a importancia do inimigo com quem tinha de combater. Faltava-lhe já a frieza da rasão, e arrojava-se contra Viriatho como o boi contra o panno vermelho. Viriatho tinha prevenido a hypothese, de no caso de derrota, accolher-se aos fraguedos da Serra d'Ossa; mas não lhe foi preciso, antes aproveitando a exaltação em que Plancio se encontrava, seguiu avançando para o norte e transpoz o Tagus.

– Será Plancio tão inconsiderado que venha aqui á margem direita do rio? Se elle tal faz, saberá o que é uma derrota fundamental; hade ter que contar em Roma.

E Plancio, dementado pela furia que lhe produziu a mortandade dos quatro mil legionarios, atravessou o Tagus para a sua margem direita.

Viriatho estava acampado em uma collina coberta de oliveiras; quando ao sopé da montanha appareceu o exercito de Plancio, seis grandes matacães graniticos fôram rolados do alto, precipitando-se e esmagando tudo quanto encontraram diante. No meio do assombro e da desordem produzida pelo espantoso successo, Viriatho deu ordem para uma carga de lanças, proseguindo á espada a batalha campal, para mostrar ao general romano que os lusonios tambem sabiam bater-se com tropas disciplinadas em campo raso, em corpos de seis mil homens, em linhas symetricas tanto para o ataque como para a defeza, com a formatura em cunha, e protegendo-se mutuamente.

Plancio, vendo que prolongar o combate seria tornar mais completa a derrota, ordenou a retirada para a margem do Tagus, empregando todos os seus recursos estrategicos para conseguir passar o rio; uma vez na margem esquerda os que se salvaram, foram procurar refugio nas cidades fortificadas, em que o poder romano se firmára na peninsula.

Em um festim em que Viriatho reuniu os chefes da campanha, e quando entregava desinteressado aos seus guerrilheiros os despojos tomados ao exercito de Plancio, entre as conclamações ruidosas dos Peltastas e Cetrados exclamava sorrindo:

– O verão ainda agora vae em meio, mas já o exercito romano busca abrigo nos seus quarteis de inverno.

– Emquanto elles cosem os rasgões que lhes fizeram as nossas adagas, não deixemos que estas se enferrugem; vamos infligir o castigo a esses povos que contra nós os auxiliaram, desde o Tagus ao Ebro.

E se bem o disseram melhor o cumpriram.

A noticia da derrota vergonhosa de Plancio produziu em Roma uma commoção inconcebivel. Uns acreditavam que as minas de prata e as riquezas da Lusitania ficariam para sempre estancadas, e exclamavam com rancor: É preciso anniquillar esse povo barbaro, que assim se atreve a resistir contra a civilisação da grande e generosa Roma. Que o Pretor Caio Plancio seja chamado a Roma, para dar conta dos seus actos, d'esses miserandos feitos com que infamou as armas romanas, cujo prestigio é a base do poder da Cidade eterna.

E Plancio nem tempo teve para reorganisar o exercito com que se salvára depois da derrota nas faldas do Monte-Veneris; chamado a Roma, para apresentar-se diante do Senado, elle partiu menos seguro do que Galba; não levava barras de prata e ouro para corromper os seus juizes, não lhe deram tempo para isso. A narrativa da campanha na Lusitania era inacreditavel, e por isso a sentença estava prevista, – a deposição e o desterro, para que não se fallasse mais d'elle, e para que os futuros generaes apprendessem no temeroso exemplo.

XX

Emquanto os Romanos se preparavam para novas operações de guerra, Viriatho estendeu as suas correrias para o norte, por toda a Celtiberia, até ao Ebro; veiu depois a léste até á Edetania, Contestania; e passando por Castalon, Tucci e Obulca, penetrou na Oretanía. Era um reconhecimento dos territorios e das povoações! sabia aonde teria facil refugio nas cavernas e antas, e que gentes o apoiariam contra o invasor estrangeiro. Na sua passagem rapida ia agrupando quantos se insurgiam contra o dominio romano, lembrados da sangrenta traição de Galba. Quando Viriatho pisava já o solo da Carpetania, vieram ao seu encontro homens alemtejanos com uma mensagem; traziam a Crantara, a Lança ensanguentada, e a entregaram ao destemido Cabecilha. Depois que Viriatho sopezou a Lança, entregou-a a um dos seus companheiros, que a fôram passando de mão em mão, partindo em seguida os mesmo quatro homens com ella. Significava aquelle symbolo a convocação dos chefes militares e dos governadores das Behetrias para comparecerem no Conselho armado. Ia celebrar-se o Conselho no Castro da Colla, junto da grandiosa Anta da Candieira, na Serra d'Ossa; alli jaziam as ossadas dos antigos Lusonios, quando a sua terra não tinha sido ainda invadida pelos Iberos, nem assaltada pelos Celtas, nem explorada pelos mercadores phenicios, nem pelos latrocinos dos Romanos. No ádito sagrado das suas sepulturas é que os Chefes lusitanos consultavam o ecco dos espiritos, nas resoluções irrevogaveis de sacrificio imposto pela lucta. Em uma das enormes lages da Anta da Candieira existe um buraco aberto a meia altura do chão, tendo um palmo em quadrado de diametro; é o unico em toda a peninsula hispanica. É por esse buraco, que o chefe dos Endres, quando esta corporação hieratica não estava ainda desmembrada, interrogava os mortos sobre o destino social das tribus, e sobre a sorte das batalhas; interrogava para dentro da caverna subterranea, e collocando o ouvido a esse buraco escutava os eccos mysteriosos que só elle em uma concentração subjectiva ouvia e explicava aos que vinham alli chamados ao Conselho armado.

Em poucos dias de marcha Viriatho chegou, atravessando charnecas de mato curto e enfezado, e por entre montados de zimbro e azinho, até á chapada de rochas schistosas, aonde no cabeço mais saliente se erguia a Anta veneranda. Infundia um pavor quasi sagrado a vista d'essas sete fortes columnas ou esteios talhados sem artificio, implantados na terra: sobre quatro d'elles assentava uma vasta lage em fórma de mesa, como ára dos sacrificios. Outras lagens cobriam um subterraneo, que era a sepultura dos Antepassados. Logo que Viriatho chegou ao cabêço em que a Anta se eleva, veiu ao seu encontro um velho risonho, que o saudou abençoando-o. Era Idevor, o derradeiro dos Endres, ou pelo menos aquelle que depois de todas as perseguições conservava a tradição das tribus lusonicas; era elle que nas commemorações dos finados, annualmente, alli vinha depôr, na pedra furada as offerendas do banquete funerario; era elle que interrogava os mortos, e collocava o ouvido attento no orificio da pedra que os cobria.

O Conselho armado estava reunido em volta da Anta da Candieira; estavam alli representados os Carpetanos, os Vettões, os Vacceos, os Callaicos, os Artabros; tratava-se da defeza contra o Romano implacavel que se preparava para a desforra de tantas derrotas. Viam-se alli figuras esbeltas de homens, trigueiros, de cabellos compridos cahidos pelos hombros; ligeiros, armados com escudos pequenos, e punhal comprido á cinta; envergavam couraças de linho, tendo por cima a cóta de malha, e nas cabeças os capacetes de couro. Depois de terem feito os seus jogos heroicos, alguns offereciam á Divindade lançando sobre a mesa da Anta, mãos decepadas de vencidos romanos. Idevor avançou para a Pedra furada, ajoelhou e debruçou-se sobre ella, interrogando para dentro. Sentia-se um rumor soturno, como a resonancia de funda caverna. Depois, longo tempo Idevor pareceu escutar; e quebrando inesperadamente o silencio que pezava sobre todos os guerrilheiros e chefes das Contrebias, vociferou com intimativa:

 

– Viriatho? Viriatho! Nunca serás vencido em batalha! Nunca morrerás ás mãos dos Romanos!

Era isso que Idevor ouvira no rumor do oráculo dos mortos. Repetiu-o depois fitando com assombro Viriatho. Os companheiros vieram abraçal-o pela consagração, que o proclamava invencivel; fitavam-o com espanto, como se, desde aquelle momento, se tornasse um sêr sobrehumano. Disse-lhe Minouro:

– Agora em vez de um Pretor, póde Roma enviar-nos dois, para aparar melhor o pezo da derrota.

Andaca, batendo-lhe no hombro:

– Mas, pelo seguro, a força do oráculo está em uma boa espada.

Viriatho apoiando-se na espada que tocava com a ponta o solo, vergou-a com garbo, como fiado na sua tempéra e flexibilidade; mas com espanto viu, que mão traiçoeira lh'a tinha destemperado, porque dobrava-se como se fôsse uma lamina de chumbo:

– Retorcem-se as espadas para serem enterradas com os guerreiros mortos!

Então Ditálcon, vendo a confusão que tomára o Cabecilha:

– Mesmo sem espada serás vencedor; o oráculo não mente.

Idevor tomou a espada torcida das mãos de Viriatho, e disse-lhe com alegria:

– Esta acabou já o seu destino; serviu emquanto o teu impulso generoso levantou o espirito de resistencia nas abatidas tribus lusitanas. Inspiraste confiança! as populações seguem-te, porque vêem em ti o restaurador da independencia, da liberdade, e do futuro glorioso da Lusitania. A nossa Lusitania é imperecivel. Aqui na Anta da Candieira guardara-se a Espada maravilhosa e invencivel, o Gaizus, escondido para não ser tomado e empregado contra nós pelo invasor estrangeiro, e sempre ignorado, por que até hoje não apparecera um filho d'esta terra capaz de a defender e sustentar a sua liberdade. Viriatho! o testemunho dos Antepassados proclama: – Nunca serás vencido! E é da sua sepultura, d'este Cairn sacrosanto que eu tiro a Espada invencivel, o maravilhoso Terçado que ahi se guardou até ao momento em que appareceste e te patenteaste digno de servir o Peito lusitano.

Dizendo estas palavras, Idevor metteu o braço pela pedra furada, e como revolvendo com a mão um thesouro invisivel, sacou com geito pelo buraco da lage um montante de aço.

Abeirando-se de Viriatho:

– Entrego-te a Espada invencivel nas batalhas. Tu, e todo aquelle que a brandir pela Lusitania têm certa a victoria. Que ella passe de mão em mão, e de edade em edade.

Viriatho apoderou-se da Espada com enthusiasmo; beijou-a, mirou-a com desvanecimento, e brandindo-a no ár, gritou:

– Hade ser livre a Lusitania.

A espada que o velho endre sacou de dentro da sepultura ancestral era uma lamina curva, tendo afiada a folha por um dos lados inteiramente, e pelo outro até um terço apenas; tinha a ponta aguçada, terminando a curva por fórma que servia para ferir de ponta e simultaneamente de gume. O fio era tão resistente e cortante, que se fôsse a Espada brandida com força decepava instantaneamente uma cabeça. Quem tivesse visto mundo, reconheceria que aquella Espada era semelhante em tudo á Copide oriental, com que batalham os Argivos, ou á Sicca dos Persas e Thracios; mas emquanto aquellas eram forjadas de ferro batido, esta que estava occulta ha centenas de annos n'aquella sepultura, tinha uma tempera tal, que cortava o proprio ferro, e era, de uma flexibilidade que a tornava inquebrantavel. Não era indifferente a comparação com a Sicca dos Persas, por que d'esse povo guerreiro se conta que viera á Peninsula hispanica como invasor, e que Mithra, o Mediador de Ahura, com uma Espada de Lamina curva matára o Touro, que symbolisava as Crenças e a Cultura dos Povos occidentaes. A Espada começou a apparecer com um caracter mysterioso! Pertenceria ella ás éras primitivas d'essas espantosas luctas das raças do Oriente? No seu punho, que terminava com uma cabeça de Dragão, estavam ornatos de incrustações de ouro com os desenhos usados pelos Espadeiros de Toletum. Havia o quer que é de mysterioso; por que o povo ao fallar de uma Espada magica ou invencivel que existira na Hespanha antiga, diz ainda: que sete vezes fôra temperada no sangue de um Dragão! A sua tempéra não será esse segredo que só os armeiros de Toletum conservam no mais absoluto segredo? E as incrustações de ouro, não serão a prova de que as areias auriferas do Tagus misturadas no ferro derretido é que lhe dão esse poder cortante o incomparavel do aço.

Idevor, correndo a mão ao longo da lamina, descobriu sem esforço a face lisa de uma vaga côr azulada, e que semelhava o cariz do céo; entregou-a a Viriatho, e elle proprio cingiu-lh'a á cinta do lado direito, dizendo:

– Esta Espada encontrou o braço digno de brandil-a no ár. Ella tem um nome, como têm todas as Espadas dos Heroes; são como elles uma entidade, com quem se consorciam; chama-se Gaizus, segundo as tradições religiosas que se transmittiram dos povos scythicos e dacios. E se a insignia da Viria dos tres Crescentes, que hoje usas como supremo chefe, te dá a rasão do titulo de Viriatho, de agora em diante como portador da Espada maravilhosa serás conhecido entre os que te acompanharem até á morte pelo nome de Porto-Gaizus

Effectivamente a Espada que symbolisava o Deus da guerra, entre numerosas tribus scythicas e liguricas tinha o nome de Gaizus, e entre os kimricos Gaisus, de Hesus entre as hordas celticas, e Gaisos entre os ramos goticos. Era essa Espada que se espetava no chão, tornando-o sagrado para ahi se constituir a assembleia ao ár livre e o tribunal do julgamento. A Espada era a representação divina e o emblema da fecundidade, por que lampejava como o raio celeste.

Viriatho espetou a Espada Gaizus na terra, reunindo-se todos os guerreiros em volta; e Idevor proferiu a

Benção da Espada
 
Fita de luz traça no ár o raio,
Quando encastella nuvens a rajada:
     É assim esta Espada!
 
 
Em botes de alto abaixo e de soslaio,
     Ou quando cáe a fundo
     Golpe seu iracundo!
 
*
 
Contra os tyrannos firma a Liberdade,
E fortalece a Confraternidade.
     Quem amal-a não hade?
 
 
A Terra em que nascêmos ella cobre,
Tal como um galho secular frondente
     Abriga a livre Gente.
 
 
Como thesoiro que o valor redobre,
Lampejando no punho de um heróe,
     Sempre sagrada foi.
 
*
 
Espada de Justiça e de Equidade,
De uma Patria o emblema, a magestade,
     Quem amal-a não hade?
 
*
 
Se ella cahir do valoroso pulso
     Por traição ou por morte,
Ao sumir-se no derradeiro corte,
Da independencia guardará o impulso.
 
*
 
Quem descobrir a lamina fulgente
     No revolvido chão,
     Cumprirá – a missão
De tornar livre a soffredora Gente,
Dando-lhe a consciencia de Nação.
 

E feito o sacrificio pelo mais sabio dos Endres, os membros do Conselho armado comeram em commum o que traziam em seus farneis, pães de glande de carvalho rotundifolio, pernas de carneiro assado, e despejavam os picheis de céria ou zytho encostados aos grandes esteios da Anta; e depois de gritos festivos, ouvidas as ordens de Viriatho, debandaram cantando, pelos campos de Ourique, seguindo para as suas terras em um

Coral de Tripudio
 
Terra da Patria!
Querida terra,
Liberta e altiva!
Na paz, na guerra
A alma idolatre-a,
Para ella viva.
 
 
Nosso chão patrio,
Terra querida,
Sempre liberta!
De um mundo és átrio,
Nunca vencida,
Por ti – álerta!
 
 
Terra sagrada
Da Patria amada,
Sê triumphante!
Pequena e forte,
Até á morte
Avante! ávante!
 

XXI

Quando os chefes das Contrebias pisaram terras a que não tinha chegado a devastação da guerra, encontraram ranchadas de mulheres trabalhando nos campos, alegres e risonhas, ouvindo-se de longe as cantigas com que aligeiravam a faina do dia. Approximaram-se da lavrada, e notaram que vigorosas mocetonas, de olhos castanhos e cabello preto, com arrecadas de ouro nas orelhas, contas de ambar e crystal raiado de preto e azul ao pescoço, descalças de pé e perna, andavam n'aquella encosta fazendo a sementeira do linho. Ellas não se apavoraram com a passagem da cavalgada. Os Cavalleiros que se deixaram ficar atraz, fôram-se approximando do rancho, simulando interesse pela suavidade das cantigas, que lhes faziam saudades dos seus casaes e villares, de que andavam ausentes desde que se empenharam na resistencia contra os romanos. É certo que a alguns d'esses guerrilheiros, requeimados pelo sol e pelas geadas, acudiram as lagrimas aos olhos. Cantavam tres raparigas alternadamente uma Cantilena dos Trabalhos do Linho, que na sua emoção fazia sentir o perfume da terra, por que todos elles combatiam. Entoava uma d'ellas, como deitando o pé da cantiga:

 
Quem anda a semear o linho,
Bem sabe que hade viçar
Para trabalhos passar.
 
 
Tambem quem semêa amores
Aqui, além, á ventura,
Sem se arrecear de dôres
Doce esperança procura;
E nascem-lhe em vez de flôres
Trabalhos para passar.
 
 
Antes o linho semear
Pelos vallados e encosta,
Do que um olhar sem resposta,
Desdens que são de matar;
O amor que se não desgosta
Não póde raíz deitar.
 

E emquanto as outras moças iam fazendo a sementeira, disse uma para a que cantava:

– Caenia! não descubras o teu segredo; deixa cantar Nilliata.

E começou logo outra rapariga, continuando na mesma toada, mas com um timbre de arrancar a alma:

 
Pelos trabalhos do linho
Está-se a gente a entender:
Nasce o amor para soffrer.
 
 
D'entre abrolhos do caminho
Quantas flôres a nascer!
Foi quando vim a entender
Que me davas com carinho
Tua vontade e querer,
Pondo fim ao meu soffrer.
 

A mesma voz que interrompeu a que levantára a cantiga:

– Aponia! não fiques para traz; ou tu já não és cantadeira de fama?

Ouviu-se logo outra voz ainda mais terna, de uma frescura de mocidade, e de paixão commovente:

 
Bota uma flôr azulada
O linho, estando a florir:
Tem essa côr teu sorrir!
 
 
Sabendo que eras amada,
Segredaste de mansinho:
– Para sempre! –  Sonho lindo.
Ainda te estou ouvindo…
Foi pelo semear do linho,
Ou mesmo na espadellada.
Antes que o fio mais fino
Chegue a fiar-se na roca,
O que ouvi de tua bocca
Fiou o nosso destino,
Teceu o casto cendal
Para o cortêjo nupcial.
 

Os cavalleiros, que se tinham atrazado da comitiva, atiraram com o dinheiro que levavam para o grupo das raparigas; e mettendo-se a caminho, a trote largo, iam dizendo:

– As mulheres fazem por nós o trabalho dos campos, em quanto por aqui andamos empenhados n'esta guerra sem treguas.

– E eu que jurei não tornar mais a entrar em casa, a abraçar a mulher e os filhos, em quanto não vir estes romanos escorraçados. Heide cumprir o juramento, ainda que me arrebentem as saudades.

– Dá vontade de morrer por esta terra, quando bebemos estes áres, quando nos banha esta luz de um céo tão azul! A cantiga das raparigas fez-me vêr isto tudo, como até hoje eu nunca tinha visto.

E no trote largo em que iam, incorporaram-se na cavalgada, que foi diminuindo á medida que cada um dos cavalleiros tomava a direcção do solar em que residia.

 

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