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Viriatho: Narrativa epo-historica

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III

O Consul Vetilio partira a toda a pressa para a Hespanha Ulterior, a reforçar o exercito provincial; temorosas noticias corriam pela Cidade, de um levantamento geral das cidades da Lusitania, que visava a sacudir o jugo de Roma, tornado odioso e incomportavel pela traição execranda de Galba. O Senado confiava na valentia e intelligencia estrategica de Caio Vetilio, sem desconhecer a resistente tenacidade inquebrantavel das tribus lusitanas, que apoiavam a sua independencia individual em um territorio livre, tendo por grito de guerra:

– Vencer ou morrer!

Presentimentos aziagos se espalhavam sobre o exito da expedição de Vetilio. E emquanto espantosos successos se estariam passando longe, muito longe, na parte occidental da Hespanha, no incendio da insurreição, o detestavel Servio Sulpicio Galba vinha compellido á barra do Senado appresentar a defeza dos crimes de que fôra accusado por Catão o Censor. Elle bem sabia que deslustrára pela má fé a dignidade do Povo romano, mas confiava no poder da sua eloquencia prestigiosa.

Galba receou por um momento a condemnação, e preparou a defeza espalhando pelos Senadores e funccionarios de Roma os blocos de prata e ouro em barra, que trouxera das minas da Peninsula, onde tinha para mais de quarenta mil homens entregues ao trabalho forçado da exploração d'esses jazigos, que rendiam vinte mil dracmas argenteas por dia. E como se não bastassem as riquezas que espalhou com profusão pelos juizes, dirigiu-se-lhes ao sentimento, appresentando-se no tribunal com os seus dois filhos. Lida a accusação, foi-lhe concedida a palavra, escutada attentamente. Era um dos casos mais emocionantes de Roma. Será condemnado? será absolvido? Faziam-se apóstas, aproveitando esse lance para um jogo descarado. A palavra eloquente de Galba era conhecida e admirada.

Perorando:

– Todos vós estaes bem lembrados, que sob o consulado de Licinio Lucullo e de Aulo Postumio, um terror excessivo se apoderou dos Romanos por causa das tremendas derrotas dos nossos legionarios na Hespanha, derrotas infligidas pelos Celtiberos, por fórma, que não havia togados, nem pretorianos que se inscrevessem para acudir á remota região em que fraquejava o Poder de Roma. Scípião Africano revoltou-se contra tanta covardia, offerecendo-se para ir combater e subjugar essas populações indomitas, que luctavam pela independencia da sua terra. Passada a apparente pacificação, fui mandado como Pretor á Hispania. Eu mesmo então vencido pelos Lusitanos em uma batalha campal, consegui salvar-me com um troço de cavalleiros entre penhascos! Ah, foi alli, n'essa extrema angustia que jurei, que prometti á gloria dos Quirites o exterminio dos Lusitanos, d'essas tribus irrequietas, que são hoje o unico embaraço para que a soberania de Roma se estenda imperturbavel sobre toda a riquissima peninsula da Hispania. Lucio Minutius veiu a toda a pressa acudir á minha situação desesperada. Bem sabeis com que altivez e soberbia os Lusitanos e Celtiberos fallam contra o poder de Roma; e a todos os Proconsules, que vão ás guerras da Hispania Citerior e Ulterior, tem sido recommendado que a tantas bravatas estolidas se deve responder com castigos tremendos e inolvidaveis; e sobretudo que os Lusitanos apprendam á sua custa, que as Aguias romanas não soffrem ameaças da vil preza. Não fiz mais do que seguir a politica traçada. Dirão que me excedi na acção repressiva? Respondo, e ouça-me a historia: Emquanto existir sobre o territorio da Hispania esse povo Lusitano, hade ahi manter-se sempre vigoroso o instincto e o sentimento da autonomia. Roma nunca ahi sustentará o seu imperio tranquillo, porque as tribus lusitanas sonham com uma Patria livre! Por mais que as nossas divisões administrativas retalhem o seu territorio, desmembrando-o, mais os Lusitanos comprehendem a necessidade da Confederação das raças peninsulares como condição para repellirem o jugo estrangeiro e affirmarem a sua independencia! E se essa Confederação se chega a organisar, Roma terá no extremo occidente um inimigo mais terrivel do que Carthago, e as guerras contra os Lusitanos serão mais sangrentas do que as Guerras punicas. Foi para destruir estes germens de Confederação, que eu convoquei á falsa fé os Lusitanos para tratar das liberdades que Roma lhes concedia, e passei á espada uns sete mil d'entre elles? Sim, parecerá cruento? Mas, do mal o menos; sabei, que a Lusitania tende a unificar em uma mesma patria os Carpetanos, os Vettões, os Vacceos e os Callaicos. Do Anas ao Mar Cantabrico tudo é lusitano; e do Anas ao Cabo Sacrum, e tambem grande parte da Betica, ou Tartessida, são regiões occupadas pelos Lusitanos, o Povo mais poderoso da Hespanha, como notam os geographos. Ahi veriamos formada uma forte nação, cujo territorio terminava ao nascente dos Asturios e Celtiberos, e comprehendendo a Callaecia, com todos os territorios do Minio, do Durio até ao Tago, e mesmo a região transmontana. Do Cabo Sacrum até ao Mar Cantabrico, toda esta parte occidental da Hispania constituindo a Lusitania! comprehendeis agora o perigo que nos ameaça, e de que eu consegui salvar o poder de Roma. Nós erradamente damos o nome de Celtiberos a povos que são lusitanos de raça; julgamol-os desunidos, e apparentemente se mostram, até á hora do perigo. Se os Lusitanos chegarem um dia a estabelecer uma Confederação, serão invenciveis e derrotarão os invasores estrangeiros que tocarem o solo da amada Patria. É isto que importa ter sempre presente á consideração dos politicos, que tentarem dominar a Hispania, e governal-a enfraquecida para a exploração das suas incalculaveis riquezas. Que o dito de Catão, Delenda Carthago, se converta agora em Finis Lusitaniae! Mas, não quero acabar com uma phrase de effeito; a rhetorica não entra aqui para nada. Importa mantêr a Hispania dividida; não é em Citerior nem Ulterior, mas em LUSITANOS e IBEROS. Esses dois povos são incompativeis entre si; o Ibero admira a auctoridade, a força, e quer exercel-a impetuosamente, ao passo que o Luso ama a independencia sem ruido nem apparatos. O Ibero é incapaz de se unir para a defeza, e obedece passivamente a qualquer poder physico ou moral que se lhe imponha; o Lusitano liga-se facilmente para a defeza, em revolta contra todo o poder. Conheci pela experiencia estas differenças, e reconheci por que fórma poderia fundar na Hispania o Poder indestructivel de Roma: acabar com a Lusitania, e estender as populações ibericas. Chamado a Roma, por causa dos sete mil trucidados, que outros augmentam até trinta mil, ficou truncado o meu plano; mas estou convencido, que Roma, se não hoje, um dia me fará justiça.

No seu discurso Galba concluia por ser preciso incendiar as principaes cidades da Lusitania; passar á espada as povoações que se revoltaram; transplantar os povos lusos, substituindo-os por tribus propriamente ibericas; vender como escravos nos principaes mercados essas tribus inteiras, que pelo seu orgulho embaraçam a acção do Poder romano na Hespanha; arrasar os burgos e as citanias; estabelecer a pilhagem systematica dos campos; decapitar todos os cabeças de motim, logo que sejam agarrados ou pela força ou pela traição, e não bastando isto ainda, retalhar a Lusitania pelo menos em tres trôços: ao norte, constituindo em corpo á parte a CALLAECIA, ao centro a TARRACONIA, e a sudeste a BETICA: logo que fique a LUSITANIA reduzida ao limite do Durio ao Anas, em uma miseravel faixa de terreno, tapada pelo mar, nunca mais terá resistencia, e mesmo chegará até a esquecer-se da pretendida autonomia.

O discurso foi ouvido com assombro, não já como defeza, mas como um plano de futuro governo para a incorporação completa da Peninsula hispanica.

Quando estava para ser proferida a sentença sobre as responsabilidades de Servio Galba, eccoaram por toda Roma as desoladoras noticias vindas da Lusitania: a derrota formidanda de Vetilio! a morte ignominiosa do general romano! O exercito reduzido a seis mil homens, refugiado na cidade de Carpesso! E o poder de Roma ameaçado por um cabecilha, dizem que outr'ora Pastor, outros affirmam que Salteador de estradas, outros que é uma apparição maravilhosa d'esse Viriatho, que ha setenta e dois annos acompanhára Annibal á Italia, e que combatendo em Cannas fôra morto por Paulo Emilio!

Todas estas vozes corriam em Roma, e avolumavam-se, augmentando o terror, e o prestigio do Cabecilha. É de crêr que influiram na sentença, que absolveu a Servio Sulpicio Galba da inaudita carnificina dos trinta mil lusitanos desarmados. E tambem se conta, que a morte inesperada de Catão, o Censor, se explicava pelo desgosto de vêr a justiça avergada á iniquidade triumphante, e diminuida a gloria de Roma ultrajada nos annaes humanos.

IV

Em Roma não se formava uma ideia clara das monstruosidades praticadas por Galba. Diante d'estes planos de forte administração, e pelas doutrinas da politica de interesse, o quadro da mortandade de trinta mil individuos desarmados, convocados juridicamente pela auctoridade do Pretor, e chacinados traiçoeiramente, pouca impressão fazia na alma do povo romano: a falta de sensibilidade moral preparava a sua marcha decadente para a servidão. Mas o crime de Galba era d'aquelles que fazem levantar as pedras! D'entre os montões de cadaveres, meio incinerados e cobertos de pedregulhos, quando a noite viera pôr termo á carnificina, levantaram-se cautelosamente algumas das raras victimas, que a casualidade resguardára dos golpes successivos que esmagavam aquella multidão inerme; e esses desgraçados, fugindo por entre as trevas cerradas, espalharam-se pelas montanhas e valles, e fôram, de povoação em povoação, de cidade em cidade, clamando, bradando, fazendo a narrativa da tremenda catastrophe com que os romanos invasores queriam extinguir os Povos Lusitanos.

Esses foragidos, ainda cobertos de sangue e de lama tábida, rôtos e estropeados, levados em um desvario de quem perdeu a rasão pela enormidade do terror, dispersaram-se pelos campos e fôram dar ás grandes cidades municipaes como Ollissipo, aos Conventos juridicos como Scalabis e Jerabriga, narrando o espantoso successo. Por pobras e aldeias, por casaes e villares, por citanias no alto dos montes, por toda a parte correu o rumor sinistro da mortandade atrocissima e iniqua, e não houve folego vivo que se não extorcesse em impetos de colera impotente, em revolta moral contra o maior attentado que á luz do sol se tinha praticado contra a lei humana. O grito delirante dos foragidos, que iam de terra em terra repetindo a tragica narração, tornava-se contagioso, e acordava um profundo instincto de revolta, que ia crescendo como uma onda até rebentar em uma convulsão irreprimivel. Os Arevacos, os Tittes e os Belli, povos que andavam sempre em mortaes conflictos, agora achavam-se unidos no mesmo protesto. Rugidos de colera irrefreavel irrompiam entre os Asturios, Callaecos, Vacceos e Carpetanos; estes olhavam com anciedade quem daria começo a uma lucta, para a qual nada estava preparado, a não ser um temperamento sempre resistente. Para o sul os Oretanos, Bastitanos e Edetanos ardiam em um rancor exacerbado pela inqualificavel traição de Galba, legitimo representante da fé romana. Já sôavam no ár Cantigas de guerra, que levantavam as almas; e até por essas povoações remotas e mal conhecidas, como Lubara, Aritium, Elbocoris, Araducta, Verurio, Vellade, Arabriga, Tacubis, cujos nomes os geographos romanos e naturalistas não queriam repetir por consideral-os barbaros, por onde quer que passaram os foragidos que escaparam casualmente da horrifica matança, já se formavam trôços de gente armada com hozes, ou fateixas de arrêmeço, catanas grossas, pelo instincto natural da defeza de seus lares.

 

Esses poucos foragidos levavam na palavra o incendio, que se espalhava de cidade em cidade, de povoado em povoado, narrando desenfeitadamente o crime do governo de Roma. É certo que a população lusitana estava cansada das recentes e inefficazes luctas; as cidades confederadas e estipendiarias queriam o socego da sua vida laboriosa, supportando sacrificios da liberdade. Nas cidades dos Turdetanos, como Balsa, Salacia, Cetobriga eccoara imprevistamente o caso nefando da carnificina, e lamentavam não existirem chefes que organisassem a resistencia contra o brutal e monstruoso attentado. E se esta impotencia, ao menos, assegurasse alguns annos de tranquillidade para o sul da Peninsula! Outro Pretor que venha, diante da impunidade d'este, até onde levará as depredações e os morticinios!

Os povos que gosavam das garantias de Municipio romano não queriam mover-se para não decahirem dos privilegios que fruiam concedidos pelo conquistador; os povos que participavam dos direitos do antigo Lacio obedeciam á mesma tendencia egoista. Sómente entre os povos na situação de tributarios poderia surgir um impulsivo instincto, mas impotente de revolta. Nas cidades dos povos denominados Celticos e Iberos havia um certo ciume contra a aspiração hegemonica dos Lusitanos; mas nem por isso se ligou menos interesse ás narrativas dos foragidos da matança de Galba. Os seus gritos repetidos de terra em terra chegaram a Laucobriga, a Castraleuco, Arandis, Mirebriga, e os trabalhadores do campo interrompiam as bessadas para escutarem esse caso estupendo; as festas religiosas e as nupciaes suspendiam-se á chegada d'essas figuras sangrentas, que pareciam phantasmas resurgidos do campo da matança para virem reclamar a eterna vindicta.

Ouvireis o que bradavam esses foragidos, quasi em delirio, alguns d'elles cahindo no chão esgotados de sangue que ainda vertiam das feridas, outros borbotando sangue pela bocca, aos gritos convulsivos com que narravam o caso da mortandade.

– «O Pretor Servio Sulpicio Galba convocou para uma assembléa nas campinas da margem direita do rio Tagus, os trez Conventos da Lusitania Emeritense, Pacense e Scalabitano com as trinta e seis Cidades estipendiarias, recommendando que viessem sem armas, porque se tratava da distribuição de terras, do estabelecimento de novas Colonias, e de elevar alguns Povos tributarios aos privilegios de Cidades Confederadas, de Municipio romano e do antigo Lacio.

«Confiados nas palavras do Edito do Pretor, concorreram ao local que lhes fôra aprazado, muitos povos, interrompendo as suas lavouras; e como se fôsse para uma festa de paz e congratulação levaram comsigo suas mulheres e filhos, e os anciãos mais venerandos das tribus, como arrefens do seu animo pacifico.

«O Pretor ordenou que se ajuntassem na campina em que tinha mandado plantar uma Arvore de Maio, junto da qual se devia assignar o pacto perpetuo da concordia com as Tribus lusitanas.

«Emquanto se esperava o Pretor cercado da sua Cohorte, começaram a apparecer quatro Legiões, que se formaram em orbis, estendendo em ordem de batalha as suas tres fileiras, e envolvendo como em uma grande muralha toda aquella multidão inerme! Ninguem suspeitava o intuito do subito envolvimento.

«Os manipulos da Legião, com as suas bandeirolas fôram marcando os logares, que á frente de todos occuparam os Hastarios; por traz d'estes ficaram os Principes dispostos de modo a por entre elles poderem recuar os que lhe estavam em frente; na terceira linha estendiam-se os Triarios, como barreira de resistencia.

«Depois d'isto appareceu a Cavalleria, correspondendo quinhentos Cavalleiros a cada Legião, armados com o gladio hispanico de dois gumes. Foi então que um gelido terror se apoderou d'aquelle povo indefenso. As lanças e chuços dos Hastarios collocaram-se por um movimento repentino em riste, como formando uma muralha cerrada de espetos.

«O Pretor Galba não apparecia! Um presentimento de morte se estampou na lividez de todos os rostos, quando viram por detraz dos triarios moverem-se torres de madeira, catapultas e balistas.

«Com certeza Galba planeára uma infamissima traição! Como fugir-lhe? As mulheres, em lamentos atroadores, abraçavam os filhos, sem perceberem ainda o perigo. Os velhos aconselhavam prudencia, esperando serenos as ordens do Pretor.

«N'este momento de angustia pezados calháos fôram de longe arremessados por catapultas contra aquella multidão compacta, esmagando alli algumas centenas de lusitanos. O grito de espanto parecia uma tempestade; os que tentavam fugir fôram espetar-se e morrer nas fileiras cerradas dos Hastarios; os que se estreitavam uns aos outros n'um panico inconsiderado abafavam-se.

«E emquanto iam chovendo os grandes calháos arrojados pelas catapultas, cahiam sobre a multidão as Falaricas ou lanças incendiarias, que os Romanos tinham tomado dos costumes hispanos, e outros engenhos arremessavam panellas de pez e estôpa ardendo, que os Cestrophendones faziam cahir no meio da assembléa.

«E como se não bastasse tudo isto para destruir aquella gente desarmada, os Fundibularios baleares mantinham um chuveiro de pedras sempre certeiras, coadjuvados pelos Arcubalistas.

«A multidão ainda se movia, embora não offerecesse resistencia alguma; mas Galba, querendo terminar a sua hediondissima traição e vendo que o sol já declinava, resolveu o final exterminio antes do descer da noite. Os Cavalleiros recusavam-se á fadiga de passar á espada tantissima gente inerme que ainda sobrevivia. Foi então que Galba se lembrou de como na guerra de Macedonia, Paulo Emilio deveu a victoria decisiva ao emprego da tactica dos Elephantes; e deu logo ordem a que os dez Elephantes offerecidos por Massinissa aos Romanos para servirem nas guerras contra os Celtiberos, se empregassem agora para acabarem de esmagar os temerosos rebeldes Lusitanos.

«Os Elephantes couraçados com chapas guarnecidas de espadas fôram conduzidos para aquelle montão de gente, cuja carne e sangue formava com a terra recalcada uma massa horrenda. De baixo das patas dos dez Elephantes sentiam-se fracassar os ossos das victimas, e o sangue respingava-lhes até aos peitos, prendendo-se-lhe nas pernas as tripas que eram casualmente arrancadas na sua passagem.

«A noite vinha descendo caliginosa e um vapor espêsso se erguia dos valles fundos. Foi então, que ainda d'entre o montão dos cadaveres se ergueu um vulto surrateiramente, e saltando ao pescoço de um Elephante, o pezado animal cahiu redondamente morto em terra! As trévas iam-se engrossando, e o vulto agil e escorreito foi assim saltando sobre cada um dos Elephantes, que por seu turno iam cahindo mortos! Quem seria esse vulto extraordinario, que sabia o segredo de dar a morte instantanea a tão poderosos animaes, em cuja pelle não penetravam os mais pujantes dardos? Quem quer que fôsse, elle sabia o segredo apprendido nas Guerras punicas: de que a mais leve picadela no bolbo pela vertebra que toca no craneo do Elephante fazia-o cahir fulminado instantaneamente. Assim fôram mortos os dez Elephantes.

«A noite era já cerrada; e enquanto Galba mandára lançar fogo ao montão dos cadaveres entre os quaes fôram encontrados os dez Elephantes de Massinissa, d'entre esses cadaveres escaparam-se alguns individuos que se tinham occultado debaixo dos corpos exânimes, e que se fingiram mortos: são esses os que andam de cidade em cidade da Lusitania e da Turdetania pedindo vingança! Vingança! Vingança!»

Por valles e serras, e resoando de monte a monte, entoava-se um Canto de guerra, que fazia referver o sangue nas veias, exaltando os espiritos ainda os mais acabrunhados. O Canto podia mais do que a reflexão, e cada povo accrescentava-lhe uma nova estrophe, como a aspiração do resgate. A palavra poetica é alada, o pelo prestigio da tradição transpõe as edades repercutindo-se na alma dos vindouros.

Baladro de guerra
 
Terra da Lusitania,
Ensopada de sangue
Por horrendo baldão!
 
 
Chamou-nos o Romano
Para a alliança de paz,
Mata-nos á traição!
 
 
Virus de iniquidade,
D'esse fermento de odio
Brote a destruição.
 
 
Que a lança dos Quirites
Se quebre, e em nossa frente
Não se erga Legião!
 
 
Quem sobrevive ao crime,
E escuta estes lamentos
Da atroz desolação;
 
 
Quem perdeu lá seus filhos,
Os paes, entes queridos,
O esposo, o irmão;
 
 
Que se revoltem todos,
Peitos sejam escudos,
Lanças raios na mão!
 
 
Soffrimento e opprobrio,
A morte e a vingança
Forçam á união!
 
 
Vós, Povos da Callaecia,
De Oretania, Beturia,
Cynesia região;
 
 
Robustos Carpetanos,
Tartessios, desmembrados
Da Lusonia nação!
 
 
Que o mesmo odio nos una,
Vingae mortos, e os vivos
Salvae da escravidão!
 
 
Reviva a Lusitania,
Ensopada no sangue
Da romana traição.
 

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