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Viriatho: Narrativa epo-historica

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LI

Era noite velha, quando Ditálcon, Andaca e Minouro regressaram ao acampamento de Viriatho. Demoraram-se mais tempo do que o Cabecilha imaginára, revolvendo por vezes na mente que fortes motivos ou rasões politicas se debatiam na barraca do general romano, para lá se deterem. De vez em quando occorria-lhe a conjectura de que Cepio, não reconhecendo a inviolabilidade dos seus parlamentarios, os teria mandado passar pelas armas, ou pelo menos os guardava como prisioneiros, como refens para lhe impôr condições de rendição. N'esta prolongada preoccupação de espirito, e sob a pressão dos inesperados acontecimentos, que só poderiam ser contrabalançados pela energia e pela astucia, Viriatho cahiu em um somno profundo, como aquelle em que se fica immerso antes de caminhar para a morte. Embora profundo, o somno era agitado, como em homem costumado a estar álerta mesmo quando descansava; e n'essa agitação, debatia-se Viriatho com um pezadello, um sonho, que sem differença e por fatalidade coincidia com o que estava prestes a acontecer. Na agitação d'aquelle somno dormido sobre a terra recalcada poucas horas antes pelos cavallos, Viriatho sentia os passos dos seus tres Companheiros, que se aproximavam silenciosamente da barraca em que estava dormindo; um d'elles, Minouro, afastou o panno e entrou escondendo de traz das costas um punhal de dois gumes. N'aquella anciedade cataleptica, Viriatho quiz erguer-se, gritar, mas era impossivel qualquer movimento; em seguida entrou Ditálcon, e Andaca ficou quasi da parte de fóra, mas era ainda visto claramente. Sob o terror do sonho que o opprimia, Viriatho viu Minouro curvar-se sobre elle, e erguendo ao ár o braço com o punhal descarregar o golpe…

N'esse momento de extrema angustia acorda, e entre a illusão e a realidade, sentiu um golpe vibrado fortemente no pescoço; antes que o sangue lhe embaraçasse a voz, Viriatho, abrindo os olhos attonitos, pôde proferir as palavras:

– O meu maior amigo? Minouro…

Os borbotões de sangue que lhe encheram internamente o peito e respingaram pelos pannos da barraca, não deixaram que podesse mais exprimir-se, e ficou exanime, arquejando, até ao ultimo alento, passando assim, horrorosamente, de um sonho tremendo, em que Viriatho, pela sua lealdade, não ousaria acreditar, para a realidade tragica e affrontosa, que ia actuar como uma eterna calamidade sobre o futuro da Lusitania.

A morte de Viriatho fez-se com rapidez e segurança; os tres Companheiros da Trimarkisia sahiram da barraca sem ruido, e simulando ordens recebidas de Viriatho montaram nos seus cavallos e partiram á desfilada para o arraial romano. Cepio estava dormindo; um Cavalleiro foi acordal-o, e dizer-lhe:

– Morreu Viriatho!

Quinto Servilio Cepio, voltando-se sobre o lado direito para continuar o somno, deu ordem ao Cavalleiro:

– Que esses entes abjectos esperem lá fora, até que seja dia.

LII

Viriatho era sempre o primeiro que percorria o acampamento; a sua presença era como um toque de alvorada. N'aquelle dia, que despontava luminoso e sereno, não apparecera; como faltavam tambem os seus tres Companheiros, facilmente imaginaram os Mil Soldurios que iria reconhecer algum fôjo ou desfiladeiro para organisar uma emboscada contra o exercito consideravel de Cepio. Mas o sol erguia-se; era dia claro, e a barraca do Caudilho conservava-se fechada. Occorreu a ideia de verificar se estaria cahido por doença; o que estava mais perto levantou resoluto o panno da barraca, e viu o vulto de Viriatho estendido em cima da relva, sobre póstas de sangue coalhado; e recuando com espanto:

– Está morto Viriatho! Apunhalado, apunhalado!

Aquelle brado sôou como um estalido de raio, quando, ao perto, fende o ár ambiente; o trovão foi o rumor propagado entre os Soldurios e por entre os Terços e Companhias, que formavam agora o pequeno exercito de Viriatho.

– Apunhalado Viriatho! Morto Viriatho!

Para a barraca do general correram todos aterrados. Não compareceram Ditálcon, Andaca e Minouro; eram os unicos que faltavam. Sem esforço reconheceram que esses, a quem Viriatho considerava como os seus maiores amigos, é que o tinham apunhalado traiçoeiramente, covardemente, emquanto elle dormia!

Corriam lagrimas de desespero pelas faces dos velhos camaradas de Viriatho n'esta campanha de dez annos pela independencia da terra lusitana.

A barraca foi desmantelada, e ficou patente aos olhos de todos o corpo inanime de Viriatho estendido como se tivesse passado instantaneamente do somno da vida para o da morte; via-se-lhe o golpe profundo do pescoço dado por mão certeira, a que teria succumbido rapidadamente e quasi sem agonia. Sobre o sangue derramado em cima de que jazia, e a seu lado, estava estendida a espada, que o acompanhava sempre, espada invencivel, á qual attribuiam poderes maravilhosos. Vendo a espada, e não se atrevendo nenhum dos Soldurios a tomal-a na mão, diziam entre si:

– Agora comprehendemos as vozes que corriam: Viriatho não morreu em batalha; assim lhe estava vaticinado.

– Mas o oraculo, que lhe parecia favoravel, deixára no vago a hypothese atroz, de morrer apunhalado á traição pelos seus melhores amigos!

– Antes vencido e morto na refrega, no sacrificio voluntario da vida por uma ideia, do que esta sorte miseranda.

E por todo o exercito, em grupos, que se formavam em tamanha desolação, levantavam-se alaridos, prantos de terror e de magoa; bem reconheciam que aquelle desastre era a perdição de todos, e que sem o chefe prestigioso achavam-se á mercê do Consul romano, e para muitos annos abafada a resistencia da Lusitania. Na angustia em que todos se viam, a pouca distancia do exercito de Quinto Servilio Cepio, o desespero da situação causava uma apathia, uma obnubilação para planear a defeza urgente.

N'este momento, afastando os grupos que cercavam o corpo de Viriatho, chegou Tantalo, um dos bravos em que mais confiava o Caudilho, e collocando-lhe a espada entre as mãos, cruzada sobre o peito, exclamou:

– Morreu o teu corpo, mas permanece imperecivel o teu ideal. Esta Espada transmittirá o esforço, truncado pela traição, áquelle que cedo ou tarde servir a aspiração de uma Lusitania livre.

E voltando-se para o exercito, que parecia reanimado por estas palavras:

– O que temos a fazer agora, e primeiro que tudo, é prestar a Viriatho as honras do funeral.

Emquanto se davam as ordens para realizarem de prompto, com a maior solemnidade, a lugubre cerimonia, no arraial dos romanos levantavam-se cantos de acclamação triumphal, que eccoavam de quebrada em quebrada:

– Acabou a Guerra da Lusitania. Morreu Viriatho! Morreu Viriatho.

LIII

No arraial de Quinto Servilio Cepio a inesperada noticia da morte de Viriatho propagou-se com uma rapidez inaudita; perguntavam entre si os Legionarios:

– Quem seria o valentão que se atreveu a ir atacar pessoalmente aquelle colosso?

– Morreu em duello Viriatho!?

– Só por traição…

– Quem foi o romano astucioso?

– Quem teve essa gloria?

– Não ha gloria em matar á traição.

– Não foi nenhum romano; fôram lusitanos, e amigos de Viriatho.

– Custa a crêr.

– Elles estão ahi junto da barraca de Cepio para receberem o premio promettido.

– Então, foi Cepio que os comprou? que os aliciou para a traição?

– Sim! Nada podendo pelas armas, alcançou pela astucia o que nunca poderam conseguir Vetilio, Plancio, Nigidio, Fabio, Quinccio e Serviliano. É velho o ditado, mas sempre verdadeiro: Quem não póde, trapacêa.

E n'estas conversas entre os Legionarios, a curiosidade aguçava-se estimulando alguns d'elles para irem vêr como eram as caras dos tres miseraveis que tinham, ao serviço de Cepio, assassinado o general que Roma tanto temia. Os Legionarios que passavam e encaravam com Ditálcon, Andaca e Minouro, iam dizendo entre dentes:

– Ia jurar que aquelles homens não são lusitanos!

– Viste aquelle mais alto, e mais velho? Se não é um africano branco, berber, mesmo ao pintar!

– E o outro? o loiro, parece celta.

– O da cara redonda é que se assemelha mais ao typo luso; mas assim roliço, e puchando para a gordura… é com certeza ibero.

Afastaram-se á pressa, por que o Consul Quinto Servilio Cepio apparecera á porta da sua barraca de campanha; alguns ouviram o som confuso das palavras trocadas entre elle e os tres traidores, palavras atropeladas, e d'entre as phrases destacando-se as que Cepio proferiu com accentuado e esmagador desdem:

– Roma não tem por costume dar premio a soldados que estrangulam o seu general.

As trombetas abafaram o resto da phrase, tocando á formatura das Legiões e á parada geral do exercito. Emquanto esteve o exercito consular em fórma, Cepio conferenciou com os Centurios, estabelecendo o plano a seguir depois da morte de Viriatho:

«Primeiramente intimar ao exercito lusitano a rendição peremptoria e incondicional; agora privado de chefe, é de todo impossivel a resistencia.

«Depois d'isto, que Decio Junio Bruto avance com uma parte do exercito romano e penetre na região da Vettonia e vá ao encontro dos Callaicos, que tratam de prestar soccorro ao exercito, conforme o pedido que lhes fizera o Caudilho.

LIV

Os Cavalleiros romanos, que chegaram com a intimação affrontosa de Cepio ao arraial lusitano, podéram vêr e contaram as cerimonias grandiosas que se praticaram no Funeral de Viriatho. D'entre os Mil Soldurios que sempre o acompanharam, uns encarregaram-se de vestil-o magnificentissimamente com as mais ricas e festivas roupas que trajava em tempo de gala, quando animava os jogos celebrando as derrotas romanas. Amarraram-lhe os cabellos na testa, como se fôsse para entrar em combate, pondo-lhe na cabeça a triplice cimeira e o capacete de couro; pendente do pescoço o pequeno escudo concavo, preso por corrêas, e em uma das mãos um punhal largo ou faca de matto, estendida a seu lado uma lança de ponta de bronze e gancho para não deixar fugir a prêza. Outros Soldurios acarretaram para cima de um alto penhasco que estava na corôa da montanha, grandes mólhos de rama de pinheiro, de faias e carvalhos, formando alli uma estupenda pyra, sobre a qual, com veneração, fôram processionalmente collocar o corpo rigido de Viriatho. Parecia um soberbo throno a pyra; e logo que cada um dos Mil Soldurios foi junto do cadaver dar-lhe o derradeiro adeus, dividiram-se em grupos de duzentos, e póstos em frente uns dos outros, como quem vae entrar em combate, esperando que fôsse lançado fogo á enorme pyra. A chamma começou a atear-se, e assim que ella irrompeu intensa, principiaram as dansas guerreiras em volta da pyra, em fórma agonistica, batendo os escudos, floreando as lanças, brandindo as espadas e entrecruzando-se vertiginosamente, como se esse tripudio sanctificasse mais o acto lugubre, continuando ininterruptamente, incansavelmente, até que a ultima labarêda, tendo combusto o corpo de Viriatho, se apagasse por não ter mais que queimar.

 

E emquanto aquellas turmas de duzentos cavalleiros dansavam em volta da pyra, dois outros grupos conservavam-se balançando-se como a accentuar o rythmo de um Canto, em que celebravam as virtudes e o heroismo de Viriatho. O que esse Côro generoso e heroico vociferava, chegou na voz dos tempos a penetrar na historia:

ENDECHA FUNERAL
PRIMEIRA TURMA:
 
De obscura estirpe nascido,
Fôra em criança pastor:
Certo prenuncio e augurio
Que um dia, por seu valor,
Intelligencia e denodo,
Guiaria o Povo todo.
 
SEGUNDA TURMA:
 
Nos transes mais arriscados,
A astucia e penetração
Dos seus planos de batalha,
Descobria a salvação!
Vimol-o em Tribula, quando
Teve a Viria do commando.
 
PRIMEIRA TURMA:
 
Por trazer o Collar de oiro
Não deixou de ser affavel!
Dava a todos egualdade,
Contra Roma era implacavel!
Nas Legiões consulares,
Mandava ao Orco aos milhares.
 
SEGUNDA TURMA:
 
Roma offereceu-lhe um dia
Da Lusitania a Realeza!
Simples, modesto no trato,
Sceptro e purpura despreza,
Fazer livre a Patria sonha;
Por ella a morte é risonha.
 

Este grupo de Soldurios unindo-se, começaram uma carreira vertiginosa em volta da pyra; e os que até áquelle momento andavam em volteio ballucinante pararam subito, cantando por sua vez, divididos em duas filas:

PRIMEIRA TURMA:
 
Dominou pelas victorias!
Mas nunca sua vontade
Altiva se exerceu fóra
Da Justiça e da Equidade.
Sempre as prêzas repartia;
Nada para si queria.
 
SEGUNDA TURMA:
 
Valente, audaz, destemido,
No seu viver era sóbrio!
Commodidades e luxo
Tinha-os por vil opprobrio.
Para a liberdade attreito,
Tinha o duro chão por leito.
 
PRIMEIRA TURMA:
 
Triumphava nos perigos
Pela astucia e pela audacia!
Cansou Roma, a Paz lhe impondo
Pela instante contumacia.
Manietou os tyrannos
Na campanha de dez annos.
 
SEGUNDA TURMA:
 
N'esses dez annos de lucta,
Á sua voz tudo corre;
Uniu-nos pela vontade
Que a Patria lusa soccorre,
A nossa Patria ditosa,
Que, firme, libertar ousa!
 
AS QUATRO TURMAS:
 
E Roma, sempre vencida,
Só achou o assassinato,
Pela perfidia affrontosa
Para vencer Viriatho!
Vergonha á Cidade eterna,
Que pela traição governa.
 

O Canto do soberbo Côro acabou pela estranha Vociferação, condemnando a traição execranda de Roma contra Viriatho emquanto dormia. Areytos e Tripudios funerarios acabaram simultaneamente; e emquanto se abriu uma vastissima cova para arrojar as cinzas de Viriatho, procedeu-se ao sacrificio das victimas consagradas aos manes do general insubstituivel. Cortaram as dextras dos prisioneiros romanos, que eram quasi todos iberos e levantinos, e foram mortos muitos cavallos. Dedicados amigos de Viriatho combinaram entre si o suicidio religioso, para o acompanharem além da morte, sendo alli enterrados sobre as cinzas d'aquelle com quem contavam encontrar-se em um melhor mundo. Subitamente apresentou-se á beira da cova Bovecio, e exclamou com voz firme:

– Ao bom conselho de Viriatho devi o voltar á vida, de uma doença mortal. É de meu dever acompanhal-o na morte.

E vibrando em si proprio uma punhalada, cahiu borbotando sangue na larga cova aberta. Muitos dos Soldurios de Viriatho, levados pela mesma vertigem, proclamaram o suicidio religioso. Então Andergus, o espadeiro de Toletum, propoz:

– Que se suicidem tantos amigos e companheiros de Viriatho, quantos os annos que duraram os seus combates contra Roma.

Avançaram para ao pé de Andergus os Maioraes da Mésta, Edovius, Togotes, Uvarna, Suttunus, Semesca, e alguns chefes de Contrebias, taes como Aernus e Candiedo; e começaram entre si um duello desvairado, jogando-se golpes de morte, cada qual procurando não ser o ultimo sobrevivente. Andergus foi o primeiro a cahir por terra. Mas a cerimonia inaudita teve de ser interrompida por um successo impressionante: dois Cavalleiros romanos, em nome do general Quinto Servilio Cepio, apresentaram-se intimando a rendição do exercito lusitano.

– Nunca! – bradaram os primeiros que ouviram a intimação affrontosa.

– Não se pactúa com um general que julga chegar á victoria pela traição.

E os que iam suicidar-se pela confraternidade heroica, decidiram:

– Morramos, sim, mas em lucta desesperada contra o infame Consul.

E n'aquelle momento, lançando a ultima pá de terra sobre a sepultura de Viriatho:

– Para a frente! Tantalo, Tantalo seja o nosso general, para continuar a campanha.

LV

Depois que Tantalo tomou o commando do pequeno exercito lusitano, alli mesmo em conselho armado assenta o plano a seguir para evitar o combate com Cepio:

– Temos dois recursos: ou debandar o exercito, indo cada um de nós recolher-se a Numancia, e coadjuvarmos Salóndico, que resiste com valentia a Quinto Pompeu Rufo; ou seguirmos em marcha sobre Sagunto, que está em poder dos Romanos, é verdade, mas cujas cercanias acham-se povoadas por Turdetanos.

– Para Sagunto! Para Sagunto.

A marcha fez-se com precipitação, de modo que Cepio, vendo que os Lusitanos não se rendiam, e dando ordem para o ataque immediato, encontrou o campo abandonado. Mandou circular em todas as direcções para descobrir o caminho que os lusitanos seguiam; e facilmente lhes seguiu o encalso, alcançando-os proximo das vertentes de Palancia e do Turia.

Tantalo não pôde evitar o combate; reconhecia que era impossivel a victoria, mas a derrota certa havia de custar muito sangue aos romanos. E voltando-se para os Soldurios, que no funeral de Viriatho se ajuntaram dois a dois para luctarem em duello até cahirem mortos para acompanharem ao outro mundo o seu chefe, exclamou:

– Agora é que vale a pena morrer. Continuamos ainda a glorificação de Viriatho.

O arranque com que os Lusitanos receberam o ataque do exercito de Cepio foi de molde, que o Consul, seguro da victoria, julgou melhor, ainda assim, não se aventurar ás contingencias do momento; e antes de dar o golpe decisivo, e dispostas todas as forças para o desfecho tremendo em que seriam passados á espada, mandou dizer a Tantalo:

– Posso offerecer-vos a Deditio. Quero ser generoso com os bravos que não temem a morte.

Tantalo explicou aos seus companheiros o que era a Deditio concedida pelo general romano:

– Se nos entregarmos como Dedititios, ficamos subditos de Roma, e como taes ninguem nos poderá reduzir á condição de escravos vendendo-nos nos mercados como bestas de carga. Como Dedititios tem de nos ser dado um territorio para habitarmos como Colonos.

A ideia de nunca serem escravos mais do que tudo sorriu áquelles cansados lusitanos; e então Tantalo mandou entregar a sua espada a Cepio como signal da rendição.

Cepio desejava apagar a mancha indelevel da deslealdade com que rasgou o tratado de Paz, e procurando attenuar o odio da perfidia com que fez assassinar Viriatho, deu aos trôços da gente que formava o exercito lusitano o territorio extenso e fertil do valle banhado pelo Turia, para o colonisarem pacificamente.

Passados dois annos, Decio Junio Bruto, denominado por antonomasia o Callaico, por ter derrotado os quarenta mil gallegos que vinham em auxilio de Viriatho, confirmou os privilegios d'aquelles dediticios, e á cidade que haviam fundado e já se tornava florescente deu o nome de Valencia, consagrando o heroismo dos destemidos lusitanos.

LVI

Estavam acabadas as guerras de Viriatho, mas não estava pacificada a Hespanha lusitana. Decio Junio Bruto tinha transposto o rio Lima, e entrado na Galliza victorioso, refugiando-se a pobre gente nas cavernas do Monte Medulio. Dentro em Numancia, o chefe celtibero Salóndico resiste tenazmente contra os generaes romanos; elle tinha a valentia de Viriatho, mas faltava-lhe a astucia e promptidão em inventar uma cilada. Roma não o temia tanto, embora diante d'elle combatessem successivamente Marco Pompilio Lenas, Caio Hostilio Mancino, Marco Emilio Lepido, Lucio Furio Philo, Quinto Calpurnio Pisão, até Cornelio Scipião Emiliano.

Pela indomavel bravura com que Salóndico sustentou Numancia, chegou a correr entre o povo a voz mysteriosa, que era em suas mãos que estava a Espada de Viriatho, a invencivel espada. Verdadeiramente quem sabe aonde está occulta essa espada, que synthetisa a energia para a independencia da Lusitania? Sabe-o Tantalo, que a salvou de perder-se com generoso intuito, na rendição junto do Turia.

Passaram-se esses terriveis acontecimentos, que deixarão inolvidavel o anno de DCXIV; Lisia, sómente ignorava no seu retiro em Vacca a sorte da campanha, e nem suspeitava a morte de seu esposo. Mas a demora de Viriatho, a falta de novas, o silencio de todos em volta d'ella, o ár de ternura com que illudiam as perguntas que fazia aos que passavam, lançaram Lisia em uma melancholia deprimente. E ouvindo cantar uma rapariga gaditana debaixo do seu miradouro, notou que insistentemente lhe chamava:

– Sempre noiva! a Sempre noiva.

E quando Lisia disse para seu pae, o velho druida Idevor:

– O coração adivinha-me, que Viriatho está morto!

O velho respondeu com firmeza:

– Viriatho não podia morrer em batalha! Se não apparece, é porque anda lá por esses montes da Celtiberia, ou talvez pelo sul da Lusitania, ou Cynesia, organisando a resistencia. Não desesperemos!

Lisia, cansada de incerteza, teceu uma corôa de Verbena, a erva da segunda vista, e collocou-a na cabeça. Desde esse instante lhe occorreu o pensamento de consultar os oraculos para saber a verdade completamente, ainda que lhe causasse a maior dôr. E o oraculo mais sacrosanto e irreparavel nas suas revelações era o das Pedras baloiçantes, os Loghans, visitados na região dos Cynesios, junto dos quaes nunca ninguem se atrevia a ficar durante a noite.

Lisia, acompanhada de alguns ambactes ou serventuarios de condição livre, partiu com seu pae até á Ilha sagrada de Achale, aonde se recolheu o velho druida, e ella continuou a jornada com impaciencia, para ouvir a sentença definitiva dos Loghans, na região procurada por tantos crentes. Não tinha descanso emquanto não soubesse a verdade, mas verdade que decidia da sua felicidade, de toda a sua existencia:

– Viriatho está vivo? Viriatho estará morto?

E seguindo em temerosa jornada por desertos infestados por lobos, e por cidades occupadas por subditos de Roma, Lisia caminhava incolume, como no somnambulismo da concentração de uma saudade inconsolavel.

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