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Viriatho: Narrativa epo-historica

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XLII

O sonho de Viriatho tornára-se uma realidade: a Lusitania livre, e Roma vinculada pela Paz. O Caudilho contava com a pacificação geral, embora algumas resistencias se manifestassem na Hespanha citerior; Roma era sufficientemente politica para ratificar esta Paz sem apparencia de impozisão. E emquanto Viriatho esperava a ratificação do Tratado pelo Senado Romano, partiu pressurosamente para a ilha de Achale. Cumprira a condição exigida por Lisia para a realisação do seu casamento.

Lisia sabia todos os terriveis accidentes da campanha de Serviliano, mas não tinha chegado ainda á ilha sagrada a noticia da pacificação inesperada. Do alto da Torre Redonda a semnothêa viu vogar para a ilha uma barca de couro; o coração bateu-lhe agitadamente, sem se atrever a conjecturar o que teria succedido. Mais proximo a barca, reconheceu a figura de Viriatho. Desceu subitamente para ir esperal-o á lingueta de areia.

Não se imagina a eloquencia da mudez de Viriatho e Lisia, quando se deram as mãos e assim ficaram por alguns momentos. Avançando para a Torre Redonda, ia-lhe dizendo Viriatho:

– Cumpriu-se o teu desejo.

– A Paz? Com Serviliano?!

– A Paz com Roma; assignou-a Serviliano, Proconsul e general.

Lisia fitava immovel o vulto de Viriatho, crendo um sonho o que escutava. O valente cabecilha tirou d'entre a cota de malha de linho retorcido a folha em que estava escripto o Tratado de Paz, em que Roma reconhecia a liberdade e independencia da Lusitania. Lisia não pôde lêr esse texto, porque a impressão da alegria tinha-lhe arrasado os olhos de lagrimas. Viriatho entregou o Tratado ao ultimo dos Druidas Idevor, que leu a clausula: Haverá paz entre o Povo romano e Viriatho.

Lisia, lançando os braços em volta de Viriatho, exclamava:

– Temos uma Patria livre! A Lusitania é independente!

E beijando com candura as faces crestadas e as mãos de Viriatho, continuou como se estivesse fallando em sonho:

– Já se póde constituir familia em uma Patria livre. Os nossos filhos nunca serão escravos.

Viriatho, lançando-lhe o braço em volta da cinta delicada, e em attitude reverente:

– Cumpri a condição que me exigiste: a imposição da Paz a Roma. Agora és minha esposa.

– Para a vida e para a morte! volveu Lisia, como se alli mesmo se consorciasse com o guerreiro á face do céo.

E Viriatho, tirando o braço direito da cintura de Lisia, tomou o Cinto de ouro mandado pelo Proconsul Serviliano, como symbolo da realeza offerecida, e cingindo-a com elle, disse com voz branda e quasi só ouvida pela noiva:

– A este corpo gentil, que eu desejo e hade ser meu, prendo-o com esta cadêa de ouro, trazida do campo da batalha para a paz da nossa casa. As almas sempre estiveram identificadas pela mesma aspiração, pelo mesmo soffrimento, e agora por uma simultanea alegria.

E mirando Lisia com interesse e carinho para vêr como bem lhe ficava o Cinto de ouro, dizia em voz que só ella entendia:

– Mal sabes a significação d'este Cinto?

Lisia ficou attenta para ouvir contar a batalha em que fôra tomado como despojo ao general romano.

– Foi-me offerecido por Serviliano com o titulo de Rei da Lusitania e Alliado de Roma, para assim salvar o seu exercito do desfiladeiro em que o enclausurei.

– E acceitaste?

Recusei o titulo de rei, como uma vaidade pessoal e egoista, e só exigi a Paz, o Tratado de Paz ratificado pelo Senado Romano.

– Mas o Cinto?

– Fiquei com elle para ser a minha primeira joia de nupcias. – E com um sorriso cheio de bondade, continuou: Não deixará de ser o symbolo da realeza, no logar em que agora brilha; por que tu, Lisia, ligando a tua existencia á minha, ficaste verdadeiramente a rainha e senhora do meu destino.

Lisia tirou o Cinto de ouro que a envolvia, e tomando da mão de Viriatho o Tratado de Paz foi collocal-os sobre o altar do Deus Innominato. As Virgens do Côro da Semnothêa acompanharam de canticos estas offerendas, incertas sobre qual d'ellas substituiria no culto a Lisia, que ia deixar os áditos mysteriosos da Torre Redonda pelos deveres austeros da vida de mulher casada.

O regimen da Religião druidica ia-se obliterando; apenas na Ilha de Hierna se conservava na sua pureza primitiva. Pelas outras partes do Occidente europeu as perseguições fizeram que se dissolvesse a hierarchia sacerdotal, degenerando os Druidas muitas vezes em adivinhos e curandeiros, e as Semnothêas em bailadeiras dos festins e das praças. Na Ilha de Achale conservava-se um apagado vestigio cultual, não tanto como doutrina theologica, mas como vinculo secreto que unificava as vontades no ideal politico da libertação da Lusitania. Era por isso que nenhum viajante fallando da Hespanha deu noticia da existencia do Druidismo na peninsula. Lisia, a Semnothêa, casando com Viriatho, realisava o ideal religioso servido pelo braço do guerreiro na aspiração politica de uma Lusitania livre.

Depois que o caudilho saiu da Torre redonda, Lisia fallou adeparte com o velho endre:

– Agora que está assignada a Paz com Roma e livre, livre a ditosa Patria nossa amada, Viriatho virá pedir-te a minha mão de esposa. Muito desejára que antes d'esse dia lhe descobrisses o sitio onde se guarda o Thesouro do Luso, e lh'o patenteasses como depositario da Tradição, que elle serviu com tanto desinteresse e valentia. Eu bem sei que tudo se encontra na Caverna das Inscripções Oghmicas, que só tu sabes interpretar, pondo em ordem mysteriosa os Bastões dos Poetas ou Vates, que por terem esse conhecimento da Floresta ou Feadha, são chamados Faithiste.

– Sim, volveu o velho, é preciso ser sagaz para lêr essas varas sagitarias, feitas de estêvas, a que chamaram Buchstave, em que se contam as Sagas heroicas. A quem, senão a Viriatho entregarei o Thesouro do Luso? Pela condição natural das cousas, Viriatho hade sobreviver-me. Encanta-me o teu pedido, porque a entrega d'esse deposito fica ligado ao destino affectivo da tua vida, – é o teu dote.

Lisia, beijando a fronte do endre encanecido, deu á intensidade do sentimento a sincera expressão das lagrimas.

Seriam aquellas lagrimas enternecidas um presentimento?

Na vetusta tradição dos povos do norte anda sempre ligada á posse do Thesouro a fatalidade tremenda, – a morte…

XLIII

Emquanto Viriatho se demorava na Ilha sagrada de Achale, no enlêvo d'aquelle amor que o fortificára na sua missão heroica, os tres Companheiros deixaram-se ficar no valle de Callippo á frente dos Mil Soldurios, em uma inactividade impaciente e desgostosos por vêrem tão repentinamente terminada a guerra contra os Romanos. Estavam acostumados a uma vida agitada de aventuras, ao prazer do saque, ás grandes emoções entre a posse de riquezas repentinas e a morte; custava-lhes a voltarem bruscamente aos costumes da paz, ao respeito forçado da vida e da propriedade. Preoccupados do mesmo pensamento, careciam de communicar entre si os seus intuitos; tinham receio de serem espiados, de que os Soldurios descobrissem em suas palavras qualquer hostilidade contra Viriatho.

Então Ditálcon disse para os outros dois companheiros:

– Que vá cada um de nós por diversos caminhos ter á Caverna que está entre o Promontorio Cepressico e o rio Callippo. Ahi, sem sermos vistos nem ouvidos, poderemos fallar á vontade, e resolvermos sobre a situação que nos espera.

Andaca e Minouro abraçaram o alvitre, e assentaram o dia do encontro na Caverna das Fadas, ao alvorecer. Então teriam tempo para fallar á vontade e á larga. Dos tres companheiros de Viriatho, Ditálcon era o mais velho, e até muito separado em edade. Era um homem alto e enxuto de carnes, de ossadura forte; e embora guerreiro destemido, nunca tinha perdido o porte aldeão, e mesmo um certo amor pelos trabalhos da lavoura. O rosto sobre o comprido e de faces cavadas, tinha uma carnação rubra tostada, sobre que assentava um nariz afilado, e uma bocca desdenhosa, a que dava um ár ironico um golpe que recebera na desastrosa batalha de Tribola. Os olhos eram garços, entre o azul e verde, lembrando pela fórma da cabeça o typo do africano branco berber. Fallava cadenciadamente como sentindo a propria auctoridade, porque era ouvido sempre attentamente, quando contava memorias de cidades destruidas, do tempo das guerras carthaginezas; dizia-se que na mocidade viajára até á Britania e á Gallia, e envolvia-se de uma atmosphera de oraculo, pretextando ora descontentamento dos homens e das cousas, por fórma que inspirava desalento em volta de si, ora acobertava os seus desanimos repentinos com uma isempção de todas as honras e riquezas.

Minouro, que era muito mais novo do que Ditálcon, admirava-o profundamente, e tratava-o pelo nome de – Mestre, lamentando que elle não fôsse um Druida. Por uma lisonja petulante e insistente, veiu a illaquear Ditálcon, levando-o na direcção e intuitos que lhe suggeria. Minouro não era corpulento; era de uma estatura média que o não destacava do commum da outra gente; mas a cara redonda, o nariz curto, e os pequenos olhos que nunca fitavam de frente, denunciavam o typo do pequeno ambicioso do poder, do intrigante que trabalha pelo ideal da sua personalidade, servindo todos os partidos conforme as necessidades da sua elevação. Era como um fermento putrido, exercendo uma acção decomponente e incessante. Viriatho confiava em Minouro, pelo seu caracter de homem pratico, e especialmente pela consideração que lhe ligava Ditálcon.

O outro companheiro, Andaca, era mais phantasista, mas generoso; como Minouro admirava tambem profundamente Ditálcon, acatando-o mesmo quando este o censurava pela audacia das suas ideias, ou arrebatamento impulsivo das suas determinações. Andaca era homem novo; destacava-se entre os outros Cavalleiros pelos seus cabellos louros, que lhe cobriam quasi a testa e que separava para um e outro lado em uma marrafa caracteristica e inconfundivel. A barba era espêssa e tambem loura, a qual com a tez fortemente córada e os olhos azues, faria crêr um typo da Scandia perdido entre as tribus lusitanas de olhos e cabellos castanhos. Era sobrio, e desinteressado; sonhava com os tempos do decahido Druidismo, e teria sido um Bardo arrebatador para doutrinar os povos se tivesse nascido em uma melhor epoca, menos perturbada ou mais crente. Quando regressava dos combates e correrias em que se sentia viver, era-lhe indifferente a distribuição dos despojos; não tomava parte nos saques das cidades romanas, e quando depunha a espada e o escudo era para estar deitado sobre a relva ou nas penedias, em decubito dorsal, scismando como um vate. Minouro a pouco e pouco fôra influindo no seu espirito, dominando-o, e pelo poder de o revocar á energia, exercia um predominio completo sobre a sua vontade.

 

Partindo em direcções diversas, os tres Companheiros de Viriatho encontraram-se ao alvorecer á bocca da Caverna das Fadas, alguns estadios longe do mar, mas dentro da qual rebentavam as ondas nas grandes tempestades da costa. Ahi, no escarpamento maritimo do Promontorio Cepressico, é que se observava bem o trabalho das vagas, que pelo agglutinamento das areias moventes de uma praia que se foi alteando pelo decorrer dos seculos, formou com o calcáreo altissimos taludes, ou dunas, defendendo o valle de Callippo. Mas por seu turno em toda a extensão da costa desde o Promontorio Cepressico até ao rio Callippo, o mar recomeçou o trabalho de erosão abrindo numerosas Cavernas, destacando-se entre todas a mais profunda e mysteriosa, a Caverna das Fadas. Contam as vozes do povo, que algumas d'essas Cavernas foram abertas pela mão do homem, quando ainda elle não conhecia os metaes, e viera descendo da primitiva estação que fizera em Scalabis, até por estabelecimentos successivos chegar ao valle do Tago.

Na Caverna das Fadas entraram os tres Companheiros de Viriatho maravilhados pela extensão do subterraneo, em um solo plano e profundo com abobada hemispherica, desembocando em uma galeria, aonde já os raios do sol nascente não chegavam, e aonde se occultavam numerosos esqueletos como em necrópole de uma remotissima edade. A curiosidade não os levou a entrarem lá dentro; ahi, á bocca da Caverna, antes de começarem a conversa para que vieram, não podiam eximir-se á observação de cousas que parecia extraordinario o encontral-as n'aquella solidão ignorada de todos.

Ditálcon, levantando do chão uns fragmentos de barro cosido, e mostrando-os aos companheiros;

– Quem é que póde explicar como esta louça veiu parar aqui! Em Ilierna eu vi louça egual em tudo a esta; e até na Bretanha…

– Seria um mesmo povo? – Inquiriu Andaca imaginoso; e levantando do chão numerosas contas de côr esmeraldina e esverdeadas, que estavam espalhadas pelo chão, como se formassem outr'ora vistosos collares, continuou observando: – Mas estas contas desenfiadas tenho-as encontrado em outras Cavernas da Lusitania, em que nos temos refugiado n'estas correrias contra os Romanos. Quem tivesse tempo para ajuntal-as e formar com ellas um collar para offerecer a Lisia por occasião do seu casamento com Viriatho.

Ao proferir este nome, os tres Companheiros entreolharam-se subitamente, suscitados pelo pensamento que alli os trouxera. E Minouro atacou o assumpto:

– O casamento de Viriatho! É isso o que nos obrigou a virmos aqui. Elle quer agora a Paz com Roma, para gosar tranquilamente a sua vida de casado; e mandando cada um para sua casa, lá se vão os nossos commandos, todo o nosso valimento, e mesmo os nossos recursos.

Ditálcon atalhou:

– Viriatho é sincero; elle não acceitou o ser Rei da Lusitania, como lhe propoz Serviliano.

– Mas, depois de casado, não quererá elle dar á mulher um throno? e com os filhos formar uma dynastia?

Andaca interveiu:

– Em todo o caso, nós somos uns instrumentos passivos dos planos ou das ambições de Viriatho; e isto não deve, não póde ser.

Ditálcon, retomando a sua auctoridade e ascendente moral:

– A Paz com que Viriatho se lisongeia, é um engano. Roma ratifica a Paz assignada por Serviliano, mas como vê Numancia em revolta, vae mandando mais tropas para a Hespania citerior. Ainda n'este anno de DCXIII chegou o Consul Quinto Pompeu Rufo, com Quinto Servilio Cepio para continuar essa guerra desesperada que dura já desde DCXI. Os Numantinos não succumbem; são dos que morrem mas não se rendem; elles são verdadeiramente Lusitanos, e Roma sabe-o melhor do que ninguem. Por isso, se vos faz falta a guerra, ahi a tereis, segundo as minhas previsões, e eu sou homem para me ufanar de ter dito algumas verdades ao mundo. Agora, o que aqui vos confesso é que estou cansado de guerras, por uma causa sem fundamento.

– Sem fundamento!? Accudiram Minouro e Andaca, com surpreza.

– Sim; porque nós os Lusitanos nada temos com esse povo primitivo que antecedeu na Peninsula o Ibero, que o veiu repellindo para as bordas do mar. Viriatho sonhou esta divisão entre o Lusitano e o Ibero, quando tudo isto é Celtiberico, e deve formar uma só patria, a que bastaria por ora a constituição municipal que Roma nos impõe.

Minouro apoiando-se na affirmativa de Ditálcon:

– Eu vou-me convencendo d'isso; porque para sermos uma Nação lusitana, como dizes, não temos differença de Raça; e pelo que tenho observado n'estes nove annos de campanha pela Hispania citerior e ulterior, tambem não vejo montanhas que limitem os nossos territórios, nem rios que nos sirvam de fronteiras separativas. N'estas condições uma Patria lusitana é uma creação de fórtes peitos, obra de homens, e sustentada apenas pelo prestigio das suas espadas. Nós mesmos obedecendo a este impulso fizemos do pastor Ouriato o Viriatho que não quiz o sceptro d'este novo reino.

Andaca, suggestionado pelo argucioso Minouro, e acreditando nas palavras de Ditálcon:

– Para que esta Hispania unida entre na Civilisação moderna, como Roma attingiu no mundo e como nol-a quer transmittir, só temos um passo a dár, e digo-o com sinceridade: Renegar a Patria lusitana!

– No meio d'isto tudo, disse Ditálcon, em um dos seus momentos de pessimismo que o atacava, – para mim só me bastam sete palmos de terra.

Andaca, passando com os dedos inconscientemente pela barba loura, parecia que era impellido para o mesmo desalento; Minouro é que se mostrou alegre:

– Deixemos vir para nós os acontecimentos. A tranquillidade de Viriatho não será por muito tempo; nem me parece que a sua obra tenha estabilidade. E recomeçando os Romanos a guerra, porque o Senado que ratificou esta Paz é o mesmo que approvou a traição de Servio Galba ha dez annos, Viriatho tem de vir a campo. E nós cá estamos para dirigirmos as cousas como entendermos.

– Ficamos n'isso! Conclamaram os outros dois, levantando a mão direita.

O sol ia a pino; e montando silenciosamente os cavallos que andavam pastando entre as ervas marinhas, dispersaram-se rapidamente em direcções differentes, para reapparecerem desencontradamente no valle de Callippo.

XLIV

Viriatho, regressando da ilha sagrada de Achale para a companhia dos Mil Soldurios, vinha alegre pela novidade que acabava de saber poucos momentos antes:

– O Senado e o Povo romano ratificaram a Paz assignada por Serviliano! A Lusitania está livre de hoje em diante. Não disputaremos nunca a Roma o seu dominio entre os Povos ibericos; disfructe ahi á vontade as suas conquistas e as suas exacções fiscaes. Que os seus Proconsules e Pretores se enriqueçam rapidamente, e venham ahi remir-se pelo seu governo das garras dos crédores que os empobreceram em Roma. A Lusitania só quer que a deixem no seu trabalho, que é a sua festa permanente. Na fé do Tratado depômos as armas; vou communicar esta resolução, que é da parte dos Lusitanos o começo do cumprimento do glorioso Tratado, ao Conselho armado, para que em seguida todos os Têrços e Companhias, que andam ha nove annos empenhados n'esta campanha de libertação, voltem ás suas terras.

Foram dadas e transmittidas todas as ordens necessarias para que o Conselho armado se reunisse junto da Mamôa mais proxima. Quando Viriatho fallou em dissolver o exercito, ouviu-se uma voz de entre os do Conselho, observando:

– Tenho por perigoso esse desarmamento; porque Roma não cessa de mandar tropas para a Hespanha, e está sustentando uma guerra sangrenta em volta de Numancia. Ahi estão dois Consules temerarios Quinto Pompeu Rufo, e Quinto Servilio Cepio, sustentando essa campanha. Nada mais facil do que, sabendo esses generaes que o nosso exercito se licenceou, voltando os Têrços a seus lares, um d'elles se lembre de vir fazer uma incursão á Lusitania e nos apanhe isolados.

Viriatho ouviu attentamente a observação, e não foi immediatamente de encontro a ella, antes parecia corroboral-a:

– É uma supposição plausivel, e tanto mais para recear, que um d'esses Consules, Quinto Servilio Cepio hade querer vingar o irmão Serviliano por ter assignado o Tratado de Paz; e além de tudo Cepio, segundo a voz que corre, é considerado em Roma como um devasso, capaz de todas as deslealdades pelo seu caracter perfido. Mas, Cepio tem de obedecer ao Senado e Povo romano, e por isso estamos livres de qualquer traição, como a que ha doze annos praticou Servio Galba contra a Lusitania. Hoje não tratamos com Consul algum pessoalmente; é com Roma representada pelo seu mais alto poder politico. Não temos direito a duvidar d'ella; o Tratado aqui está escripto e assignado.

E em seguida passou as laminas de cobre em que o Tratado de Paz com os Lusitanos estava assignado por Lellio e Servilio, os dois Consules n'esse anno de DCXIV da Fundação de Roma; e cada um dos membros do Conselho armado foi lendo detidamente e approvando:

– É a garantia de uma paz duradoura.

– Para que esse Tratado seja effectivo, continuou Viriatho, temos de mostrar a Roma que confiamos na seriedade das suas Leis, e que pelo nosso lado cumprimos o Tratado depondo as armas e voltando aos nossos labores quotidianos.

– É assim mesmo! assim mesmo.

E approvada a resolução, foram enviados mensageiros para todos os povos e terras que tinham luctado pela independencia da Lusitania; para os Vettões, para os Vacceos e Callaicos; outros foram levar traslados do Tratado de Paz para que fôsse lido na Celtiberia, na Carpetania e na Oretania, na Betica e até ao Paiz dos Cuneos.

Ao saír do Conselho armado, disse ainda a mesma voz suspeitosa:

– Bem sei que a noticia do Tratado vae causar por todas essas terras uma alegria immensa! É legitima. Porém vendo o exercito licenciado, e sabendo quanto é difficil pôl-o de repente em pé de guerra, continuarei dizendo, e oxalá me engane: Tenho por perigoso este desarmamento.

Quem assim fallava era o bravo Tantalo, que em toda aquella campanha nunca hesitou em cumprir uma ordem de Viriatho.

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