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Viriatho: Narrativa epo-historica

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XXXVIII

Esperando o momento azado para recomeçar as operações militares, Quinto Fabio Maximo passára o inverno no seu quartel estabelecido na cidade de Corduba, vendo que a espantosa revolução que irrompia entre as tribus lusitanas chegava á maior intensidade quando justamente estava a terminar o periodo do seu consulado. Elle presentia, que em Roma a sua pretendida victoria era motivo de facecias; por que as noticias do levantamento de tantos povos á voz de Viriatho, desde o Anas e Betis até ao Promontorio Trileuco, patenteava que o chefe lusitano redobrára de força e de prestigio depois da sua retirada para Bécor. Quinto Fabio, sob a incerteza se seria chamado a Roma, se continuaria no commando da Guerra viriathina, ou se outro Consul o viria substituir, passava os dias em uma agitação moral que o perturbava profundamente, obrigando-o ao esforço de occultar o seu estado de espirito, diante dos que o rodeavam. Na inacção forçada da estação hyberna, ordenou certos divertimentos, que os Consules, na sumptuosidade de vida que usavam na Peninsula, tornavam uma caracteristica da grandeza romana.

A melhor parte do dia passava-se em um lautissimo e grandioso banquete, em que á parte as iguarias, em que predominava o salmão cosido em vinho branco, deliciava os convivas a parte espectaculosa, que se continuava pela noite adiante. Durante o banquete resoavam as musicas proprias chamadas acroamata, em que grupos de moços e raparigas ao som de flautas e lyras cantavam desenvoltamente em meneios de dansas e pantomimas, imitando situações dos mythos religiosos e das lendas homericas. Eram sobretudo jovens syrias e gaditanas, que, ao som dos cantos licenciosos mais fascinavam pelas dansas lascivas os convivas de Quinto Fabio. E para fazer contraste com a belleza das fórmas, appareciam de repente os anões e aleijados, que em contorsões violentas, procurando imitar os equilibristas, que formavam pyramides e torres ambulantes, dando cambalhotas e guinchos estridentes, suscitavam as mais estridulosas gargalhadas. Á variedade e profusão das iguarias, correspondia a mudança dos divertimentos, destacando-se, pelo seu poder hilariante, os Imitadores, que reproduziam o canto dos gallos, e o dos rouxinoes, os zurros do jumento, o miar dos gatos assanhados, macaqueando os gestos e a falla dos typos mais conhecidos da cidade de Corduba e mesmo de alguns Centurios.

Quando Fabio estava cansado de rir de todas essas manifestações da indignidade humana, das disformidades physicas e degradações moraes, então mandava que se fizessem as recitações poeticas, e appareciam com ramos de louro nas mãos os Homeristas, que ao som das lyras de sete cordas e de cytharas declamavam episodios dos poemas do Cyclo homerico. Já estavam os candelabros accesos na sala do banquete, quando entraram os Homeristas, para recitarem alternadamente os cantos de um Poema, a que deram o titulo de Os Piratas tyrrhenos; e em quanto declamavam, figuras mudas em um intermedio dramatico iam representando todas as situações descriptas:

«A bella e joven Neéra banhava-se descuidada nas ribas de Naxos.

«Apparecem subitamente os piratas do mar Tyrrheno e arrebatam-na, para a venderem para algum gyneceo real.

*

«Menéclida, seu velho pae, deplora a perda do encanto da sua velhice.

«O namorado de Neéra, encontra-o chorando, e persuade o velho para irem consultar o Oraculo. Partem ambos com anciedade.

*

«No mar os Piratas disputam entre si a posse de Neéra; e não se entendendo no meio da sua lucta ameaçam de metterem o baixel a pique, e morrerem todos.

«O piloto impõe-se aos remeiros, dizendo, – que é melhor ir offerecer a cativa ao Rei de Coryntho, porque assim alcançavam um porto de refugio e abrigo, quando fossem perseguidos ou batidos pelas tempestades do mar.

*

«Neéra é offerecida ao monarcha: a formosura da cativa deslumbra-o.

«Coryntho está em uma grande desolação por uma terrivel peste asiatica e a mortandade é enorme. O Rei consulta o Oraculo; – que responde: Que o seu Estado ficará livre da peste logo que elle despose uma prisioneira.

*

«Quando se faz o banquete das nupcias de Neéra, apparecem dois forasteiros, o pae e o namorado de Neéra, desfigurados pelas fadigas das jornadas, e por isso desconhecidos.

«Sentam os dois forasteiros á meza, e dão ao velho Menéclida uma lyra para entoar um cantico. Como bom rhapsodo, desenvolveu em uma canção saudosa o verso de uma tragedia de Sophocles:

 
– É preciso para ser feliz – viver no seu lar…
 

«A cativa, agora rainha, conhece pelo canto a voz do pae, e vê na physionomia do moço que o acompanha a expressão do namorado, dos seus primeiros amores, Alcimo.

*

«O moço diz ao rei que é esculptor, e que fizera as estatuas mais bellas de Aphrodite para os templos de Héllade; e que se promptifica a fazer a estatua de Neéra.

«O Rei quer a estatua da esposa, mas com uma condição: Que o artista contemplando-a núa, logo que fôr terminada a obra elle morrerá, sendo assim a sua morte o véo do pudôr.

«O moço acceita a condição resoluto: Neéra pasma, receiosa. Começa o estudo das fórmas, das posições…

*

«E quando os dois amantes sentiam mais ardente a paixão primeira, e Alcimo achava impossivel reproduzir no marmore tanta belleza, presentindo que a morte os separará para sempre, em um longo beijo assim lhe segreda:

– Que a mesma morte nos una!

*

«E de noite fugiram ambos do palacio, entrando em uma barca, das que estavam varadas no porto de Coryntho: foram mar em fóra ao som da agua, fallando dos seus amores, vogando perdidos, e ja muito longe, aos primeiros alvores da alvorada, Alcimo cantava:

 
Sobre o horisonte, quanto a vista alcança,
     Reluz vaga esperança:
Branca vela! da salvação signal:
     – É o Sonho do Ideal.
Succede á calmaria a viração,
     – Do Amor a aspiração,
Que as nuvens da borrasca longe espalha!
     A vela branca assoalha.
Nas auras fluctuando – esse estandarte
     Nos leva ás regiões da Arte.
Que importa Syrtes ou parceis? agora
     Resplandece outra aurora,
Um céo azul n'esses teus olhos! Vêl-o,
     E certo rumo – o Bello!
Como busca outro clima uma andorinha,
     Que o calor adivinha,
     Fugimos! Crente, á prôa
     A alma para ti vôa…
Pelo mar largo assim vamos os dois
     Devaneando… Depois,
N'este enlevo sem fim, perdido o norte,
     Que seja o porto a morte!»
 

Apenas acabára a recitação dos Homeristas, já appareciam na sala os Parasitos para dizerem chascos e graçolas; mas o Consul Quinto Fabio deu ordem para que se retirassem.

– O que desejará agora o Consul? diziam uns para os outros. Talvez alguma Tragedia? Que venha já immediatamente o Graeculo.

Quinto Fabio ouvira fallar n'uma crença que os Povos da Lusitania tinham sobre os poderes maravilhosos de uma Cerva branca; constava-lhe que um velho poema barbaro celebrava esse mysterio, pelo qual se explicava o prestigio dos homens politicos. Foi trazido um prisioneiro lusitano, que se lembrava de numerosas estrophes do Poema.

Disse-lhe o Consul:

– Tens a liberdade, se me recitares o Poema da Cerva branca.

– É o Poema de Abidis, do Principe fadado por invencivel diante de todos os perigos, e sempre subjugado pelo Amor. N'esse poema está symbolisado o genio da nossa raça lusitana: luctando indomavel até á morte, mas deixando-se morrer de amor.

– Canta ou recita esse poema; e terás a liberdade.

O prisioneiro sentiu uma immensa alegria quando lhe tiraram as algêmas; e começou em uma melopêa estranha, que absorveu a attenção dos convivas:

Rimo de Abidis
 
Ouviu negro vaticinio
O rei Górgoris um dia:
Que do seu throno dourado
Um neto o despenharia!
Mandou fechar n'uma torre
Distante, redonda, esguia,
A Princeza sua filha,
Unica herdeira que havia.
 
 
Triste, cativa a Princeza,
Cantava de noite e dia,
Para encher a soledade
Nas angustias que soffria.
Passa um Cavalleiro perto,
A doce musica ouvia;
Mas, como subir á Torre?
Tão alta! quem poderia?
Deixára soltar as tranças,
E até á terra descia
Seu fino e lindo cabello
Por onde o moço subia.
As noites eram auroras
Da mais intima alegria,
E as ausencias tornavam
Cada vez mais negro o dia;
Até que d'esses amores,
Que ninguem suspeitaria,
Ao cabo de nove mezes
Formoso Infante nascia.
Boas Fadas o fadaram,
A qual mais dons lhe daria:
– Invencivel aos perigos
Serà! uma fada dizia.
De amores sempre vencido,
Outra fada retorquia.
Toma o rei Górgoris conta
Do Infante apenas nado,
Que traz o nome de Abidis
No cinto em que é enfaixado.
Sempre o negro vaticinio
Ao velho rei é lembrado;
Só pensa em salvar o throno,
Leva ao crime tal cuidado.
Em uma estreita azinhaga
Deixa o neto abandonado,
Por onde passa correndo
Sua boiada, seu gado.
Pelo poder do destino
Não foi o Infante calcado!
O velho rei recrudesce
No odio ao neto votado,
E manda lançal-o ao monte
Certo de ser devorado
Por algum lobo faminto
Ou serpente do vallado.
Foram dar com elle rindo
Na relva fresca do prado,
Lá por uma Cerva branca
Com carinho amamentado!
 
 
O velho rei mais raivoso
Mandou arrojal-o ao mar,
Crendo que as aguas profundas
Hão de a criança afogar.
A onda a que a arremeçaram
Á praia a vem entregar!
Então Górgoris conhece
Que a Deusa Hertha o quiz salvar.
Estrella do Mar se chama
A essa diva lunar,
Que traz por sagrado emblema
Uma Cerva branca a par.
 
 
Por causa da Cerva branca
Veiu tanto odio a acabar.
O rei Górgoris tem gloria
De Abidis seu reino herdar:
Como o neto, resistente
Seu Imperio hade ficar,
Annunciando-lhe a grandeza
Aquella Estrella do Mar!
 

Aproveitando-se de uma pausa ou hesitação de memoria do prisioneiro, disse-lhe o Consul Quinto Fabio:

 

– Já faço ideia do poder da Cerva branca; conta agora algum lance d'esse invencivel Abidis, sempre vencido de amores.

– Ah! toda a historia de Abidis ou Amadis, é quasi inteiramente de amores; dava para encher muitos dias e seroar noites com peripecias sempre de encantar. Começo por uma

Declaração de amor
 
Apalpando o lado esquerdo
Não achei o coração!
Na repentina surpreza,
Com tamanha inquietação,
Conheci que m'o furtaram,
Não sei bem a occasião…
Fui logo á procura d'elle
Buscando o rasto no chão,
Escutando attentamente,
Se lhe ouvia a pulsação!
Talvez esteja perdido
Em remota solidão?
 
 
Quando já sem esperança
Cahia na decepção,
Fui dar com elle fechado
Em nevada, fina mão!
Não me atrevi a exigil-o,
E eu mesmo, sorrindo então,
A quem assim m'o levára
Tive de pedir perdão,
Porque ha no amor a furto
O philtro da tentação.
 

O Consul, como homem culto, estava interessado pelas rimas do prisioneiro lusitano, que lhe pareciam barbaras mas impressionantes; e disse-lhe:

– Prometti-te a liberdade; para que a obtenhas de vez, é preciso que proclames em voz alta: «Viva o poder da grande e generosa Roma!»

O prisioneiro olhou desdenhosamente para Quinto Fabio, devolvendo com secura, e como em um arranco de morte:

– Volto para o ergástulo.

E murmurando entre dentes com entranhado rancor, ao retomar as algemas:

– A Cerva branca ainda hade dar bastante que fazer aos Romanos! Oh, se hade!

A festa dos Acroamata era poucos instantes depois interrompida; chegára uma ordem cathegorica chamando a Roma Quinto Fabio Maximo Emiliano, e determinando-lhe a entrega immediata do commando do exercito consular ao novo general Quinto Cecilio Metello.

XXXIX

Com ordem expressa do Senado de abafar a insurreição o mais depressa possivel e de reduzir Viriatho aos seus incertos recursos, desembarcou em Tarragona o Consul Quinto Cecilio Metello, que vinha acompanhado do Pretor Quinccio.

Corria o anno de DCXI da fundação de Roma; Metello informou-se da situação da Celtiberia, e sabendo que os Arevacos se tinham rebellado, foi pôr cêrco a Numancia, de preferencia, para ahi contêr o cabecilha Salondico, evitando que se unisse com Viriatho. N'esse anno memoravel começou o grande cyclo da Guerra numantina, que durou dez annos, terminando em DCXXI pelo suicidio heroico e espantoso dos vencidos. O Consul Metello entregou o segundo corpo do exercito ao Pretor Quinccio, encarregando-o de ir combater Viriatho, que estava proximo da margem direita do Tagus.

Informado pelas suas esculcas, de que era procurado por Quinccio, esperou-o até ser visto, simulando que se retirava para as proximidades do Mons Veneris. O Pretor por inhabil ou por confiado avançou em perseguição de Viriatho, o qual reproduzindo as mesmas manobras, cujo effeito certo conhecia e com as quaes quatro annos antes derrotára Plancio, fez do Mons Veneris o seu abrigo; Quinccio continuou a avançar, e o cabecilha lusitano precipitando-se repentinamente sobre as Legiões romanas e envolvendo-as de subito por todos os lados, fez um tal destroço e mortandade no exercito romano, que o Pretor só conseguiu escapar em uma pavorosa debandada, e sempre perseguido até refugiar-se no seu quartel de inverno em Corduba. Muitos estandartes romanos foram arrancados das mãos dos hastarios; e estes despojos, testemunho da victoria de Viriatho, foram mandados para a ilha sagrada de Achale para serem collocados na Torre Redonda, consagrados como trophéos ao Deus innominato.

Na sua fuga desvairada, o Pretor Quinccio dirigindo-se para Corduba abriu passagem pelo paiz extremamente montanhoso dos Bastetanos, que se estendia para o sul até ao monte Ilipala, confrontando ahi com os Turdulos, ao occidente com os Oretanos, ao norte com os Lobetanos, e com os Contestanos do litoral. Era principalmente aqui n'este territorio dos Contestanos, que estava estabelecido o governo dos romanos, na cidade denominada Nova Carthago. Viriatho não esqueceu esta circumstancia, e não lhe bastando ter derrotado o Pretor Quinccio, submetteu a saque todas as povoações alliadas ou relacionadas com o poder de Roma. O Pretor fechou-se dentro das muralhas de Corduba, sem esperança de que o Consul Quinto Cecilio Metello viesse soccorrel-o, por que achava-se empenhado tenazmente nos combates em volta de Numancia, por fórma que não se podia conjecturar o termo d'essa nova guerra; e apavorado no seu reducto limitou-se a ordenar, que um ibero romanisado, como revela o seu nome Caio Mario, que estava com uma Legião em Italica, policiasse as cercanias de Corduba para o avisar da presença de Viriatho e evitar as suas correrias. É certo que o Pretor Quinccio não pôz mais o pé fôra das muralhas de Corduba.

O orgulho romano não podia conformar-se com esta humilhante derrota, e com a situação vergonhosa de Quincio, dentro em Corduba desde o meado do outomno de DCXI. Desde que despontou a estação favoravel para recomeçar a campanha contra os Lusitanos, o Senado nomeou para esse commando o novo Consul Quinto Fabio Maximo Serviliano. Seria elle mais feliz do que seu irmão para vingar o lustre das armas romanas obscurecido pela audacia de Viriatho?

Desde que Serviliano fôra eleito Consul em DCXII, apoderou-se d'elle uma ambição irrefreavel e unica: vencer Viriatho, appresental-o em Roma, leval-o a pé e descalço no seu triumpho. Para estas esperanças o Senado concedera-lhe extraordinarios recursos: duas novas Legiões além das forças que estavam em Hespanha. E Serviliano podia sonhar com o triumpho, porque contra um guerrilheiro sem exercito organisado, tinha agora sob o seu commando um formidando exercito de sessenta mil homens, e mil e seiscentos Cavalleiros.

XL

Serviliano não queria perder tempo, e iniciou a campanha na Betica, nas cercanias de Jaen; o plano foi bem formado, porque Viriatho apenas pôde pela rapidez das operações do Consul entrar em combate com um contingente de seis mil homens.

Os tres companheiros de Viriatho, notando que o chefe reconhecia a insufficiencia da sua gente para sustentar o combate com um exercito disciplinado dez vezes mais numeroso do que o seu, entreolharam-se com um ár de intelligencia, como se aquella situação desesperada proviesse de uma combinação. Viriatho não succumbiu; antes o perigo o levava a descobrir extraordinarios recursos. E de relance, comprehendendo a situação, ordenou o seu plano:

– Manobrar com uma rapidez tal, que o exercito romano não possa manter-se em disciplina e ordem de batalha.

E em vez de esperar o ataque, deu ordem a um assalto instantaneo, em que toda a agilidade e bravura, que caracterisa os lusitanos, fôssem praticadas por modo que a confusão se estabelecesse nas Legiões romanas, e que as manobras usuaes não podessem ser executadas. Pôz á frente os montanheses do Herminio acostumados ás correrias dos lobos e ás montarias dos javardos, os quaes em berreiros descompassados —Mata, que é romano!– investiram com impeto indomavel de féras contra os manípulos de Serviliano. A espada e o punhal eram vibrados por uma e outra mão, tendo abandonado o escudo, para se moverem mais denodadamente. O assalto encheu de assombro os soldados romanos, que desconheciam esta impetuosidade dos que elles chamavam barbaros; e sem poderem sustentar aquelle recontro violento, foram recuando, suppondo que Viriatho, empenhando a batalha só com seis mil homens, contava com outras forças que viriam avançando, e que decidiriam da lucta.

Uma circumstancia salvou n'esse momento o exercito do Consul Serviliano: inesperadamente appareceram no campo da batalha dez Elephantes africanos e trezentos Cavalleiros bem equipados. Serviliano conheceu-os; era o contingente que lhe mandava Micipsa, o rei da Numidia. Quando o Consul projectava alcançar o commando da Guerra da Lusitania escrevera a Micipsa pedindo-lhe em nome da Republica o auxilio dos seus Elephantes e dos seus esbeltos Cavalleiros. Um pedido assim era uma ordem, e o Rei da Numidia bem comprehendia que com o contingente de alguns Elephantes e Cavallos, garantia a estabilidade do seu throno.

O auxilio não podia vir mais a tempo; e o exercito romano, reanimando-se com o extraordinario reforço, toma a offensiva. A rapidez do ataque da parte do exercito consular, servia para perturbar-lhe a disciplina, e Viriatho, evitando o combate, foi attrahindo as hostes para os terrenos anfractuosos seus conhecidos. Os Elephantes do rei da Numidia foram caindo um a um, com aquelle golpe ignorado dos romanos, mas praticado pelos lusitanos, quando com um aguilhão de ferro matam os seus bois ferindo entre as vertebras cervicaes. O successo inesperado produziu um estranho assombro; Serviliano pensa já na retirada, e Viriatho, furtando-lhe as voltas, toma-lhe a dianteira, avançando com rapidez incrivel por veredas que só elle conhecia, vindo occupar o arraial do exercito consular, apenas guardado por alguns hastarios.

Quando o Consul Serviliano, com o exercito cansado dos caminhos fragosos chegou já noite cerrada ao seu acampamento, achou o pequeno exercito de Viriatho fortificado com os fóssos e trincheiras com que contava defender-se, e viu-se constantemente inquietado pelos hastarios e fundibularios lusitanos. Aproveitando a escuridão da noite e contando com o cansasso dos soldados romanos, fatigados da retirada custosa, Viriatho ordenou incursões repentinas e por lados sempre differentes no acampamento romano. Serviliano perdera n'aquella jornada e incursões da noite para mais de tres mil homens; e como as tropas se achavam sem descanso e sem alimento desde a vespera, seria loucura o empenhar-se em uma batalha campal, resolvendo recolher-se com o exercito á cidade mais proxima, a Ituca, onde contava com viveres e as munições indispensaveis.

XLI

Viriatho não desvairou com a inesperada victoria. Reconheceu promptamente que se salvára d'esta vez de um perigo evidente, e que para luctar com Serviliano carecia de mais gente. Deu ordem, logo que partiu o exercito romano, de lançar fogo ao arraial, fazendo uma retirada cautelosa e tratando com a maxima urgencia de ir buscar levas de montanhezes ás serranias do Herminio, por que lhes reconhecera a valentia impetuosa dos assaltos.

Serviliano, uma vez abastecido em Ituca, e refeitas as suas tropas pelo descanso, debalde procurou Viriatho; convinha-lhe fixar o seu quartel de inverno não longe, para recomeçar a campanha contra os Lusitanos, e avançou sobre a Beturia, essa parte montanhosa da Betica, entre a planicie do Betis e o valle do Anas. Habitava ahi gente que se confederara na grande insurreição suscitada por Viriatho; o Consul occupou-a por conquista, avançando para o paiz dos Cuneos, castigando-os pelo mesmo pacto, e fixando ahi na Cynesia o seu quartel de inverno.

No anno DCXIII, no comêço da estação propicia, iniciou Serviliano a nova campanha contra Viriatho, avançando para o norte; quando ia em marcha com o poderoso exercito, vieram ao seu encontro dois guerrilheiros, que andavam pela Cynesia, com uma partida de mais de dez mil homens. Eram Curio e Apuleio, que por uma temeridade inaudita se atreveram a atacar Serviliano. O Consul, com incomparavel vantagem, bateu a partida, ficando morto no campo Curio com todos os seus despojos, e debandando Apuleio com o resto da sua gente cruamente destroçada. Serviliano prosegue na impetuosa marcha, e reconquista a cidade da Baccia, toma dentro em poucos dias as cidades revoltadas contra o jugo romano, Scandiam ou Escambola, Gemella e Obucula, fazendo ahi dez mil prisioneiros, que vendeu como escravos, e mandando degolar uns quinhentos individuos mais importantes, que considerava como partidarios de Viriatho e fomentadores da revolta. E era a grande e generosa Roma, que acoimava de barbaros os povos da Hespanha, querendo civilisal-os pelas carnificinas e pelas depredações. Era a Lusitania, na sua parte oriental e na occidental, que se atrevia a resistir contra este regimen de latrocinios, batalhando pela sua liberdade.

 

Serviliano ia arrebatado por um pensamento exclusivo: encontrar Viriatho, derrotal-o! Sem isso não era possivel a submissão ou pacificação da Hespanha. Nas suas marchas o Consul não encontrava o Cabecilha lusitano; os seus espiões não davam noticia d'elle. Em quanto os soldados se regosijavam, conclamando, que Viriatho estava cansado da lucta; que perdera a esperança na causa da Lusitania; que já lhe faltava gente e recursos, Serviliano conhecia bem a tactica do caudilho, e suspeitava que Viriatho andaria por longe recrutando novos reforços. E seguro de que só mais tarde o encontraria, o Consul, para ir entretendo as tropas e satisfazendo-as com os saques das cidades devastadas, chegou ás cercanias de Erisane, cidade rica e populosa, e resolveu apoderar-se d'ella. Nem sequer mandou intimar a rendição aos habitantes de Erisane; pôz logo o cêrco á cidade, e deu ordem a que, em todo o seu circuito, se abrissem fóssos, fazendo da terra revôlta uma alta trincheira detraz da qual ficariam os hastarios, para que ninguem podesse fugir, e forçando-os a entregarem-se, assenhorear-se de tudo quanto em Erisane se guardava. De resto contava que os habitantes eram tambem uma rica mercadoria de escravos, e um meio para quebrantar as outras cidades pelo terror passando á espada alguns centenares. Serviliano procedia com tranquilidade e segurança, por que uma cidade sem defeza, como Erisane, não tem melhor recurso do que entregar-se ao invasor. A soldadesca romana achava-se em grande parte dividida em volta da cidade abrindo os fóssos, quando inesperadamente de dentro dos seus muros irrompem em tropel esquadrões sobre esquadrões de cavalleiros, de longas grenhas, com trajos e armas ao modo lusitano. Parecia que a cidade se desfazia em chusmas de cavallerias, e que de cada pedra se formava um cavalleiro. A violencia e rapidez da erupção, os gritos estridentes e a sanha vertiginosa bem revelaram logo que era gente de Viriatho! Como conseguira o Caudilho introduzir-se sem ruido dentro de Erisane n'aquella noite? E sem dar tempo a que Serviliano podésse metter em fórma o exercito, que estava esparso e em descanso no acampamento, na lisongeira espectativa do saque da cidade, Viriatho, com aquelles movimentos que só elle sabia dirigir, lança-se com todos os seus bravos Soldurios, e com os Terços mais firmes chacinando na massa desmembrada do exercito de Serviliano, multiplicando a sua força sobre as hesitações de espanto causadas pela instantanea surpreza.

O exercito romano, sem ensejo para entrar em ordem, vae abandonando o terreno, vae recuando, sem plano; Viriatho, com a lucidez dos momentos decisivos, vae-o impellindo para o desfiladeiro apertado entre dois montes cobertos de penhascos, sem que o proprio Serviliano désse pela audaciosa cilada. Logo que Viriatho conseguiu encurralar o grosso do exercito consular, deu ordem a um trôço de companheiros para a um signal sabido fazerem rolar do alto das duas montanhas aquelles penhascos acavallados. Dispostas assim as cousas, mandou parlamentarios a Serviliano:

– «Que o Consul Quinto Fabio Maximo Serviliano, conhecendo a situação em que se collocára o exercito romano n'aquelle desfiladeiro, devia consideral-o perdido para o combate ou qualquer resistencia;

Que do alto das duas montanhas rolariam ao primeiro signal sobre o desfiladeiro os penhascos que alli negrejavam, esmagando todo o exercito ahi comprimido;

Que, antes de proceder e de pôr as suas condições, mandava perguntar a Serviliano que vantagens offerecia para que o exercito romano fôsse salvo.» —

Os parlamentarios, que tinham partido levando ao alto ramos de oliveira, não se demoraram muito tempo; traziam a mensagem de Serviliano:

– «Que da parte do Consul Quinto Fabio Maximo Serviliano, pelos poderes que lhe tinham sido conferidos pelo Senado, lhe entregavam um Cinto de ouro, como insignia de auctoridade soberana;

Que poderia Viriatho desde aquelle momento considerar-se Rei da Lusitania, e fiel Alliado de Roma, sendo o seu primeiro acto a assignatura de um Tratado de Paz e a dissolução do exercito.» —

Quando Viriatho leu essas condições sorriu-se com um superior desdem; e sem demora tornou a enviar os Parlamentarios com os Cavalleiros romanos que os acompanhavam, para dizerem a Serviliano:

– «Que das suas propostas só acceitava a Paz firmada pelo Consul e ratificada pelo Senado, em que se assentasse para sempre o reconhecimento da liberdade e independencia do Povo lusitano na sua terra, e da propriedade dos fructos do seu trabalho.

Que a Lusitania nada queria de Roma; e quanto a elle Viriatho não acceitava o titulo de Rei, mas unicamente a simples denominação de Amigo, dada pelo Senado romano.» —

A mensagem de Viriatho não podia deixar de ser adoptada por Serviliano, porque se limitava exclusivamente ao Tratado de Paz. E o Consul comprehendia o intuito leal de Viriatho, porque aquelle mesmo homem, que estando o exercito lusitano perdido recusou a Paz que Vetilio concedera, era quem agora, tendo o exercito romano entregue ao seu arbitrio, propunha como resultado da victoria uma simples clausula: um Tratado de Paz assignado pelo Proconsul e ratificado pelo Senado e Povo romano. Era nada menos do que a pacificação da Hespanha e o poder de Roma assentando sobre o Direito em vez da espada.

O Tratado foi redigido com todas as formalidades do Direito das Gentes, e Serviliano assignou-o como Proconsul; Viriatho firmou-o tambem enumerando os povos lusitanos que representava. Trocaram-se os diplomas authenticos, um que devia ser apresentado por Serviliano ao Senado em Roma, e o que ficava em poder de Viriatho, como garantia da Paz. N'esse dia os dois exercitos passaram em festa, ficando no campo as tropas de Viriatho, até que o exercito proconsular deixasse de ser visto seguindo em marcha para o seu quartel de inverno.

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