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Viriatho: Narrativa epo-historica

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XXXIV

Apenas Viriatho se reunira aos seus Mil Soldurios, que o aguardavam impacientes, correu a noticia de que o Consul Quinto Fabio Maximo Emiliano, que fôra eleito n'aquelle anno de DCIX da fundação de Roma, já pisava o solo da Hespanha, vindo commandar pessoalmente a guerra. Considerava-se em Roma esse expediente como decisivo para assegurar o dominio da peninsula embaraçado por umas miseraveis tribus que tinham a ousadia de quererem ser livres.

Quinto Fabio sahiu de Roma descontente, porque sómente conseguira completar duas Legiões novas para reforçar aquellas já cansadas de que dispunha Caio Lellio. Conscio d'esta impotencia, o Consul comprehendeu os conselhos prudentes de Lellio, não pensando em dar começo á campanha sem se informar do territorio e dos costumes do temeroso inimigo, e mesmo dos elementos hostis indigenas que poderiam coadjuval-o; de mais, era conveniente desfazer as prevenções pessimistas que apavoravam as tropas. Quinto Fabio não foi ao encontro de Viriatho; e como que fugindo a uma conflagração, que poderia ser um desdouro para as armas romanas, procurára ponto estrategico para collocar o seu exercito, a coberto de qualquer surpreza do Cabecilha lusitano. Procurou a grande planicie cortada pelo rio Betis, porque ahi existiam numerosas Colonias romanas, que eram outras tantas guardas avançadas que lhe asseguravam a defeza.

Desceu até á extremidade oriental da Turdetania, aonde predominavam povoações ibericas, para as quaes o jugo romano se tornava uma honra; e ahi, na cidade de Orson ou Urso, assentou os seus arraiaes com toda a segurança. A posição era de uma firmeza imperturbavel, porque se achava rodeada por muitas Colonias militares importantes, taes como a Italica, da parte continental ou interior, tendo apoio na cidade mais opulenta e populosa de toda a Betica, Hispalis, emporio commercial activo e rico, com um semi-circulo de fortalezas afamadas cheias de provisões, que eram Carmona, Astigi, Ucubi e Tucci. E como se isto ainda não bastasse para garantir a protecção ao exercito, ainda mais para o norte lá estava Corduba, a capital da Hispania ulterior, para impedir qualquer incursão do inimigo. Quinto Fabio podia estar seguro, porque com estes recursos era impossivel molestal-o do lado da terra; pelo litoral tambem não era presumivel o perigo, antes pelo contrario para uma eventualidade sinistra facilmente se refugiaria com o exercito nas fortes muralhas de Gades, de Carteia e de Málaca.

Por certo o exercito que Fabio veiu tomar do commando de Lellio estaria em situação desesperada, para que elle assim procedesse estabelecendo o seu arraial com uma exclusiva preoccupação defensiva. Dispostas todas as forças nos seus quarteis, cada dia que passavam na inactividade era um motivo de enfraquecimento e de indisciplina; para justificar essa necessaria apathia, Quinto Fabio simulou uma excursão ou theoria ao templo de Hercules Gaditano, para tornar propicio o Deus das povoações ibero-phenicias, e offerecer-lhe um apparatoso sacrificio, para assim lisonjear a credulidade d'esses povos e ligal-os aos interesses de Roma. A ausencia do Consul impunha a necessidade ao seu logar-tenente de manter a disciplina do exercito em operações continuas de adestração, acostumando-o ás emboscadas e surprezas de um inimigo incansavel e sempre empregando expedientes imprevistos. Nem por isso o animo da soldadesca se alevantava, por que o conhecimento das derrotas anteriores era um nefasto agouro; e além d'isso pobres mercenarios recrutados á força por todas as colonias e conquistas romanas não eram impellidos por um sentimento, como aquelles para quem morrer sobre o solo da Patria que defendiam era uma gloria e um delicioso sacrificio.

Emquanto Fabio se demorava na excursão ao Templo de Hercules Gaditano, evitava decentemente qualquer batalha com Viriatho, que se julgava muito longe; e o seu exercito ia cobrando alento para o momento opportuno. E não era o tempo perdido, por que o Consul conseguira, talvez pelas indicações de Caio Lellio, travar relações com chefes de algumas cidades dos Turdulos, dos Turdetanos, e principalmente das cidades Celticas, que já se mostravam cansadas d'estas guerras prolongadas que estavam embaraçando a entrada da civilisação romana na peninsula hispanica.

Viriatho não se temia do exercito de Fabio; conhecia que as duas Legiões recem-chegadas de Roma eram maltrapilhos apanhados nos enchurros da cidade, bisonhos despreziveis extranhos a todo o brio e espirito militar; os que cá estavam não podiam esquecer os revezes a que escaparam e as derrotas que lhes infligira com vontade. Mas, uma cousa preoccupava o Cabecilha: as conferencias de Quinto Fabio com chefes civis turdulos e turdetanos, as suas visitas apparatosas a cidades Celticas, revelavam-lhe que o Consul procurava uma nova força não no exercito, mas no descontentamento das povoações que naturalmente eram antinomicas com a liberdade da Lusitania. E reconhecendo que toda a demora na acção era um ensejo para Fabio se reforçar com este antagonismo de raça, Viriatho decidiu ir atacar o arraial em que se defendera o exercito romano, começando por se occultar pelas florestas circumvisinhas da cidade de Orson.

Fez-se essa operação com extrema pericia, porque os Terços lusitanos dirigiram-se de afastados pontos para a extremidade oriental da Turdetania, e insensivelmente se internaram por Companhias nas cerradas florestas d'essa vastissima planura.

Não se fez esperar o primeiro golpe; do exercito de Fabio saiu um destacamento de uns quinhentos homens para ir buscar lenha á floresta mais proxima da cidade de Orson; iam muitos carros puchados por bois e por cavallos. Quando estavam abatendo os troncos, de todos os lados surgiram os Companheiros de Viriatho, rapidamente, e tão certos no plano, que esses quinhentos foram totalmente trucidados, sem que a nova terrivel podesse ser levada a Orson.

A demora dos mateiros fez com que o logar-tenente de Fabio mandasse vêr que extraordinario caso se dera; trouxeram-lhe a noticia do morticinio, mas longe de suspeitar que um tal golpe só poderia ser dado pela audacia de Viriatho, o logar-tenente alardeando conhecimento dos costumes da Hespanha, exclamou:

– Foi uma partida de Salteadores, uma d'estas Quadrilhas que vivem do roubo e depredações, tão constantes na Hespanha. Irei castigal-os, eu mesmo.

E pondo-se á frente de uma Legião, dirigiu-se para a floresta proxima de Orson, na ideia de que apanharia os Salteadores. Assim que dividiu as forças para o cêrco e batida, sahiram-lhe das outras florestas os Terços de Viriatho, que subitamente cáem sobre os manipulos romanos e os destroçam completamente.

Os que conseguiram fugir levaram o terror ao exercito aquartelado em Orson; e sob a tremenda impressão foram emissarios levar a Fabio, que estava ainda em Gades, a nova espantosa, que o forçou a partir a toda a pressa, e a vir tomar o commando do exercito para proceder conforme o exigia a presença do inimigo.

O Consul estava bem industriado, e guardou-se de dar batalha campal a Viriatho; fez como o Caudilho, respondia ás escaramuças com outras escaramuças; não perdia gente, e tendo o seu exercito bem aprovisionado, considerava estes pequenos assaltos em que ficavam no campo trinta, cincoenta homens, como uma eschola em que adestrava os seus soldados á indole especialissima d'esta guerra sem egual.

XXXV

Aproximava-se o fim do Consulado de Fabio, e fatigava-o a indecisão da campanha, quando se resolveu a abrir o tratado que lhe confiára o Senado. Era momento azado para negociar a alliança, por que não tinha sido derrotado, nem tampouco qualquer victoria recente ensoberbeceria o Cabecilha, para impôr condições vergonhosas. Mandou um emissario a Viriatho com as clausulas formuladas pelo Senado, confiado em que a paz e alliança com Roma nas bases do Foedum aequus era uma solução honrosa em tão violenta campanha, satisfazendo equitativamente as aspirações da Lusitania.

Viriatho percebeu todo o alcance do Tratado, logo que descobriu a perfidia com que o Senado procurava seduzil-o pela vaidade, reconhecendo-o como Principe da Lusitania. E na sua linguagem franca e rude, mas luminosa de bom senso, fallou ao emissario entregando o diploma que lhe fôra confiado:

– Dizei a Quinto Fabio, que a paz e independencia da Lusitania é o empenho a que consagrei a minha vida; e que a alliança com Roma, n'essa base de egualdade politica, será effectivamente uma garantia para a autonomia por que combatemos. Mas no tratado que o Senado propõe ha uma phrase que fere o nosso sentimento nacional, quando me compara a Rómulo, que foi chefe de ladrões e que teve habilidade para dar á sua quadrilha a cohesão de um Estado entre as Cidades italicas.

«A Lusitania é constituida por cidades livres e trabalhadoras, subsistindo pelos costumes dos antepassados a que chamamos Fóros; e muito se engana quem procura fazer que eu seja considerado como chefe de Salteadores, embora me equiparem a Rómulo. São modos de fallar, e sem mais valor do que banaes comparações; mas o que eu repillo com todas as véras de alma é o titulo de Principe da Lusitania. Não é a simpleza dura do meu caracter ou isempção que me leva a recusar esse titulo; é o conhecimento da tradição d'esta terra livre por que combato.»

«A Lusitania nunca teve reis, e por isso foi sempre autonoma. No dia em que as suas cidades confederadas se submetterem a um chefe soberano, começará a sua servidão; esse Rei, preoccupando-se unicamente do seu interesse pessoal e da hereditariedade da sua familia em uma Dynastia irresponsável, tratará de unificar sob um mesmo sceptro a Lusitania e a Iberia, jungindo as duas nações como os bois ao carro. Para alcançar esta unificação, começará pelos meios capciosos dos casamentos reaes, para vir a conseguir pelas heranças a juncção das soberanias. E se estes meios falharem, o Rei procurará allianças com outros reis estrangeiros que o defendam, comprando a estabilidade do seu throno á custa da liberdade, da independencia e até do territorio da Lusitania, desmembrando-a se lhe fôr preciso, ou chamando o estrangeiro para se impor ao seu povo, ou abandonando-o na hora do perigo, deixando-o entregue ao assalto dos invasores.

 

«É isto um Rei, planta parasita e damninha, que esterilisaria toda a Lusitania. E Roma bem o presentiu, quando para subjugar esta terra, vendo-se impotente pelas armas, recorre a um instrumento de intima dissolução dotando-a com um Principe, acclamando um Soberano. Rejeito o glorioso titulo, que é uma affronta para Cidades livres, ligadas federativamente com as suas autonomias locaes. A alliança para a paz e francas relações de commercio entre os dois povos, essa abraço-a em condições de egualdade agora e sempre; mas estou certo de que o Senado visa a outros fins, tem outros intuitos.»

O emissario de Quinto Fabio partiu, assombrado d'aquelle desinteresse do Caudilho lusitano, que em Roma passava por chefe de ladrões. A incomprehensão do valor moral de Viriatho era uma das maiores causas dos generaes romanos serem continuamente derrotados; contavam com o homem audaz, mas não com a grandeza do caracter.

XXXVI

O tempo dispendeu-se n'estes preparativos de uma acção estrondosa e decisiva, quando começaram as primeiras chuvas do inverno; o corriculo do Consulado de Fabio estava terminado, e com elle o seu commando, em verdade esteril e inglorio. Poderia considerar-se equivalente a uma derrota surda. Em Roma fallava-se aggressivamente contra Quinto Fabio, como deslustrando as tradições heroicas da familia Emiliana. Aconteceu que n'esse anno de DCX foram eleitos Consules Servio Sulpicio Galba, esse antigo Pretor que ordenára traiçoeiramente o morticinio dos trinta mil Lusitanos, o qual se enriquecera com os latrocinios do seu governo provincial, e Lucio Aurelio Cotta, que com elle compartilhava n'esse anno o poder, e tambem era em Roma assás conhecido por uma avareza sordida e insaciavel ambição de dinheiro.

A guerra da Lusitania appareceu para esses dois Consules como uma venturosa espectativa; o commando do exercito facultava o exercerem em nome da Republica todas as extorsões e vilezas. Ambos os Consules disputavam entre si o commando da guerra contra Viriatho. Galba não queria perder o ensejo que se lhe appresentava; era o meio de voltar á Hespanha e de reconstituir a sua riqueza malbaratada ou perdida. Lucio Cotta já sonhava em vir a ser o argentario mais preponderante de Roma. Galba allegava:

– Já fui Pretor em Hespanha e governei a Provincia da Lusitania; conheço aquelles territorios, aquellas gentes e os seus costumes. Sou temido, e a lembrança do meu nome fará fugir diante das Legiões romanas todas essas tribus de ladrões e barbaros. Só eu tenho no actual momento as condições excepcionaes para commandar essa guerra que se vae tornando uma vergonha. Os Lusitanos bem sabem que eu não me pago com palavras.

Os credores e parasitas de Servio Galba apoiavam aquellas pretensões apparentemente plausiveis. Os partidarios de Lucio Cotta conclamavam:

– Ainda nos não esqueceu a accusação tremenda de Catão o Censor. O governo de Galba na Lusitania infamou Roma com uma nodoa indelevel. Galba é o unico homem a quem não póde ser confiado o commando da guerra contra Viriatho, porque a sua presença levantaria na Hespanha as proprias pedras contra Roma. Seria a prova de que Roma não civilisa os povos barbaros como proclama ao mundo, mas rouba-os, devasta-os, por que subsiste por esse expediente que a dispensa no seu exclusivismo militar de toda a actividade agricola ou fabril. Galba por fórma nenhuma!

Esta questão foi debatida no Senado; até ahi, entre esses venerandos patricios, sentados soberanamente nas suas cadeiras eburneas, se dividiram as opiniões, uns por Galba, outros por Cotta. Mas quando se discutia o assumpto, levantou-se o senador Scipião Emiliano, e erguendo a mão intimativamente exclamou com nitidez:

– Em meu entender, nem Galba, nem Cotta merecem a confiança da Republica!

O Senado ficou no mais sepulchral silencio ao ouvir aquella phrase que era quasi uma sentença. Scipião tinha grande auctoridade e ascendente moral enorme depois que regressára da destruição de Carthago. Depois continuou a phrase que mantivera em suspensão intencional:

– E não a merecem, porque um por ahi anda arruinado apoz a dissipação das riquezas que roubou quando Pretor na Hispania; o outro, pelo contrario, riquissimo pela sua proverbial avareza, só trataria de se encher mais, servindo-lhe a guerra de pretexto para saciar os seus ávidos interesses.

A voz de Scipião impôz-se a todos os espiritos, dominados pela coragem com que formulára em pleno Senado o seu argumento. Para sahir d'aquelle embaraço o Senado achou como unica tangente não melindrar a familia Emiliana, prorogando o commando militar e consular de Fabio, e que como Proconsul continuasse n'esse anno a guerra da Lusitania.

Substituir Quinto Fabio, quando elle já estava industriado na fórma da guerra viriathina seria um erro perigoso; e a increpação do destruidor de Carthago teve sua opportunidade, porque n'esse anno de DCX, passado o inverno, o Proconsul preparou-se para dar uma batalha campal a Viriatho, e justificar assim a anterior inercia.

Viriatho passára tambem esse inverno na Betica, porque conseguira tomar ahi duas cidades em que assentou os arraiaes. Fabio, apesar de ter augmentado enormemente o seu exercito, exigindo contingentes das varias cidades alliadas dos Romanos, fiava-se mais nas informações que conseguira obter de gente que andava nas hostes do Cabecilha. Era esse o pensamento de Caio Lellio, sendo o caminho aproveitar o antagonismo da raça iberica. E seguro de qualquer informação secretissima e por via que nunca será conhecida, o Proconsul põe todo o seu exercito em campo e ataca Viriatho com todas as regras da poliorcetica romana.

Viriatho não hesitou um momento, pondo-se em frente do inimigo que bem conhecia; os seus Cavalleiros e infantes bateram-se desesperadamente, e quanto mais destroçavam as forças romanas, novas reservas accudiam a Quinto Fabio successivamente, por modo que Viriatho, conhecendo que lhe fraquejava um flanco do seu exercito, ordenou a tempo uma retirada sob Bécor, aonde as florestas, os rochedos e as ribanceiras intransitaveis o punham a salvo do exercito romano, que foi perseguindo-o por algum tempo. Viriatho deixou no campo muita da sua gente. Então, para vingar as perdas que soffrera, e o furor que lhe provocára o desapparecimento do Cabecilha em Bécor, foi Quinto Fabio com o seu exercito occupar as duas cidades que até agora estiveram sob o poder do chefe lusitano, dando ordem á soldadesca para o saque desenfreado, mandando em seguida lançar-lhes o fogo, passando á espada folego vivo que encontrassem.

Quando Viriatho estava já seguro em Bécor do inopinado golpe em que o Proconsul levára vantagem, veiu-lhe um presentimento, que a ninguem quiz communicar: – A fórma do ataque de Fabio revela-me que se aproveitou de uma traição!

De repente chegou ao pé de Viriatho o seu companheiro Andaca:

– Sabei que os Turdulos e os Turdetanos depozeram as armas; e pediram paz a todo o transe; assim perdemos esse vasto territorio, todo o oriente da Betica.

N'isto chegou Minouro, o outro companheiro, e disse para Viriatho:

– Os Celticos, que confinam com a nossa terra lusitana, por causa d'esta derrota voltaram-se para os Romanos, dizendo que querem pastorear os seus rebanhos em paz por esse Alemtejo e Extremadura.

E emquanto Viriatho se mostrava apprehensivo, Andaca e Minouro affastaram-se um pouco e segredaram:

– A Espada invencivel perdeu d'esta vez o encanto.

E sorriram-se n'uma intima perfidia com uma satisfação que só elles ambos comprehendiam.

XXXVII

Depois da apparente victoria de Fabio, que muito bem sabia a quem devera essa momentanea vantagem, recolheu-se o Proconsul á capital da Hispania ulterior, á cidade de Corduba para ahi descansarem as tropas no rigor do inverno. Viriatho reconheceu que avançára demais para sudéste da peninsula, em que predominava o Ibero, e sentindo-se ahi sem apoio nas populações, aproveitou a inactividade do Proconsul para levar o seu exercito á Hespanha ulterior, onde era mais odiada a dominação romana, chamando á revolta desde o Anas e o Betis até ao Promontório Trileuco, todas as tribus e populações em quem girava o sangue lusitano.

As revelações que na ilha sagrada de Achale Viriatho recebera do endre Idevor, dando-lhe viva comprehensão d'esta Patria ideal, por cuja unidade e autonomia batalhava; e o amor de sua noiva, a deslumbrante Lisia, que o escolhera para esposo exigindo por condição que o Romano lhe pedisse a paz, excitavam no valente Caudilho um heroismo inquebrantavel, e mais do que isso inspiraram-lhe o poder mysterioso de fallar ás almas, de estabelecer a harmonia dos sentimentos. A sua palavra começou então a ter tanta força como a sua Espada; e pelas terras por onde passava, deixava uma onda de insurreição, synthetisada n'um grito:

– Uma só vontade nos una! Guerra ao Romano!

Viriatho dirigiu-se áquella região que vae das fronteiras dos Carpetanos até ao paiz dos Edetanos, que fórma toda a parte oriental e occidental da Celtiberia, aonde habitavam os Belitanos e os Titos, cujas Companhias destroçára havia quatro annos, quando como alliados foram em auxilio do Pretor Caio Vetilio. A presença corajosa de Viriatho alvoroçou a população; o Cabecilha fallou-lhes com desassombro:

– Estaes resentidos de mim, e aqui me tendes se mereço a morte; mas ouvi-me. Eu lucto pela independencia da vossa patria, que é a minha. Vós, habitaes esta parte da Celtiberia, que tambem é Lusitania; porque os povos que aqui vivem não são Iberos, são Lusonios separados pelo rio Ebro, sobre a sua margem direita. Estas duas raças são inconciliaveis! se ellas se podessem unir por um pacto de alliança, nunca n'esta peninsula hispanica se teriam estabelecido os Celtas vagabundos; nem aqui entrariam os Phenicios, nem os exercitos Carthaginezes occupariam o nosso solo. E como essa alliança nem pela necessidade da defeza mutua póde trazer a um accordo Iberos e Lusitanos, é por isso que as rivalidades entre os Carthaginezes e Romanos trouxeram estes guerreiros a repellil-os do nosso territorio, mas a impôr-nos cruamente o seu dominio, arrasando as nossas cidades, e roubando-nos ignobilmente pêlos seus Pretores. Os Iberos foram acceitando o governo ou propriamente o jugo dos Romanos; os Lusitanos, que em Roma pelo testemunho dos seus generaes são considerados os mais valentes e destemidos dos Povos celtibericos, são os que resistem ao estrangeiro, os que aspiram a ter uma Patria livre. Deixemos para além do Ebro o povo dos Iberos, que amam a auctoridade fortemente constituida; contemos só comnosco, Lusitanos a quem o espirito da revolta os impelle a sacudir todo o jugo e a cortar a mão que ousa domal-os. Desde o morticinio truculento feito á falsa fé por Galba em trinta mil Lusitanos chamados a uma assembleia pacifica, é que eu me insurgi contra essa clamorosa infamia, e ha sete annos que sustento uma campanha em prol da Patria livre infligindo derrotas successivas aos exercitos romanos. Em Roma votou-se o exterminio, a aniquilação completa dos Lusitanos. Fabio já teve um simulacro de victoria, porque encontrou no elemento iberico um meio de derrotar-nos, esse inconciliavel antagonismo. Isso nos obriga á união das populações e cidades da Lusitania. Vós, oh habitantes da Belia, d'esta Edetania, limite oriental da Celtiberia, vós sois Lusitanos, sem differença alguma, como o reconhecem mesmo os viajantes. Sois descendentes dos Lusonios, que transpozeram ha seculos immemoriaes os Pyreneos vindos da Aquitania, aonde existem ainda as tribus dos Elusatos; essas tribus dos Lusones fixaram-se nos montes que dividem os rios Jalon, Mosa, Henares e o Durio, estendendo-se até ao Mediterraneo e Montes de Idugbeda; pelo occidente alargaram-se do alto Durio até ao Tejo. Mas esta extensão primitiva da nossa Lusitania, que podemos chamar Lusitania oriental, foi sendo dividida pelas invasões estrangeiras, a começar pelos Iberos e Celtas, que a comprimiram para oéste, forçando os Lusonios a concentrarem-se nas Beiras, na Extremadura cistagana, e por todo o Alemtejo, formando hoje esta Lusitania occidental que começa no Promontorio Sacro até aos Callaicos. Juntemos estas duas Lusitanias e teremos o dominio da Hespanha, que só será senhora do seu destino quando repellir todo o poder estrangeiro do seu solo. Ahi estão as vossas cidades attestando pelos seus nomes, que ainda pertenceis a essa patria primitiva, que nos une a todos: Lusera e Luzes, proximo de Jaen, estendendo-se até ao rio Tajuña; Luzago, Lucia e Alustante, proximo de Jalon; Lucos e Lucera, na parte meridional do Ebro. Foi por estarmos separados, que os estrangeiros nos invadiram, e o Romano nos aniquila para se mantêr pela expoliação das nossas riquezas. O isolamento das cidades é a fraqueza; a federação cantonal é a garantia da independencia.»

 

A voz de Viriatho calou nos animos; os Belitanos reconheceram que se não differençavam dos Lusitanos; e perdoando o castigo que o Cabecilha lhes infligira quando iam em soccorro de Vetilio, bradaram erguendo ao alto as mãos direitas:

– Uma só vontade nos una! Guerra ao Romano.

Com essa gente da Edetania veiu tambem o povo seu alliado da Titulcia, a que chamavam os Titos, jurar o pacto defensivo. Mas aonde a voz de Viriatho produziu um effeito vertiginoso, hallucinante, foi entre os Arevacos, nas nascentes do Durio, que se firmavam na sua fortaleza inexpugnavel de Numancia, visinha de Luzon.

– Bravos filhos da Lusonia! vós bem sabeis que todos os chefes militares que luctaram contra os Carthaginezes, pela independencia da nossa terra, e que coadjuvaram estes quando estavam em lucta de exterminio contra os Romanos nas chamadas Guerras Punicas, bem estareis lembrados que esses Chefes destemidos foram naturaes da Celtiberia, que na sua parte oriental e occidental era propriamente a Lusonia. Não podemos pronunciar o nome de Indortes, sem assombro; de Indibilis, Edescon e Mandonio, sem que sintamos referver o sangue n'um impeto de coragem; Carus e Alucio, e ainda Istolacio, embora da geração dos Celtas, são a prova de que não nos falece o espirito de revolta e a capacidade do commando. Mas se os Chefes são gigantescos, que diremos dos seus Soldurios e até da fraternidade heroica que elevava os seus servos? Quem se não recorda d'aquelle general lusitano, Tago, a quem Asdrubal deu a morte? O feito do seu escravo, que lhe vingou a morte apunhalando Asdrubal junto das aras em que estava sacrificando, mostrará a todos os estrangeiros, qual é o vinculo que nos liga uns aos outros.»

Das partes dos Arevacos levantou-se um mancebo de aspecto robusto e gestos decididos; era bem conhecido como filho de Salondico e continuador da sua bravura, estando-lhe por isso confiado o governo da fortaleza de Numancia. E batendo no peito como garantia de firmeza:

– Eu tambem repetirei: Uma só vontade nos una! e essa vontade seja a de Viriatho conduzindo-nos á guerra contra o Romano, até o repellirmos da Hespanha, tornando a nossa Patria livre. Diante de Numancia estacará o poder das armas romanas! e se a fatalidade da guerra fôr contra nós, morreremos ahi todos, mas morreremos livres.

Viriatho abraçou o mancebo denodado, que lhe dizia reconhecido:

– Tu consagraste a memoria de meu pae; por ti derramarei meu sangue quando o determines.

O incendio da guerra santa prègada por Viriatho propagou-se para o norte da peninsula, porque a Callaecia, a dos antigos, formára tambem parte da Lusitania; numerosos bandos, partidos e guerrilhas foram mobilisados pelos Callaicos; como estes, tambem se insurreccionaram os Vacceos e os Vettões na Extremadura; os Turdulos e os Turdetanos desligaram-se de Quinto Fabio Maximo; como em uma onda que vinha crescendo, correram a engrossar esta corrente novas tribus movidas por um sentimento acordado pelo espirito que fortificava o braço de Viriatho: – o ideal de uma Patria, synthese da unidade da raça até alli desmembrada, e de uma Tradição esquecida ou quasi perdida. Pela primeira vez a Lusitania teve a consciencia da sua unificação ethnica ao acceitar o pacto federativo contra o Romano, proposto por Viriatho como uma força defensiva. A coragem do chefe lusitano era tão grande como a confiança no futuro da Lusitania livre. Em todas as guerras da Hespanha nunca os Romanos encontraram um levantamento de povos assim vasto e unanime; era uma situação desesperada, que só por meios fóra dos processos conhecidos poderia ser dominada.

Roma, na prosecução dos planos da sua politica absorvente, desconhecia a coacção moral; quando não confiava na força das armas, recorria ao poder do ouro, subjugando pela corrupção, e falhando os baixos expedientes, alcançava sempre o exito descendo até á – traição. Ante o perigo da constituição federativa dos Povos lusitanos, Roma entrevia o seu triumpho na – morte de Viriatho. E nunca faltaram traidores.

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