Za darmo

Razão Para Matar

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CAPÍTULO VINTE E SETE

Agitada.

Avery estava agitada por seu encontro com Howard. Com raiva e agitada.

O que ele quis dizer? Tudo o que ela dissera era verdade. Ambas na faculdade. Ambas em irmandades. Uma veterana, uma caloura. O que tinha de errado naquilo?

Que saco! Ela reclamou mentalmente.

As ruas estavam lotadas de pessoas e carros. Era sábado e ela estava oficialmente fora do caso. Mesmo assim, não queria só matar tempo. Ela queria agir. Comece pelo começo, pensou.

O Lederman Park estava cheio de pessoas correndo e cachorros quando ela chegou. Na área de beisebol, perto do rio, havia uma partida de softbol entre homens vestindo azul e vermelho.

Avery estacionou o carro e caminhou até o banco onde Cindy Jenkins havia sido encontrada. A lembrança do corpo estava clara em sua mente, a posição, o sorriso discreto, e o olhar para o cinema. Ele queria matar em trios. Mas isso havia mudado. Por que? Nada nos três corpos pareciam muito diferentes. Todos foram colocados cuidadosamente, e com exceção do último corpo, todos estavam olhando para trios. Três mulheres apaixonadas, três garotas da Segunda Guerra. Qual seria a conexão? Avery seguiu pensando.

Ela sentou-se, não onde Cindy havia sido colocada, mas no lado oposto do banco, e procurou em seu telefone por informação sobre o número três: um número mágico em muitas religiões. Em chinês, o som da palavra “três” era parecido com o som de “vivo”. Era o primeiro número que havia significado “tudo”. Noé tinha três filhos. A trindade, três. Três, três, três…

Avery guardou o telefone.

Ele queria matar em trios. Havia poder no número três. Mas depois algo mudou. O que mudou? O que o fez querer matar mais?

Desde o encontro com Howard, Avery começara a acreditar que o assassino tinha algum tipo de credo superior, talvez um deus, talvez seu próprio tipo de deus. Um deus que precisava de jovens garotas. Por que? Por que ele precisava de jovens garotas?

Ambas na faculdade. Ambas em irmandades. Uma veterana. Uma caloura.

Não, Howard havia dito.

Ela foi até o Cemitério de Auburn.

Enquanto estava parada ao lado do lugar onde Tabitha Mitchell fora colocada e olhava para o grande cemitério, Avery sentiu como se, de alguma maneira, estivesse em algum mundo que não era o mesmo que o dela. O caminho até o Lederman Park. O caminho até o cemitério. Tudo havia sido calmo, em paz. Ele havia passado pelo mesmo. Sem medo. Sem a preocupação de ser pego. Apenas mais um dia lindo.

O Stony Brook Cildren’s Playground era agitado. Avery ficou surpresa ao ver que a cena do crime já havia sido limpa. Crianças, de recém-nascidas a oito anos de idade, estavam por todos os lados. As mais velhas corriam pelos brinquedos e subiam e desciam do castelo de madeira. Mães gritavam com as mais novas. Crianças gritavam quando batiam cabeças. Algumas mães e babás olharam para Avery, como se a conhecessem ou estivessem tentando reconhecê-la.

Ela foi até a entrada do castelo, onde a terceira garota fora colocada.

Uma criança olhava pela entrada.

- Oi! – Ele disse e saiu correndo.

Avery lembrou para onde a garota estava olhando, e depois se virou para olhar para o mural onde inúmeras crianças se davam as mãos.

Ela tentava entender qual era a ligação.

Ambas na faculdade. Ambas em irmandades. Uma veterana. Uma caloura.

Não.

Ela discou um número.

A voz grosseira de Talbot Diggins atendeu.

- Ei, Black! Achei que você tinha morrido.

- Por que eu estaria morta?

- Você não lê mesmo os jornais? A Costa Oeste está em pânico com esse assassino. Três garotas em uma semana! Você está na capa dos jornais de novo. Dizem que você está fora do caso. Saída oficial.

- Eu não saí oficialmente.

Era possível ouvir crianças ao redor de Talbot. Elas gritavam. Ele disse, “Espere um pouco,” e sua voz ficou mais calma quando ela o ouviu dizer: “Calma, crianças. O papai está no telefone. Vão incomodar sua mãe. Saiam daqui! Eu vou lá daqui a pouco!”

- Desculpe - Avery disse, - eu estou incomodando.

- Não, só mais um sábado no parque. Diga, Black!

- Eu liguei para saber sobre a terceira vítima.

- Ah, sim, Connelly me ligou. Ele disse que está no comando da investigação agora. Queria saber o que nós encontramos. Ele parece ser um imbecil. Nós colocamos as digitais dela no sistema e encontramos algo. Esteve envolvida em uma pegadinha estúpida na faculdade ano passado. Seu nome é Molly Green. A mídia ainda não sabe, então não fale para ninguém. Ela era veterana na Brandeis. Estudava finanças. Não era uma aluna muito boa. Também não era de nenhuma irmandade, então acabou a história de ‘Assassino das Irmandades’.

- Você falou com alguém da Brandeis?

- Falei com o reitor. Falou muito pouco. Não quis revelar nada até fazer sua própria declaração, na segunda. Ele me falou sobre uma orientadora chamada Jessica Givens. Parece que Molly estava tendo ataques de pânico por causa do mercado de trabalho.

- Mercado de trabalho? A vítima tinha um trabalho?

- A orientadora não disse. Mas ela me disse que tudo ficou bem no fim.

- Você pode me passar o número dessa orientadora?

- Sim - ele disse. Depois, procurou o número no próprio celular e o gritou para que Avery pudesse ouvir. – Conseguiu anotar?

Avery anotou o número e marcou o nome de Jessica Givens.

- Anotei. Obrigada. Você falou com as amigas dela?

- Minha equipe encontrou algumas amigas e a família ontem. Alguns ainda estão nisso hoje. Ela trabalhava em meio período como babá para uma família perto da faculdade. Foi a última vez que a viram com vida. O assassino a pegou perto da casa, quando ela estava indo embora na quinta à noite.

- Como você sabe disso?

- Minha equipe ouviu o testemunho de um garoto, quinze anos, que vive na rua onde Molly trabalhava. Ele disse que não conseguia dormir. Mais ou menos na hora que ela saiu do trabalho, ele viu uma garota que bate com a descrição de Molly sair da casa e começar a falar com um cara perto de uma minivan azul.

Avery segurou a respiração.

- É o carro dele - ela disse. – Uma minivan azul Chrysler.

- Sim, foi isso que seu supervisor me disse. Que eles ainda não têm pistas sobre o dono do carro, mas que estão restringindo a busca. O garoto disse que o criminoso estava usando boné e óculos. Branco, entre 1,65m e 1,68m, magro, mas forte, entre 25 e 45 anos. É ele, certo?

- É ele.

- O garoto não sabia o que estava vendo. Parecia que a garota tinha desmaiado. O cara ligou pedindo ajuda, colocou ela no carro e saiu dirigindo.

- O menino ligou pra alguém?

- Não, ele disse que parecia que o cara estava cuidando dela. Ele só tem 15 anos.

- Algo mais?

- Não está bom?

- Só estou tentando ligar os pontos.

- Você tem sorte de eu estar falando com você, Black. Sério, esse Connelly te odeia!

- Por que você está me ajudando?

- Acho que eu sou atraído por mulheres brancas, desesperadas, e sem ninguém que eu encontro nos jornais - ele brincou, e disse, na sequência, com outro tom de voz e para outra pessoa, - Ah, qual é, amor. Só estou brincando. Ela é detetive. Não quero nada com ela. Espere aí. - De volta ao telefone, ele completou. – Ok, Black. Tenho que ir. Bom papo.

A ligação foi encerrada.

Brandeis, Avery pensou. A terceira garota era da Brandeis University, em Waltham, a cidade mais a oeste até agora. A primeira vítima era de Harvard, que fica em Cambridge, ao lado de Boston. A segunda era do MIT, em Cambridge, mas havia sido colocado muito mais a oeste, no cemitério de Watertown. A Brandeis University era ainda mais a oeste, mas a vítima foi encontrada mais ao leste, em Belmont.

Ele mora em Belmont ou Watertown, ela pensou.

A lógica parecia fazer sentido. Ele não teria que ter viajado muito para encontrar e posicionar cada garota que havia matado. Baseado nos lugares onde ele deixou os corpos e as raptou, seu tempo de viagem havia sido mais curto a cada assassinato. O caminho até o Lederman era longo partindo de Belmont. Toda a estrada até Boston. Mesmo assim, era o primeiro corpo e ele queria criar uma cena, e alguma distância de casa. Depois ele ficou mais ousado. O segundo corpo estava mais a oeste, em Watertown. O terceiro ainda mais, em Waltham. Ele não mora em Waltham, ela pensou. Por que ele iria querer dirigir desde lá até Boston?

Ela ligou para Finley.

Um heavy metal muito alto podia ser ouvido ao fundo quando ele atendeu.

- Alô!

- Finley, é a Black.

Quase em um sussurro, ela ouviu um “Que merda!” e depois a música baixou de volume e Finley respondeu:

- Olha, Black. Eu não estou autorizado a falar com você sobre o caso.

- Ah, é?

- Você ainda está responsável pelo lance das concessionárias?

- Sim?

- O assassino mora em Belmont ou Watertown. Restrinja sua busca nessas duas cidades e você vai economizar muito tempo.

- Como você sabe disso?

Ela desligou.

Contábeis. Economia. Finanças. Todos cursos de negócios.

Talbot disse que a terceira vítima estava estressada por conta de entrevistas de emprego. Cindy tinha um trabalho alinhado em uma contabilidade. Qual era o nome? Devante, ela lembrou. A maior de Boston. Molly teria um trabalho? Tabitha era caloura. Ela teria um trabalho?

Ela foi até o carro.

No caminho para Brandeis, discou para Finley novamente.

 

- Porra, Black! Me deixe! É sábado. É a primeira vez em dois anos que eu não tenho turno no fim de semana. Eu quero aproveitar. Ligue para o Connelly. Ele está trabalho. Ou Thompson, ele também está.

- Tabitha Mitchell. Ela trabalhava em algum lugar?

- Um trabalho de verdade?

- Sim, de verdade. Não de princesa na Disney.

- Por que ela precisaria de um trabalho? Ela era caloura, não?

- Não sei. Por isso eu te liguei. Você não falou com a família?

- Sim, com a mãe dela.

- Ela nunca disse nada sobre trabalho?

- Não.

- Ligue de novo. Descubra se Tabitha tinha algo alinhado para o verão.

- Eu não estou trabalhando.

- Você está no meio de um caso!

- Eu não tenho que responder porra nenhuma pra você, Black!

- Tem um assassino à solta! E ele vai matar de novo. Eu estou perto Finley, muito perto. Eu sei disso. Ligue para a mãe, para as amigas dela. Pra quem você tiver que ligar. Eu preciso de uma resposta. Logo. Por favor. Me ligue quando você souber de algo.

- Que merda! – Finley gritou antes que Avery desligasse.

CAPÍTULO VINTE E OITO

Avery pegou a Rota 20 para ir até Waltham. O caminho foi demorado.

A cada poucos quilômetros, ela tinha que parar em um semáforo.

Jessica Givens não atendeu às ligações. Depois da quarta tentativa, Avery se deu conta de que aquele deveria ser o número do trabalho. Ela deixou uma mensagem e ligou para o serviço de informações telefônicas.

- Olá, eu gostaria do número de Jéssica Givens, em Waltham.

- Temos dez Givens em Waltham - o telefonista respondeu. – Você sabe onde ela mora?

- Não.

No escritório do reitor, quem atendeu foi a secretária eletrônica.

Avery dirigiu pela South Street, direto para a Brandeis. Ela levou um tempo para descobrir onde estacionar.

A Brandeis era um dos institutos de finanças mais bem reconhecidos no estado. O campus central tinha uma série de ruas sinuosas em um grande monte, extremamente difícil para dirigir e caminhar. Alguns prédios antigos de tijolos preenchiam o local, alinhados junto a alguns castelos de pedras, além de poucas estruturas de vidro modernas, com arquitetura excêntrica. Depois de estacionar, ela se dirigiu a um prédio pequeno, que estava quase vazio. Havia apenas uma pessoa trabalhando por lá.

- Estamos fechados - ele disse.

Avery mostrou seu distintivo.

- Meu nome é Avery Black. Estou procurando Jessica Givens. Eu sei que ela é uma orientadora que trabalha em algum lugar do campus.

Um sorriso muito amigável a cumprimentou.

- Eeeei! – ele disse. – Você é Avery Black. Você caça assassinos em série, certo? Bacana!

- Não tem nada bacana em um assassino.

- Não, não. Claro que não. Não quis dizer isso. Quis dizer você. Você está em todos os noticiários. Eu sei quem você é. Estão te crucificando nos jornais.

- Estou surpresa por você ainda estar falando comigo.

- É - ele disse. – Você é gata.

As palavras pareciam ter escapado, e quando ele notou que havia dito em voz alta, ficou vermelho e tentou voltar atrás.

- Desculpe. Isso foi totalmente antiprofissional. Eu—

- Tudo bem, - ela respondeu com um sorriso vitorioso. – Sério.

- Sério?

- Sim, sério. – Ela se inclinou para perto de casa. – Você pode me ajudar?

- Claro. Você tem sorte de eu ainda estar aqui. Eu já deveria ter ido. Vamos ver - ele olhou para o computador. – Do que você precisa?

- Do número do celular e endereço da casa de Jessica Givens.

Ele olhou novamente para a tela. Um pedaço do cabelo preto e ondulado cobria um dos olhos. Ele era jovem, provavelmente vinte e poucos anos.

- Sabe, eu não deveria te dar informações pessoais.

Avery chegou mais perto.

- Qual seu nome? – Ela sussurrou.

- Buck.

- Buck - ela disse com os lábios, e depois baixou a voz e olhou para os lados, como se eles estivessem sendo secretamente vigiados. – Eu estou perto de encontrar esse assassino, Buck. Jessica Givens tem informações que podem me ajudar.

De repente, ele parecia assustado.

- Ele atacou em algum lugar aqui? Eu pensei que era só em Harvard e no MIT.

- Vamos apenas dizer que ninguém está seguro, Buck. Toda universitária é um alvo. Mas Jessica Givens - ela apontou para a porta, - ela sabe de algo. Algo importante. Ela tem informações que poderiam resolver esse caso inteiro. Eu não posso confiar em mais ninguém. Estou por mim aqui. Você pode me ajudar? Só entre nós. Ninguém vai saber.

- Porra! - ele sussurrou. - Claro, se é importante, tudo bem - ele disse determinado, antes de entregar o que ela precisava.

- Obrigada. Espero que você se dê conta de que está me ajudando muito a encontrar esse assassino.

- Sério?

- Sério - ela sussurrou com sua voz mais sedutora.

Colocou um dedo nos lábios.

- Lembre-se, nosso segredo.

- Com certeza. Só entre nós.

Avery saiu e fechou a porta. Assim que a luz do sol encontrou seus olhos, ela discou o número que acabara de conseguir.

- Alô? – Alguém atendeu.

- Jéssica Givens?

- Sim. Quem fala?

- Oi, Jéssica. Aqui é Avery Black. Eu sou uma das investigadoras do caso Molly Green. Você já falou com Talbot Diggins, certo?

- Como você conseguiu esse número?

- Você é a orientadora que falou com o Detetive Diggins sobre Molly Green?

- Sim, sou. Mas esse é meu número pessoal. Estou com minha família agora.

- Molly Green está morta, senhora Givens. Nós estamos tentando pegar o assassino. Isso só vai levar um momento. Você disse que a vítima estava estressada por conta de entrevistas de emprego, certo?

- Isso.

- Como esse problema foi resolvido?

- Ela recebeu uma oferta de trabalho de uma contabilidade um mês atrás.

Contabilidade, Avery pensou.

Cindy Jenkins havia sido contratada por uma contabilidade.

- Você lembra o nome?

- Claro - Jéssica respondeu, – é uma das maiores de Boston. Eu fiquei surpresa com a contratação dela. A performance acadêmica dela não era como a de outros alunos que tentaram a mesma vaga. Era a Devante. Devante Accounting, em Boston.

CAPÍTULO VINTE E NOVE

Logo após o pôr do sol no campus da Bentley University em Waltham, o assassino estacionou seu carro em um terreno ao norte da faculdade e caminhou para o sul, pela calçada.

Ele sentiu uma sensação desconfortável no estômago.

Ele estava à caça de sua quarta vítima, e mesmo assim aquela era uma atividade diferente.

Meses antes, havia começado a planejar seu primeiro assassinato humano. Ele tinha certeza, pela voz do Espírito Maior, que o havia guiado em cada fase daquela operação, que três era o número certo de garotas. Três mortes para abrir as portas do paraíso.

A mudança radical começara quando ele fora posicionar o corpo de Molly Green.

Quando o assassino dirigira para o lugar pré-determinado em Belmont, um local que ele tinha certeza que agradaria o Espírito Maior, uma voz enraivecida gritara em sua mente: Mais. Tinha que ser um engano, ele tinha certeza. O Espírito Maior só precisava de três. Mais, a voz repetira, de novo e de novo. Assustando, suando e desconfiado de si mesmo, o assassino sabia que a colocação de Molly Green teria que ser modificada para entrar na contagem. Em pânico, e ele nunca ficava em pânico, observara Belmont e havia tido sorte o suficiente para encontrar um parque de crianças com um mural que, ao menos, faria menção ao futuro e agradaria seu deus.

Ele, no entanto, não havia se agradado.

Outra garota significava não só uma, mas mais, uma fonte aparentemente interminável.

Ele tinha outros interesses, outros desejos. Animais, na verdade. Sua paixão por pegar animais da rua. Ele amava gatos, até um morcego ferido havia entrado na sua casa uma vez, uma criatura que ele havia amado e cuidado, antes de lhe dar imortalidade.

Botânica era outro hobby. Ele não tivera tempo nos últimos meses para ampliar suas misturas e testá-las em animais vivos. Tudo vinha sendo feito para o Espírito Maior, um deus que estava cada vez mais presente em sua vida.

Mais garotas… ele pensou.

Mais…

Seu prêmio pela trindade deveria ser a imortalidade na forma humana, e um lugar no céu com outros seres celestiais. Mas agora, ele não se sentia imortal. Na verdade, ele se sentia febril e extremamente emocional. Esse novo jogo, novo plano, ia contra seus desejos íntimos, e ele havia começado a ter pensamentos cruéis sobre o Espírito Maior.

Lá no alto, no céu, o rosto de seu deus franziu, e um eco gigante pareceu estremecer a terra: Mais!

Sim, eu sei, o assassino mentalmente respondeu para o céu. Mais! Você não vê que eu estou aqui? Estou vigiando ela! Sei onde ela está! O plano está pronto. O lugar foi escolhido. Tudo está sob controle, assegurou para o Espírito Maior. Ele apenas não sentia a si mesmo sob controle.

Aquela situação não era como as outras, onde ele se sentira invencível, com a proteção do Espírito Maior, em um nível em que, mesmo se ele tivesse matado alguém em público, à luz do dia, ninguém teria notado. Agora, era como se todos os olhares pudessem encontra-lo.

Fora do estacionamento havia um enorme gramado.

Havia também uma tela de cinema.

Era sábado, Noite de Cinema na Bentley, e o filme clássico na tela era a obra prima, em preto e branco, Casablanca.

Centenas de alunos, sozinhos, em casais ou grupos, estavam espalhados pelo gramado para ver o filme. Alguns sentados em cobertores, outros em cadeiras. Os mais ousados haviam levado vinho e cerveja para o evento.

Ele carregava um cobertor e óculos de sol.

Seu alvo? Uma veterana chamada Wanda Voles. Uma missão de reconhecimento na noite anterior mostrara a ele o destino da garota naquele dia. Aparentemente nas últimas com o namorado, ela decidira ir ao filme sozinha. Suas amigas imploraram para que ela não passasse a noite de sábado em um evento tão ridículo, mas Wanda não mudara de ideia. “Casablanca é, tipo, meu filme favorito,” ela respondera.

Ele escolheu aquela noite por várias razões. Uma das principais era que, no fundo, ele esperava que ela não aparecesse. A ideia fora blasfêmia, mas mesmo assim inegável. Não quero fazer isso. Não quero fazer isso! Ele gritara. O Espírito Maior se recusara a escutar. Ele sentira muita dor no corpo naquele momento.

Agora, ele caminhava nas imediações da multidão. De vez em quando, olhava para a tela e via Humphrey Bogart e Ingrid Bergman se abraçando ou brigando.

Wanda estava sentada no limite oeste do gramado, sozinha, mas rodeada de outros alunos.

Ele escolheu um lugar a mais ou menos vinte metros dela. O quarto de Wanda, ele sabia, estava a mais ou menos dez minutos caminhando para o leste, passando pelo estacionamento e por alguns caminhos sinuosos e estreitos onde eles poderiam ficar sozinhos.

Em seu cobertor, o assassino fingia ver o filme.

Sua mente dizia: Não faça isso. Não faça isso!

Eu tenho que fazer isso, ele respondia.

A dor em seu estômago o fez se curvar para frente. O Espírito Maior invadiu sua mente. Mais! Mais! MAIS!

Eu sei. Desculpe.

Ele não conseguiu aproveitar nada do filme. Cada cena apenas o lembrava da urgência de sua própria situação, das pessoas em volta e de sua culpa. Aquilo era errado, era errado e ele não podia dizer em voz alta. Ele não podia sequer pensar nisso.

Quando os créditos subiram, Wanda Voles pegou seu cobertor e suas coisas e caminhou para casa. Muitos alunos ficaram no gramado. Havia vários se beijando e rindo. Vários caminhos de saída se formaram. Poucas pessoas caminharam na mesma direção de Wanda.

Ele levantou poucos segundos depois de Wanda ter passado e a seguiu. Só mais uma aluna qualquer, disse a si mesmo. Mentira, sua mente respondeu. Mais! O Espírito Maior gritava. A ordem mexeu com ele e ecoou por todo seu ser. Para quem estava por perto, parecia que ele estava tendo um ataque epilético.

Calma, pensou.

Ele seguiu Wanda pelo estacionamento. Ela passou ao lado do carro do assassino. Alguns estudantes iam na mesma direção, porém muito mais longe.

 

Sozinha, pensou. Ela está sozinha. Agora!

O prazer, o conforto e o investimento pessoal não estavam mais ali. A força do Espírito Maior o deixara. Mesmo assim, ele tinha que prosseguir. Como sempre, o Espírito Maior olhava e esperava.

Wanda estava a três metros dele. Ela começou a cantar.

Sua estratégia estava pronta. Ele a cumprimentaria, fingiria que havia vindo para ver o filme com sua filha e depois reclamaria do pneu do carro. Ela abaixaria para ajudá-lo a checar a pressão e ele a acertaria com a agulha. Sem barulho. Sem testemunhas. Apenas uma jovem desaparecida no estacionamento.

Dois metros atrás dela.

Ele preparou a agulha.

Um metro e meio e ela estava prestes a entrar em uma nova fila de carros.

Um metro e ele abriu a boca para falar.

Em frente a Wanda, um aluno apareceu vindo de trás de um carro.

“Rá!” Ele gritou com os braços abertos.

Wanda recuou, assustada.

Instantaneamente, ele caminhou em outra direção. Atrás dele, era possível ouvir o garoto rindo. “Pra que isso!” Wanda havia gritado. “Você me assustou muito!” “Desculpe, desculpe,” ele disse, “mas cara, essa foi boa! Eu vi você vindo e tive que fazer isso. Qual é a boa? É cedo ainda!”

A conversa deles foi ficando inaudível.

Um alívio tomou conta do assassino, um alívio desesperado por ter sido salvo de mais um crime. Não era certo, ele disse a si mesmo. Eu sabia que não era certo. Tenho que repensar. Replanejar. Não se preocupe. Não se preocupe, ele disse para seu deus. Vai ficar tudo bem. Eu prometo.

Lá de cima, o Espírito Maior fez um olhar de reprovação.