Za darmo

Razão Para Matar

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CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Talbot saiu dali logo após seus gritos para falar com sua equipe. A maioria dos policiais de Belmont olharam para Avery com cara de nojo, ou balançaram suas cabeças. Um deles pode ser ouvido dizendo “Por que nós temos que dividir essa merda? Esse crime é de Belmont!”

Avery começou a caminhar pela área.

Ela olhou para o corpo por vários ângulos. Todos a ignoraram, mas de vez em quando ela ouvia mães gritando por de trás dos portões, ou repórteres fazendo perguntas.

As sensações do assassino haviam começado a habitar em Avery. Começara no Lederman Park, depois no cemitério, um sentimento de que, de alguma maneira, ela o entendia. Ele havia escolhido lugares calmos, lugares respeitosos para a morte. Esse era diferente. Ainda que a garota tivesse sido colocada em um parque entre árvores, aquilo era um parque de crianças, que tinha mais energia do que um cemitério ou um banco perto do rio.

Por que aqui? Ela imaginou.

O olhar da garota, além disso, era diferente: ela olhava para várias crianças, de diferentes gêneros e cores.

Algo aconteceu, ela pensou.

O que mudou?

Os peritos e o relatório do legista poderiam dizê-la se havia diferenças entre os corpos e as cenas dos crimes, mas mesmo que eles não encontrassem nada, Avery tinha certeza de seus instintos. Depois de trabalhar em casos envolvendo assassinos durante anos e, antes disso, em casos envolvendo pessoas desprezíveis como advogada, ela havia se tornado especialista em perceber diferenças sutis entre pessoas ou cenas de crimes.

Sozinha, sem pistas, em uma manhã terrível com manifestantes, pais e os policiais de Belmont olhando como se ela fosse uma convidada indesejada, Avery abaixou a cabeça e voltou para o carro.

Sua chegada ao escritório A1 foi o final perfeito para um dia terrível. Assim que a porta do elevador abriu e Avery foi vista, o escritório inteiro ficou em silêncio. Havia sarcasmo naqueles rostos. Jones balançou a cabeça e desviou o olhar e Thompson virou as costas para ela. A falta de uma piada de mau gosto ou risadas deixaram a situação ainda pior.

Finley estava em sua mesa. Um pouco mais empático do que o restante do departamento, ele olhou para ela expressando simpatia e abaixou a cabeça.

O jornal da manhã, com o artigo escandaloso sobre sua visita a Howard Randall, estava em muitas mesas, e alguns computadores mostravam em suas telas uma foto parecida de Avery, chorando dentro do carro, no lado de fora da prisão.

- Black - alguém chamou, - venha aqui.

O’Malley fez um gesto a chamando para seu escritório.

Connelly levantou-se.

- Não - Malley apontou. – Você não. Só a Black.

- Esse caso é meu - Connelly argumentou.

- Se você quer que continue sendo, sente aí e cale a boca.

Connelly ficou parado, com uma expressão desafiadora.

- Problemas para mim? – Avery perguntou.

- Entre aqui. – O’Malley acenou e fechou a porta. – O que faz você pensar que está com problemas, Black? Você é quem tem que me dizer.

- Não sei - ela disse. – Fui visitar Howard Randall buscando uma pista. Ele me deu uma. Bom, não muito boa, mas uma conexão entre as garotas. Ele sabia de algo.

O’Malley suspirou profundamente.

- Como Howard Randall poderia saber sobre seu caso? O cara está preso. Tudo o que ele sabe é o que ele lê nos jornais.

- Ele tem a mente de um assassino - Avery insistiu. – Ele pensa como o nosso assassino.

O’Malley franziu a testa.

- Pare. Pare, por favor. Me escute, Avery. Eu gosto de você. Eu vi você fazendo coisas incríveis: sem medo, dedicada, honesta e, principalmente, inteligente. Outros viram isso também. Eles podem querer que você se foda, mas é porque eles estão com ciúmes e com medo. As pessoas têm medo do que elas não entendem, e eu estou começando a ficar com medo também.

- Capitão, o que você está…

Um gesto a interrompeu.

- Por favor - ele disse, com muita calma, - me deixe terminar. Esse caso é dos grandes. Maior do que eu pensei. Nós temos corpos espalhados por três cidades até agora, três garotas mortas, sem grandes pistas e muitas pessoas irritadas. Você é foda, Avery. Eu sei disso. Eu vejo isso inclusive agora. O caso está te consumindo. Você quer mesmo pegar esse cara. Quer tanto que você está cometendo erros estúpidos, primários.

Ele levantou um dedo.

- Um: - ele disse, - você abusou do seu poder com um civil hoje pela manhã, em Cambridge.

- Eu tinha motivos para acreditar que—

- Não me importo com o que você acredita! - Ele gritou. – Você abordou um homem em um estúdio de arte, um homem muito bem relacionado, devo dizer, um homem que já passou por muita coisa por causa do passado dele. O cara explodiu quando você saiu. Tentou se suicidar no banheiro. O chefe dele teve que arrombar a porta. Chamaram a ambulância. Depois ele me ligou, e ele ligou para o comandante, e para o prefeito. Você sabe o que ele disse? Que nós permitimos que uma psicopata tomasse conta desse caso. Felizmente ele ainda não prestou queixa.

- Suicídio?

Avery baixou a cabeça. O olhar de raiva de Wilson Kyle apareceu em sua mente, e ela lembrou o discurso tocante dele sobre a história de Lang.

- Foi um erro - ela disse. – Eu não queria isso.

- Dois: - O’Malley disse e levantou dois dedos. – Você está nos jornais. Eu sei que não é culpa sua. Você anda por aí como se fosse a única pessoa no mundo metade do tempo. Isso me faz pensar como você consegue ver as coisas, mas você vê. O que você não viu foram todos esses paparazzi idiotas se alimentando nas suas costas. A foto do parque eu posso entender. O que eu não posso aceitar é essa foto da prisão. Você foi visitar o assassino mais famoso da história de Boston, um cara que você inocentou, um cara que depois matou novamente em seu nome, e você não pediu autorização? Você não checou se havia câmeras? No mínimo, você poderia ter me falado, e eu te diria que você é louca.

- Eu precisava de uma perspectiva.

- Então que você ligasse para mim ou para o Connelly, ou para qualquer um ligado ao caso. Você não pode ir a uma prisão federal e acender uma chama antiga. Meu Deus! Você não lê os jornais? Eles fazem parecer com que o departamento inteiro seja um bando de idiotas e que nossas únicas pistas venham de um assassino antigo. Isso é terrível, Avery. Muito.

- Capitão, Eu—

- Três: - ele disse, levantando três dedos, - há divergências na sua equipe. Thompson e Jones estão reclamando da questão das câmeras.

- Eles perderam o dia inteiro ontem!

O’Malley levantou uma mão.

- Connelly não vai nem falar com você…

- Isso não é culpa minha!

- Eu não sei o que você fez com Finley - ele disse, chocado, - mas ele está mesmo trabalhando pra cacete e está realmente triste com tudo isso.

De repente, Avery começou a notar para onde a conversa estava indo.

- Triste com tudo o que? – Ela perguntou.

- Talvez eu tenha te promovido muito cedo - O’Malley murmurou para si mesmo.

- Capitão, espere.

Ele balançou a cabeça.

- Chega Avery, por favor. Chega. O comandante está no meu ouvido. O prefeito está puto. Tem reclamações vindo até da puta que pariu, e todas são sobre você. Mas o pior de tudo, sério - ele disse, com tristeza nos olhos, - o pior de tudo é que tudo isso não é sobre você nem sobre essas merdas todas. Três garotas foram mortas em menos de uma semana. Três mortas, Avery. E nenhuma pista. Um caminho sem saída. Estou certo?

Avery lembrou do giro e aceno do assassino na câmera.

- Eu vou encontrar ele. Eu juro.

- Não sob meu comando - O’Malley respondeu. – Você está fora do caso. Imediatamente. Connelly vai comandar.

- Capitão—

- Nenhuma palavra, Black. Nenhuma palavra porque eu estou calmo agora, certo? Estou calmo porque isso me deixa triste também, mas se você me provocar eu vou ficar muito bravo, com toda essa pressão nesse caso. Você está fora. Eu quero todas as suas pesquisas na mesa do Connelly daqui a uma hora. Qualquer informação sobre o crime de Belmont. O que você sabe sobre isso? Cadê o corpo? Não, não me fale agora. Quero tudo isso escrito, junto com qualquer pista que você tenha, qualquer coisa. Não deixe nada de fora. Entendido? Depois você pode ir. Descanse o restante do dia. Volte na segunda e vamos conversar sobre o que vai acontecer. Eu preciso do final de semana para pensar.

- Estou fora do caso - ela disse.

- Está fora.

- Por bem?

- Por bem - ele assentiu.

- Ainda estou no Esquadrão de Homicídios?

O’Malley não respondeu.

CAPÍTULO VINTE E CINCO

Avery não tinha para onde ir. Seu lugar favorito, a área para praticar tiros, era para policiais, e ela já não se sentia como uma policial. Sua casa era escura e vazia, e ela sabia que, se fosse para casa, simplesmente cairia na cama e ficaria lá por três dias.

Um pub local, na esquina de sua casa, estava aberto.

Ela começou do jeito certo.

- Whisky - disse, - do bom.

- Nós temos muitos dos bons - o garçom respondeu.

Avery não o reconheceu. Ela havia ido àquele bar à noite. Não mais, ela pensou, sentindo-se abandonada. Eu bebo de dia, agora.

- Largavulin! – ela pediu e bateu no balcão.

Havia apenas mais duas pessoas no bar naquela hora, dois homens velhos que pareciam ter a bebida como a única coisa na vida.

- Outro! – Avery pediu.

 

Depois de quatro doses, ela estava acabada.

Estranhamente, aquela sensação a lembrou de seu passado. Depois que Howard Randall havia voltado a matar depois de ser inocentado pela incrível defesa de Avery, ela havia bebido por semanas seguidas. Tudo o que ela lembrava daquela época eram noites solitárias em seu quarto escuro, ressacas e a perseguição da mídia que parecia não acabar nunca.

Ela olhou para si mesma, para suas mãos e roupas e para as pessoas no bar.

Olhe onde você parou, pensou. Nem policial você é mais.

Nada.

O rosto de seu pai apareceu em sua mente, rindo. “Você pensa que é tão especial,” ele havia dito a ela certa vez, com uma arma apontada para sua cabeça. “Você não é especial. Eu te fiz, eu posso acabar com você.”

Avery foi para casa.

Imagens do assassino se misturavam à estrada, seu pai e Howard Randall, e a última coisa da qual ela se lembrava antes de cair no sono eram seus próprios soluços.

* * *

Avery ficou o resto do dia na cama, com as cortinas fechadas. De vez em quando, à tarde e à noite, ela se levantou para tomar água ou cerveja, ou para abrir a geladeira e ver o que havia dentro, antes de voltar para o quarto e desabar novamente.

Às dez da manhã de sábado, o telefone tocou.

O identificador de chamadas dizia “Rose”.

Avery atendeu, tonta e ainda consumida pelo sono.

- Ei.

A voz no outro lado era rude e impiedosa.

- Você parece com sono. Eu te acordei?

- Não, não - Avery disse e sentou para limpar a baba de seu queixo. – Estou acordada.

- Você não respondeu meu e-mail.

- Que e-mail?

- Eu respondi seu e-mail. Eu concordei em almoçar. Ainda podemos?

Avery levou alguns segundos para entender do que ela estava falando, mas depois lembrou-se de que havia mandado um e-mail para Rose no auge de sua excitação, quando ela achou que estava prestes a pegar o assassino. Agora, de ressaca, sem prestígio no trabalho e sem saber qual era sua posição, ela estava relutante em se vestir, se maquiar e tentar agir como uma mãe amável em frente à sua filha distante.

- Sim - ela disse. – Claro. Mal posso esperar para ver você!

- Tem certeza? Você parece mal.

- Eu… Eu estou bem, meu amor. Meio dia, certo?

- Vejo você mais tarde.

A ligação foi encerrada.

Rose, Avery suspirou.

Elas eram estranhas uma para a outra. Avery nunca admitira para ninguém, mas cuidar de Rose e tentar ser mãe fora um pesadelo. Naquela época, a ideia da maternidade fora linda: uma nova vida, a maravilha do nascimento, a chance de Rose salvar sua relação com Jack. Na prática, no entanto, a maternidade fora cansativa, sem recompensas, e mais uma razão para brigar com Jack. A cada chance que tinha, Avery contratava uma babá, colocava Rose na creche ou a deixava com seu ex-marido. O trabalho fora seu único refúgio.

Eu fui uma mãe horrível, pensou.

Não, ela tentou convencer a si mesma. Não fui tão ruim assim.

Ela amava Rose de verdade.

Havia muitas lembranças ótimas. Às vezes elas riam e se arrumavam juntas. Avery a ensinou inclusive a usar salto alto. Houve abraços e lágrimas e filmes na madrugada com sorvete.

Tudo aquele parecia muito distante agora.

Elas estavam separadas há anos.

Depois de Howard Randall, Jack havia pedido a guarda, e conseguido. Ele alegara que Avery havia sido uma mãe incapaz, citando vários incidentes, incluindo fotos de quando Rose havia se cortado, além de textos e e-mails para sua mãe que nunca foram respondidos.

Quando foi a última vez que eu a vi? Avery imaginou.

Natal, ela pensou. Não, meses atrás. Passei por ela na rua. Não a via fazia muito tempo e ela estava quase irreconhecível.

Agora, Avery queria ser mãe, uma mãe de verdade. Ela queria ser a pessoa para quem Rose pediria conselhos, queria ter noites juntas e overdoses de sorvete.

A dor continuava no caminho de Avery, aquela dor sem fim no coração e no estômago pelo que ela havia feito no passado, e o que ela ainda precisa consertar como detetive. Tudo aquilo era um monstro gigante e obscuro que precisava ser alimentado.

Não existe justiça.

Avery levantou-se.

Vestindo jeans, camiseta e um blazer marrom, ela se olhou no espelho. Muita maquiagem, pensou. Você parece cansada. Depressiva. De ressaca.

Um sorriso brilhante não conseguiu disfarçar sua agitação interna.

- Foda-se - ela disse.

O Jake’s Place na Harrison Avenue era um restaurante obscuro, com mesas marrons e muitos lugares onde as pessoas podiam ter uma bela refeição e continuarem sem ser vistas. Várias vezes, Avery havia visto celebridades e estrelas do cinema lá. Rose havia escolhido o lugar pela primeira vez durante a disputa da guarda, e mesmo que Avery soubesse que era porque Rose não queria ser vista com sua mãe, o lugar havia se tornado um laço que as mantinha juntas, o único lugar em que elas se encontrariam depois de meses separadas.

Rose já estava lá, sentada em uma mesa longe de outros clientes.

Em muitos sentidos, ela era uma cópia de Avery quando era nova: olhos azuis, cabelos castanho-claros, características de modelo e excelente gosto para roupas. Ela vestia uma blusa de mangas curtas que mostrava seus braços morenos. Tinha um pequeno piercing de diamante no lado esquerdo do nariz. Com a postura perfeita e um olhar cauteloso, ela deu um pequeno sorriso antes de ficar novamente sem expressão.

- Oi - Avery disse.

- Oi - ela respondeu, curta.

Avery se inclinou para um abraço embaraçoso que não foi correspondido.

- Gostei do piercing - ela disse.

- Achei que você odiava piercings.

- Ficou bem em você.

- Fiquei surpresa com o e-mail - Rose disse. – Você não fala muito comigo.

- Não é verdade.

- Eu sei como é - Rose disse. – Você só fala comigo quando as coisas estão indo muito bem, mas pelo que eu li nos jornais, e pelo que eu estou vendo, parece que não é o caso dessa vez.

- Muito obrigada.

Para Avery, que via sua filha poucas vezes no ano, Rose parecia muito mais velha e madura do que seus dezesseis anos poderiam indicar. Admissões antecipadas na faculdade. Bolsa completa para Brandeis. Ela até trabalhava como babá para uma família perto de sua casa.

- Como está seu pai? – Avery perguntou.

O garçom chegou e as interrompeu.

- Olá - ele disse. – Meu nome é Pete. Sou novo aqui, então peço um pouco de paciência. Posso trazer algo para beber?

- Só água - Rose disse.

- Para mim também.

- Ok, aqui está nosso cardápio. Eu volto em um minuto para anotar seus pedidos.

- Obrigada - Avery disse.

- Por que você sempre pergunta pelo pai? – Rose disse quando elas ficaram sozinhas.

- Só curiosidade.

- Se você é tão curiosa, por que você mesma não liga para ele?

- Rose—

- Desculpe - ela disse. – Não sei porque eu disse isso. Quer saber? Nem sei porque eu estou aqui - lamentou. – Pra ser sincera, mãe, não sei porque você quer que eu esteja aqui.

- O que você quer dizer?

- Eu estou indo a uma terapeuta - Rose disse.

- Sério? Isso é ótimo.

- Ela diz que eu tenho muitos problemas por causa da minha mãe.

- Tipo o que?

- Tipo você ter nos deixado.

- Rose, eu nunca—

- Espere aí - Rose insistiu, - por favor. Deixe eu terminar. Depois você fala, pode ser? Você nos deixou. Você deixou a guarda com meu pai e foi embora. Você tem ideia de como isso me destruiu?

- Eu posso imaginar.

- Não, você não pode. Eu era super popular antes de tudo acontecer. Depois, do dia para a noite, eu me tornei a garota de quem todos querem distância. As pessoas me zombaram. Me chamaram de assassina porque minha mãe libertou um assassino. E eu não podia nem falar com você, minha própria mãe. Eu precisava de você naquela época. Eu precisava mesmo, mas você me abandonou. Você se negou a falar comigo, se negou a falar sobre o caso. Você se deu conta de que tudo o que eu sabia sobre você naquela época, era o que eu lia nos jornais?

- Rose—

- E claro, não tinha dinheiro - Rose riu. – Nós estávamos quebrados depois que você perdeu o trabalho. Você nunca pensou nisso, pensou? Você foi de advogada estrela para policial. Excelente, mãe.

- Eu tive que fazer isso - Avery respondeu.

- Nós não tínhamos nada - Rose insistiu. – Você não pode começar uma carreira nova no meio da vida. Nós tínhamos que seguir. Você já pensou nisso? Sobre como você nos afetou?

Avery sentou-se mais para trás.

- É pra isso que você veio aqui? Pra gritar comigo?

- Por que você queria que eu viesse, mãe?

- Eu queria ficar mais perto, saber como você está, conversar para tentar acertar as coisas.

- Bom, nada disso vai acontecer até que a gente resolva isso primeiro, e pra mim não está resolvido. Não mesmo.

Rose balançou a cabeça e olhou para o teto.

- Sabe, por anos eu pensei que você era uma estrela. Personalidade incrível, grande trabalho, nós morávamos em uma casa ótima, era tipo, ‘uou, minha mãe é incrível’. Mas depois tudo desmoronou: a casa, o trabalho e você. Principalmente você.

- Minha vida inteira entrou em colapso - Avery disse. – Eu fui devastada.

- Eu era sua filha - Rose reclamou. – Aconteceu o mesmo comigo. E você me ignorou.

- Eu estou aqui agora - Avery disse.- Estou aqui.

O garçom voltou.

- Ok, meninas! O que vamos pedir?

Ao mesmo tempo, Avery e Rose responderam:

- Ainda não!

- Uou, ok. Quando vocês souberem, é só me chamar.

Ninguém respondeu.

O garçom virou-se e saiu.

O rosto de Rose ficou vermelho.

- É muito cedo - ela disse. – Desculpe, mãe, mas é muito cedo. Você perguntou por que eu queria vir aqui? Porque eu pensei que estava pronta. Mas não estou.

Ela levantou-se.

- Rose, por favor, sente. Nós acabamos de chegar. Eu sinto sua falta. Eu quero conversar.

- Não é você, mãe. Nunca é você. Você não percebe?

- Me dê mais uma chance. Vamos começar de novo.

Rose balançou a cabeça.

- Eu não estou pronta ainda. Desculpe. Eu pensei que estava, mas não.

Ela saiu.

- Rose! Rose!

CAPÍTULO VINTE E SEIS

Avery continuou sentada em sua mesa por um bom tempo, sozinha. Ela pediu ovos e torradas, uma pequena salada e uma xícara de café e ficou sentada, pensando em tudo o que fora dito.

Minha filha me odeia, ela pensou.

Mais triste do que nunca nos últimos anos, ela queria acabar com sua vida. Ao invés disso, pagou a conta e saiu do restaurante.

A luz do sol fez com que ela se encolhesse.

Por que não pode estar chovendo? Imaginou.

As pessoas na rua pareciam estar com pressa. Os carros passavam rápido por seu campo de visão. Ela estava sozinha em meio ao movimento, como um espírito, sem estar morta, nem muito viva.

É isso o que o assassino quer, pensou. Ele entrou na sua cabeça. Está rindo de você. Assim como Howard. Assim como Howard.

Avery entrou em seu carro e deu a partida.

Sem pensar conscientemente em um destino, ela se viu indo para o sul, na direção da prisão. Os corpos das três garotas mortas seguiam em sua mente, assim como o assassino, seu carro, rotas e alguma casa, uma casa em que ela imaginava que ele poderia morar: pequena, escondida por árvores, com um gramado descuidado, porque ele tinha coisas melhores para fazer do que cuidar de um gramado. Seus suspeitos estavam descartados. Todos eles.

Ela precisava de um novo começo. Uma nova perspectiva.

O estacionamento da prisão era como ela recordava. A caminhada até dentro do prédio também. Guardas sussurraram atrás dela, apontando. A mulher atrás dos portões a repreendeu por não ter marcado horário.

- Ele disse que sabia que você voltaria - um guarda disse, rindo. – O que é? Você está apaixonada? Acho que eu devo acreditar em tudo o que está nos jornais.

Não havia porquê voltar. Ela não acreditava que ele a ajudaria, ou poderia ajudá-la, não depois do que aconteceu no Art for Life. Ele só queria brincar, ela sabia. Mas Avery estava afim de jogos. Ela não tinha mais nada a esconder, nenhum lugar para ir, e por alguma estranha razão, naquele momento, Howard Randall parecia ser seu único verdadeiro amigo no mundo.

 

Howard estava na sala subterrânea em que eles haviam se encontrado. Dessa vez, no entanto, ele não estava sorrindo e parecia preocupado.

- Você não parece normal, Avery. Você está bem?

Avery riu.

Se tivesse um cigarro, ela o teria acendido. Ela não fumava desde que era adolescente, mas estava se sentindo indiferente, intocável.

Ela sentou-se e apoiou os cotovelos na mesa.

- Sua última dica não serviu pra nada. Um artista? Você queria dizer John Lang?

- Não sei de quem você está falando.

- Mentira!

Ela sorriu agressivamente.

- Você jogou comigo - ela disse. – Boa jogada. Aquilo tudo foi para me fazer lembrar de tudo para que você pudesse me ver acabada em lágrimas?

- Eu não tenho nenhum prazer com a sua dor - ele respondeu, sério.

- Vá se foder! – Ela gritou. – Você está jogando comigo de novo agora. Você me disse que ele era um artista. Você praticamente me entregou ele em uma bandeja.

- Seu assassino é sim um artista. Um artista de verdade.

- O que você quer dizer?

- Ele tem orgulho do trabalho dele. Não é um assassino aleatório. Não é um matador qualquer. Existe uma razão no que ele faz. Essas garotas significam algo para ele. Ele as conhece, pessoalmente, e em troca das vidas delas ele as dá imortalidade… na arte.

- Como você pode saber disso?

Howard inclinou-se para frente.

- Você nunca me perguntou como eu escolhia minhas vítimas ou porque elas eram posicionadas daquelas maneiras.

Como advogada de defesa de Howard, Avery tinha estudado cada detalhe para absolvê-lo. Uma parte desse trabalho era entender a mente do assassino e porque ele havia cometido tais atos hediondos, então ela pode efetivamente diferenciar Howard dos assassinos baseada na história de vida dele.

- Eram pessoas que agiam como mortas na vida real - ela disse. – Você escolhia seus melhores alunos, os culpava por algum crime contra a humanidade, depois os desmembrava e colocava suas partes no chão para parecerem várias pessoas tentando escapar do submundo.

- Não - Howard respondeu.

Ele inclinou-se para trás.

- O que é a vida? O que ela significa? Por que nós estamos aqui?

- Por que isso seria relevante agora?

- Isso é tudo! – Ele gritou e bateu na mesa.

Um guarda apareceu no olho mágico da porta.

- Tudo certo?

- Sim, Thomas - Howard disse. – Eu só estou ficando… excitado.

O guarda saiu.

- A vida é curta - Howard tentou explicar, - e é cíclica. Nós vivemos e morremos incontáveis vezes em um ciclo constante nessa atmosfera. Como nós vivemos, nessa vida, afeta todas as outras vezes em que renascemos, nossas energias e nosso mundo. Minhas vítimas foram escolhidas porque elas tinham falhas, algumas falhas que nunca seriam corrigidas nessa vida. Por isso eu tinha que ajudá-los, para que eles pudessem ser melhores na próxima.

- É assim que você justifica o que fez?

- O mundo é o que nós fazemos dele, Avery. Tudo o que quisermos pode ser nosso. Minhas ações são baseadas no que eu acredito. Como você justifica suas ações?

- Eu estou tentando reparar o meu passado, e eu faço isso todos os dias.

Ele suspirou e balançou a cabeça, aparentemente com o rosto vermelho, como um homem que tinha finalmente encontrado a mulher dos seus sonhos.

- Você é especial… Tão especial. Eu vi isso desde o primeiro momento. Durona, inteligente, engraçada e, ainda assim, destruída pelo seu passado. Eu posso te ajudar a consertar isso, Avery. Deixe-me ajudar. Ainda há tempo. Você não quer ser feliz? Livre?

Eu quero minha filha de volta, ela pensou.

- Eu quero encontrar o assassino - ela disse.

Howard voltou a inclinar-se para a frente, determinado com um falcão.

- Como você se sentiu quando seu pai matou sua mãe?

Avery endureceu.

Como ele sabia daquilo? Estava em todos os jornais, ela se deu conta. Era algo público. Qualquer um podia encontrar essa informação.

- Você quer cavar meu passado de novo? Me fazer chorar? Hoje não. Eu já estou no fundo do poço. Não tem como piorar.

- Perfeito. Então agora você pode se reerguer.

O dia da morte de sua mãe estava claro na mente de Avery.

Havia acontecido atrás de casa, depois da aula. Ela foi para casa e escutou o tiro. Tinha dez anos na época. Um tiro, silêncio, depois outro. Ela correu até o bosque e viu seu pai, parado ao lado do corpo com a arma na mão. “Busque uma pá pra mim,” ela havia dito.

- Eu não senti nada - Avery admitiu para Howard. – Minha mãe era uma bêbada e nunca estava ao meu lado. Ela deixou claro que eu era um erro. Eu não senti nada quando ela morreu.

- Que tipo de mãe você é?

Um soco. Avery sentiu um soco em sua existência vazia e desolada. E ainda que estivesse vazia e esgotada, ela começou a perceber que ainda poderia ser atingida.

- Não quero falar sobre Rose.

Howard franziu as sobrancelhas profundamente.

- Ok, eu entendo.

Ele olhou para o teto, pensou em mais alguma coisa, e voltou a olhar para ela.

- Seu assassino conhece essas garotas. O que todas elas têm em comum?

Avery balançou a cabeça.

A terceira ainda é um mistério. As duas primeiras, ambas estavam na faculdade, ambas em irmandades. Uma veterana, outra caloura, sem conexões.

- Não - ele sussurrou.

- O que?

- Não - ele repetiu. – Você está errada.

- Sobre o que?

Ele olhou desapontado.

- Você já ouviu a história do menino e da borboleta? – ele perguntou. – Quando a lagarta se transforma em uma borboleta, a borboleta usa seu corpo e asas para se libertar do casulo. É uma tarefa difícil, que leva tempo, mas com esse trabalho e força que faz, a borboleta ganha músculos, fica forte, e quando finalmente se liberta, está pronta para ir ao céu e conseguir comida e sobreviver. No entanto, um dia, um menino que tinha lagartas como animais de estimação, viu um dos casulos balançar. Ele sentiu pena daquela criatura presa e quis ajudá-la, então ela não sofreria tanto. Ele pediu para sua mãe fazer uma pequena abertura no casulo para ajudar no escape. Mas aquele ato simples, com intenções de amor e cuidado, tirou da borboleta sua força, e quando ela finalmente saiu, cedo demais, seu corpo e suas asas ainda não eram fortes o suficiente para caçar ou voar. Em alguns dias, ela morreu.

- O que tudo isso quer dizer? Eu sou a borboleta ou o menino?

Howard não respondeu.

Ele simplesmente baixou a cabeça e ficou em silêncio, mesmo quando Avery continuou perguntando e começou a bater na mesa pedindo uma resposta.