Razão para Correr

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CAPÍTULO DOIS

Avery chegou ao Boston Harbor & Shypyard pelo Callahan Tunnel, que conectava o norte ao leste de Boston. A marina ficava na Marginal Street, à beira d’água.

O local estava lotado de policiais.

- Cacete! – Ramirez disse. – Que porra aconteceu aqui?

Avery entrou vagarosamente na marina. Os carros de polícia estavam estacionados em uma fila que se formou acidentalmente, junto com uma ambulância. Muitas pessoas que queriam usar seus barcos naquela manhã de sol brilhante conversavam entre si, perguntando-se o que deveriam fazer.

Ela estacionou e os dois saíram do carro mostrando seus distintivos.

Após o portão e prédio principais havia uma grande doca. Dois píeres estavam projetados em forma de V. A maioria dos policiais estava agrupada no fim da primeira doca.

Ao longe, estava o Capitão O’Malley, vestido de terno preto e gravata. Ele estava em uma discussão profunda com outro homem com uniforme de policial. Pelas duas linhas em seu peito, Avery imaginou que o outro cara fosse o capitão do A7, que cuidava da parte leste de Boston.

- Olhe esse cara. – Ramirez apontou para o homem uniformizado. Ele está vindo de uma cerimônia ou algo assim?

Agentes do A7 os olharam de cara feia.

- O que o A1 está fazendo aqui?

- Voltem para o norte! – Outro gritou.

O vento batia no rosto de Avery enquanto ela caminhava pelo píer. O ar estava salgado e ameno. Ela apertou sua jaqueta em volta da cintura para que não voasse. Ramirez estava com problemas com as rajadas intensas, que insistiam em bagunçar seu cabelo, perfeitamente penteado.

As docas se projetavam em ângulos perpendiculares em um lado do píer, e cada uma delas estava lotada de barcos. No outro lado, também havia embarcações alinhadas: jet-skis, barcos de navegação caríssimos e iates gigantes.

Uma doca separada formava um T com o final do píer. Um único iate branco, de tamanho médio, estava ancorado ali no meio. O’Malley, o outro capitão e dois oficiais conversavam enquanto a equipe forense investigava o barco e tirava fotos.

O’Malley estava com o visual bruto de sempre: cabelo curto e preto e um rosto que parecia de um ex-boxeador, arranhado e enrugado. Seus olhos estavam meio fechados, como sempre, e ele parecia aborrecido.

- Ela chegou. Deem uma chance.

O outro capitão tinha um jeito imponente: cabelo grisalho, rosto fino e um olhar soberbo sob uma sobrancelha enrugada. Ele era muito mais alto que O’Malley e parecia um pouco contrariado por O’Malley ou qualquer pessoa de fora de sua equipe estar invadindo seu território.

Avery balançou a cabeça em cumprimento a todos.

- Como vai, Capitão?

- Isso é uma festa ou o que? – Ramirez sorriu.

- Tire esse sorriso da cara – o capitão imponente disse. – Essa é a cena de um crime, jovem, e eu espero que você a trate como tal.

- Avery, Ramirez, esse é o Capitão Holt do A7. Ele foi bondoso o suficiente para—

- Bondoso é o caralho! – Ele gritou. – Eu não sei qual é o showzinho do prefeito, mas se ele acha que pode se intrometer na minha divisão, ele está muito enganado. Eu te respeito, O’Malley. Nós nos conhecemos há muito tempo, mas isso é algo sem precedentes e você sabe. Como você se sentiria se eu entrasse no A1 e começasse a dar ordens?

- Ninguém está se metendo em nada – O’Malley disse. – Você acha que eu gosto de fazer isso? Nós temos trabalho suficiente na nossa área. O prefeito ligou para nós dois, não ligou? Eu tinha uma programação totalmente diferente para hoje, Will, então não aja como se eu estivesse tentando roubar seu poder.

Avery e Ramirez trocaram um olhar.

- Qual é a situação? – Avery perguntou.

- Ligaram essa manhã. – Holt disse e apontou para o iate. – Uma mulher foi encontrada morta naquela embarcação. Foi identificada como uma vendedora de livros local. Tem uma livraria de publicações espirituais na Summer Street há pelo menos quinze anos. Sem registros. Aparentemente nada suspeito sobre ela.

- A não ser pela maneira em que ela foi assassinada. – O’Malley interrompeu. – O Capitão Holt estava tomando café da manhã com o prefeito quando a chamada chegou. O prefeito decidiu que queria vir até aqui e ver ele mesmo.

- A primeira coisa que ele disse foi ‘Por que nós não chamamos a Avery Black para esse caso’ – Holt concluiu olhando Avery com raiva.

O’Malley tentou acalmar a situação.

- Não foi o que você me disse, Will. Você disse que seus homens vieram e não entenderam a cena que estavam vendo, então o prefeito sugeriu que você chamasse alguém com experiência nesse tipo de caso.

- Que seja – Holt disse e levantou o queixo.

- Dê uma olhada – O’Malley falou, apontando para o iate. – Veja o que você encontra. Se ela não achar nada, - ele disse a Holt – nós vamos embora. Não parece justo?

Holt caminhou em direção a seus dois outros detetives.

- Aquele dois são do Esquadrão de Homicídios dele – O’Malley indicou. – Não olhe para eles. Não fale com eles. Não os irrite. Essa é uma situação policial muito delicada. Apenas fique de boca fechada e me diga o que você encontrar.

Ramirez espantou-se quando eles caminharam até o iate.

- É uma embarcação e tanto – ele disse. – Parece um Sea Ray 58 Sedan Bridge. Dois andares. Sombra em cima, ar condicionado dentro.

Avery impressionou-se.

- Como você sabe tudo isso? – Perguntou.

- Gosto de pescar – ele respondeu. – Nunca pesquei em algo assim antes, mas podemos sonhar, certo? Eu deveria te levar para conhecer meu barco qualquer hora.

Avery nunca gostou muito do mar. Praia, às vezes. Lagos, com certeza. Mas embarcações a motor e mar aberto? Davam ataques de pânico. Ela havia nascido e crescido em terra firme, e a ideia de estar balançando nas ondas, sem ideia do que poderia estar à espreita no fundo das águas, fazia sua mente ter pensamentos terríveis.

Holt e seus dois detetives ignoraram Avery e Ramirez quando eles passaram e se prepararam para entrar no barco. Um fotógrafo na proa fez um último clique e acenou para Holt. Ele caminhou até a embarcação a estibordo e levantou suas sobrancelhas para Avery.

- Você nunca mais vai olhar para um iate do mesmo jeito – brincou.

Uma escada portátil branca levava ao barco. Avery subiu, colocou suas mãos nas janelas pretas e foi em direção à parte frontal.

Uma mulher de meia idade e aparência santa com cabelo vermelho selvagem havia sido posicionada na parte frontal da embarcação, ao lado das luzes laterais da proa. Ela estava deitada, virada para o leste, com suas mãos presas aos joelhos e cabeça baixa. Se ela estivesse sentada, poderia parecer adormecida. Estava completamente nua, e o único ferimento visível era uma linha escura em volta do pescoço. Ele quebrou, Avery pensou.

O que fazia a vítima destacar-se, além da nudez e da apresentação pública de sua morte, era sua sombra. O sol estava no leste. Seu corpo estava ligeiramente posicionado para cima, e isso produzia uma imagem de espelho dela que formava uma sombra longa e deformada.

- Caralho! – Ramirez suspirou.

Como fazia quando limpava sua casa, Avery abaixou-se e olhou para a proa. A sombra poderia ser uma coincidência ou um sinal com algum sentido deixado pelo assassino, e se ele tivesse deixado um sinal, poderia ter deixado outro. Ela seguiu para o outro lado.

No brilho do sol, na superfície branca da proa, logo acima da cabeça da mulher, entre o corpo e a sombra, Avery viu uma estrela. Alguém havia usado os dedos para desenhar um estrela, com saliva ou água do mar.

Ramirez chamou O’Malley.

- O que os peritos dizem?

- Encontraram alguns pelos no corpo. Podem ser de carpete. A outra equipe ainda está no apartamento.

- Que apartamento?

- O apartamento dela – O’Malley respondeu. – Acreditamos que ela foi raptada lá. Não há digitais em nenhum lugar. O cara devia estar usando luvas. Como ele trouxe ela para cá, em uma doca muito visível, sem ninguém ver, não sabemos. Ele escureceu algumas das câmeras da marina. Deve ter feito isso antes do crime. Ela foi morta possivelmente ontem à noite. O corpo não parece molestado, mas o coronel tem que dar a última palavra.

Holt riu.

- Isso é perda de tempo – ele disse a O’Malley. – O que essa mulher poderia encontrar que meus homens já não teriam descoberto? Eu não estou nem aí para o último caso dela ou sua imagem pública. Até onde eu sei ela é só uma advogada acabada que deu sorte em seu primeiro caso importante porque um assassino em série, que ela defendeu no tribunal, a ajudou!

Avery levantou-se, inclinou-se sobre a grade e olhou para Holt, O’Malley e os outros dois detetives na doca. O vento batia em sua jaqueta e suas calças.

- Vocês viram a estrela? – Ela perguntou.

- Que estrela? – Holt respondeu.

- O corpo dela está virado de lado e para cima. Na luz do sol, isso cria a sombra de uma imagem com a forma dela. Muito raro. Parece quase como se fossem duas pessoas, de costas uma para a outra. Entre o corpo e a sombra, alguém desenhou uma estrela. Pode ser uma coincidência, mas o local é perfeito. Talvez podemos ter sorte se o assassino desenhou com saliva.

Holt virou-se para um de seus homens.

- Você viu uma estrela?

- Não, senhor. – Respondeu um homem magro, loiro e de olhos castanhos.

- E os peritos?

O detetive balançou a cabeça.

- Ridículo. – Holt murmurou. – Uma estrela desenhada? Uma criança poderia ter feito isso. Uma sombra? Sombras são feitas pela luz. Não tem nada de especial nisso, Detetive Black.

 

- Quem é o dono do iate? – Avery perguntou.

- Essa informação não nos ajuda. – O’Malley respondeu. – É um grande empresário do ramo imobiliário. Está no Brasil a negócios há pelo menos um mês.

- Se o barco foi limpo no último mês - Avery disse, - então a estrela foi colocada aqui pelo assassino. E já que está localizada perfeitamente entre o corpo e a sombra, tem que ter algum significado. Não tenho certeza do que, mas é algo.

O’Malley olhou para Holt.

Holt suspirou.

- Simms - ele falou para o agente loiro, - traga os peritos de volta. Investiguem a estrela e a sombra. Eu vou telefonar quando nós terminarmos.

Holt lançou um olhar miserável para Avery e balançou sua cabeça.

- Vamos ver o apartamento dela.

CAPÍTULO TRÊS

Avery caminhou vagarosamente pelo hall do prédio escuro, com Ramirez a seu lado e seu coração batendo mais forte, como sempre acontecia quando ela entrava na cena de um crime. Nesse momento, ela desejava estar em qualquer lugar que não fosse ali.

Ela fugiu daquela sensação. Fez sua expressão de trabalho e forçou-se a observar cada detalhe.

A porta do apartamento da vítima estava aberta. Um agente parado do lado de fora moveu-se para permitir que Avery e os outros entrassem na cena do crime.

Um corredor estreito levava à sala. A cozinha ficava ao lado do corredor. Nada parecia fora do comum ali; apenas um apartamento muito bacana. As paredes eram pintadas de cinza claro. Havia estantes de livros por todos os lados. Pilhas de livros estavam no chão. Plantas penduradas nas janelas. Um sofá verde de frente para uma televisão. No único quarto, a cama estava feita, com um edredom branco de renda.

O único fator obviamente estranho no apartamento estava na sala, onde claramente faltava um tapete central. Um contorno de poeira, em um espaço escuro, havia sido marcado com várias etiquetas amarelas de polícia.

- O que os peritos encontraram aqui? – Avery perguntou.

- Nada - disse O’Malley. – Nenhuma digital. Nenhuma câmera. Estamos no escuro.

- Algo foi tirado do apartamento?

- Não que eu saiba. O pote de moedas está cheio, as roupas estão arrumadas no cesto. Dinheiro e documentos ainda nos bolsos.

Avery começou a analisar o apartamento.

Como fazia habitualmente, moveu-se em pequenas seções e observou cada uma delas com cuidado—as paredes, o piso, os rodapés de madeira, as bugigangas nas prateleiras. Havia uma foto da vítima com duas amigas. Ela fez uma nota mental para lembrar-se de descobrir os nomes e o contato delas. As estantes e pilhas de livros foram analisadas. Havia muitos romances. O restante era, em sua maioria, sobre assuntos espirituais, como autoajuda e religião.

Religião, Avery pensou.

A vítima tinha uma estrela sobre a cabeça.

Seria a estrela de Davi?

Após observar o corpo morto no barco e o apartamento, Avery começou a formar uma imagem do assassino em sua mente. Ele havia atacado pela entrada. A morte foi rápida e ele não deixou marcas, não cometeu erros. As roupas e efeitos na vítima foram deixados em um local limpo, sem desarrumar o apartamento. Apenas o tapete foi movido, e havia poeira na área e nas bordas. Algo ali havia deixado o assassino com raiva. Se ele foi tão meticuloso em todos os outros detalhes, Avery imaginou, por que não limpar a poeira nas bordas do tapete? Por que não remover o tapete por completo? Por que não deixar tudo em condições perfeitas? Ele quebrou o pescoço dela, tirou suas roupas, colocou-as no cesto e deixou tudo em ordem, mas depois a enrolou em um tapete e a carregou como um selvagem.

Ela foi até a janela e olhou para a rua. Havia alguns poucos lugares onde alguém poderia esconder-se e observar o apartamento sem ser visto. Um local em particular chamou sua atenção: um beco estreito e escuro atrás de uma cerca. Você estava ali? Ela se perguntou. Olhando? Esperando o momento certo?

- Então? – O’Malley disse. – O que você acha?

- Temos um assassino em série em nossas mãos.

CAPÍTULO QUATRO

- O assassino é homem e é forte – Avery continuou. – Ele claramente destruiu a vítima e teve que carregá-la até a doca. Parece uma vingança pessoal.

- Como você sabe? – Holt perguntou.

- Por que se meter em tantos problemas com uma vítima qualquer? Nada parece ter sido roubado, então não foi um assalto. Ele foi preciso em tudo, menos no tapete. Se você gasta tanto tempo planejando um assassinato, tirando a roupa da vítima e colocando as roupas dela num cesto, por que levar qualquer item dela? Parece um gesto planejado. Ele queria algo. Talvez mostrar que ele era forte? Que ele poderia fazer isso? Não sei. E deixá-la num barco? Nua e à vista de todo o porto? Esse cara quer ser visto. Ele quer que todo mundo saiba que ele foi o assassino. Talvez nós temos outro assassino em série nas mãos. Qualquer que seja a decisão que você tome sobre quem vai cuidar desse caso - ela olhou para O’Malley, - você tem que decidir logo.

O’Malley virou-se para Holt.

- Will?

- Você sabe o que eu penso disso – Holt respondeu.

- Mas você vai fazer o chamado?

- Isso está errado.

- Mas?

- Como o prefeito quiser.

O’Malley virou-se para Avery.

- Você está pronta? – Ele perguntou. – Seja sincera comigo. Você acabou de sair de um caso de um assassino em série pesado. A imprensa te crucificou a cada passo. Os olhos vão estar em você de novo, mas dessa vez, o prefeito vai prestar uma atenção especial. Ele pediu especificamente por você.

O coração de Avery bateu mais rápido. Fazer a diferença como policial era o que ela realmente amava em seu trabalho, mas pegar assassinos em série e vingar mortes era o que ela ansiava.

- Nós temos vários casos em aberto - ela disse, - e um julgamento.

- Eu posso colocar Thompson e Jones nisso. Você pode supervisionar o trabalho deles. Se você pegar este caso, ele terá prioridade.

Avery virou-se para Ramirez.

- Você topa?

- Claro. – Ele assentiu.

- Estamos dentro - ela disse.

- Muito bem. – O’Malley suspirou. – Você está no caso. O Capitão Holt e seus homens vão cuidar do corpo e do apartamento. Você terá total acesso aos arquivos e total cooperação deles durante a investigação. Will, quem eles devem procurar se precisarem de informações?

- O Detetive Simms – ele respondeu.

- Simms é o detetive líder que você viu hoje de manhã, - O’Malley prosseguiu, - loiro, olhos escuros, durão. O barco e o apartamento serão cuidados pelo A7. Simms vai entrar em contato diretamente com você se encontrar qualquer pista. Talvez você deva falar com a família por agora. Veja o que você consegue descobrir. Se você estiver certa e isso for algo pessoal, eles podem estar envolvidos ou terem informações que podem ajudar.

- Estamos dentro – Avery disse.

*

Uma rápida ligação para o Detetive Simms e Avery soube que os pais da vítima moravam um pouco mais ao norte, fora de Boston, na cidade de Chelsea.

Dar essas informações às famílias era a segunda coisa que Avery mais odiava em seu trabalho. Ainda que ela soubesse lidar com as pessoas, havia um momento, logo depois de eles ficarem sabendo sobre a morte de alguém que amavam, em que emoções complexas se misturavam. Psiquiatras chamavam isso de “os cinco estágios do sofrimento”, mas Avery via aquilo como uma tortura lenta. Primeiro, havia a negação. Amigos e parentes queriam saber tudo sobre o corpo—informações que os fariam apenas sofrer mais, e não importava o quanto Avery dissesse, era sempre impossível para eles imaginar. Depois, vinha a raiva: da polícia, do mundo, de todos. A dúvida vinha em sequência: “você tem certeza que eles morreram? Talvez estejam vivos ainda”. Esses estágios poderiam acontecer todos juntos, ou poderia levar anos. Os dois últimos geralmente aconteciam quando Avery já estava longe: depressão e aceitação.

- Tenho que dizer - Ramirez devaneou, - eu não gosto de encontrar corpos mortos, mas isso nos dá liberdade para trabalhar nesse caso. Sem mais julgamentos e papeladas. Isso é bom, certo? Fazemos o que queremos e não temos que ficar atolados em fitas vermelhas.

Ele inclinou-se para beijar a bochecha dela.

Avery esquivou-se.

- Não agora – ela disse.

- Sem problemas - ele respondeu com as mãos para cima. – Só pensei, sabe... que nós fôssemos algo agora.

- Olhe - ela disse e teve que pensar muito nas próximas palavras, - eu gosto de você. Gosto mesmo. Mas isso tudo está indo rápido demais.

- Rápido demais? – Ele reclamou. – Nós nos beijamos uma vez em dois meses!

- Não é isso que eu quero dizer – ela disse. – Desculpe. O que eu quero dizer é que eu não sei se eu estou pronta para um relacionamento sério. Nós somos parceiros. Nos vemos toda semana. Eu adoro todo o flerte e ver você pela manhã. Só não sei se estou pronta para ir adiante.

- Uou! – Ele disse.

- Dan—

- Não, não. – Ele levantou uma mão. – Está tudo bem. Sério. Eu acho que já esperava isso.

- Não estou dizendo que quero que isso acabe – Avery o tranquilizou.

- O que é isso? – Ele perguntou. – Digo, eu nem sei! Quando estamos trabalhando, você só fala disso, e quando eu tento te ver depois do trabalho, é quase impossível. Você demonstrava mais sentimentos por mim no hospital do que na vida real.

- Não é verdade - ela disse, mas uma parte de si se deu conta de que ele estava certo.

- Eu gosto de você, Avery - ele disse. – Gosto muito. Se você precisa de tempo, tudo bem por mim. Eu só quero ter certeza que você de fato sente algo por mim. Porque se não, eu não quero perder meu tempo, nem o seu.

- Eu sinto - ela disse e olhou para ele rapidamente. – De verdade.

- Ok - ele disse. – Tudo bem.

Avery seguiu dirigindo, focando na estrada e na vizinhança, forçando a si mesma a voltar a pensar no trabalho.

Os pais de Henrietta Venemeer viviam em um complexo de apartamentos logo após o cemitério na Central Avenue. O Detetive Simms havia dito a Avery que os dois eram aposentados e estavam quase sempre em casa. Ela não havia ligado antes de ir até lá. Uma difícil lição que ela havia aprendido no passado era que uma ligação poderia alertar um possível assassino.

No prédio, Avery estacionou e os dois caminharam até a porta frontal.

Ramirez tocou a campainha.

Houve uma longa pausa até que uma mulher de idade atendeu.

- Quem é?

- Senhora Venemeer, aqui é o Detetive Ramirez da Divisão A1 da polícia. Estou aqui com minha parceira, Detetive Black. Podemos por favor entrar e falar com você?

- Quem?

Avery inclinou-se para frente.

- Polícia - ela disse. – Por favor abra a porta da frente.

A porta se abriu.

Avery sorriu para Ramirez.

- Assim é que se faz - ela disse.

- Você nunca para de me impressionar, Detetive Black.

O casal Venemeer morava no quinto andar. Assim que Avery e Ramirez saíram do elevador, eles puderam ver uma mulher de idade saindo de trás de uma porta fechada.

Avery tomou a frente.

- Olá, senhora Venemeer - ela disse em sua voz mais clara e suave. – Sou a Detetive Black e esse é meu parceiro, Detetive Ramirez. – Os dois mostraram seus distintivos. – Podemos entrar?

A senhora Venemeer tinha cabelos longos emaranhados assim como sua filha, com a diferença de que os seus eram grisalhos. Ela usava óculos grossos pretos e uma camisola branca.

- O que é isso? – Ela preocupou-se.

- Acho que será mais fácil se pudermos entrar - Avery disse.

- Tudo bem - ela resmungou e os deixou entrar.

O apartamento inteiro cheirava a naftalina. Ramirez fez uma cara feia e mexeu o nariz quando eles entraram. Avery bateu no braço dele.

O som de uma televisão podia ser escutado na sala. No sofá, havia um homem grande que Avery imaginou ser o senhor Venemeer. Ele vestia apenas cuecas vermelhas e uma camiseta que provavelmente usava para dormir, e parecia não ter ideia do que estava acontecendo.

Estranhamente, a senhora Venemeer sentou no sofá ao lado de seu marido, sem nenhuma indicação de onde Avery e Ramirez poderiam sentar.

- O que posso fazer por você? – Ela perguntou.

 

Um programa de jogos estava passando na TV. O som estava alto. De vez em quando, o marido torcia de seu lugar, relaxado e resmungando a si mesmo.

- Você pode desligar a TV? – Ramirez pediu.

- Não mesmo - ela disse. – John tem que assistir Roda da Fortuna.

- Estamos aqui para falar de sua filha - Avery acrescentou. – Nós precisamos mesmo falar com vocês, e gostaríamos de sua total atenção.

- Amor - ela disse e tocou o braço de seu marido. – Esses dois agentes querem falar sobre Henrietta.

Ele deu de ombros e resmungou.

Ramirez desligou a TV.

- Ei! – John gritou. – O que você fez? Ligue de volta!

Ele parecia bêbado.

Uma garrafa de Bourbon pela metade estava a seu lado.

Avery ficou ao lado de Ramirez e apresentou-se novamente.

- Olá,- ela disse, - meu nome é Detetive Black e esse é meu parceiro, Detetive Ramirez. Nós temos notícias difíceis para dar a vocês.

- Vou te dizer o que é difícil! – John gritou. – Difícil é lidar com um monte de tiras bem no meio do meu programa de TV. Ligue essa porra de televisão! – Ele tentou levantar-se, mas não parecia estar em condições.

- Sua filha morreu – Ramirez disse, agachando-se para olha-lo nos olhos. – Você me entendeu? Sua filha está morta!

- Que? – A senhora Venemeer não acreditou.

- Henrietta? – John murmurou e encostou-se.

- Eu sinto muito por isso – disse Avery.

- Como? – Murmurou a senhora. – Eu não... Não, não Henrietta.

- Diga do que você está falando! – Disse John. – Você não pode entrar aqui e dizer que nossa filha está morta. Que porra é essa?

Ramirez sentou-se.

Negação, pensou Avery. E raiva.

- Ela foi encontrada morta nessa manhã – disse Ramirez, - e identificada por sua posição na comunidade. Não temos certeza do motivo. Agora, o que temos são muitas perguntas. Se vocês puderem, por favor sejam firmes nesse momento e nos ajudem a responder algumas delas.

- Como? – A mãe chorava. – Como isso aconteceu?

Avery sentou-se ao lado de Ramirez.

- Infelizmente essa é uma investigação em andamento. Não podemos dar detalhes ainda. Agora, só precisamos saber qualquer coisa que vocês possam saber para nos ajudar a identificar o assassino. Henrietta tinha namorado? Amigos próximos que vocês conheciam? Alguém que poderia sentir algum rancor dela?

- Você tem certeza que era Henrietta? – A mãe perguntou.

- Henrietta não tem inimigos! – John disse. – Todos a amam. É uma santa! Vinha toda semana trazer algo. Ajudava pessoas sem teto. Não pode ser. Tem que haver algum engano.

Dúvida, pensou Avery.

- Eu te garanto - ela disse, - vocês dois serão chamados essa semana para identificar o corpo. Eu sei que é difícil de aceitar. Vocês acabaram de receber notícias terríveis, mas por favor, vamos ficar focados para tentar encontrar quem fez isso.

- Ninguém! – John disse em voz alta. – Isso é claramente um erro. Vocês estão enganados. Henrietta não tinha inimigos - ele declarou. – Ela foi atropelada por um ônibus? Caiu de uma ponte? Pelo menos nos dê uma ideia do que está acontecendo aqui.

- Ela foi assassinada - Avery respondeu. – É tudo o que eu posso dizer.

- Assassinada – a mãe suspirou.

- Por favor - disse Ramirez. – Vocês conseguem pensar em algo? Qualquer coisa. Mesmo se parecer insignificante para vocês, pode ser de grande ajuda para nós.

- Não - a mãe respondeu. – Ela não tinha namorado. Tinha algumas amigas. Saíram ano passado no Dia de Ação de Graças. Nenhuma delas pode ter feito algo assim. Vocês têm que estar errados.

Ela olhou para cima com olhos de misericórdia.

- Vocês têm!