Rastro de um Assassino

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CAPÍTULO TRÊS

Com a sirene no teto de seu Prius surrado, Keri costurava seu caminho no trânsito, seus dedos segurando firmemente no volante, a adrenalina subindo. O armazém de Palms ficava mais ou menos no caminho para Beverly Hills. Era assim que Keri justificava priorizar a busca pela sua filha, desaparecida há cinco anos na semana passada, sobre a caça por uma mulher que hava sumido há menos de um dia.

Mas ela tinha que andar rápido. Brody tinha uma vantagem para chegar na casa de Burlingame, de modo que ela podia chegar lá depois dele. Mas se aparecesse muito tarde, Brody com certeza iria dedurá-la para Hillman.

Ele usaria qualquer desculpa que pudesse para evitar que trabalhassem juntos. E dizer ao chefe que ela havia atrasado uma investigação chegando tarde para uma entrevista com uma testemunha era perfeito. Isso lhe dava apenas minutos para conferir aquele armazém.

Ela estacionou e se dirigiu ao portão principal. O armazém ficava entre uma empresa que alugava galpões de armazenagem e uma agência de locação de caminhões de mudança. O ruído da estação geradora do outro lado da rua era perturbadoramente alto. Keri se perguntou se corria o risco de desenvolver câncer só por estar parada ali.

O armazém estava protegido por uma cerca barata feita apenas para manter mendigos e drogados do lado de fora, e não foi difícil para Keri deslizar pelo vão entre os portões mal fechados. Enquanto se aproximava da entrada, ela notou a placa com o nome do armazém no chão, coberta de poeira. Dizia Preservação de Itens Inestimáveis.

Não havia nada inestimável dentro do armazém vazio, cavernoso. Na verdade, não havia absolutamente coisa alguma dentro, a não ser algumas poucas cadeiras dobráveis de metal viradas para cima, e algumas pilhas de placas de gesso quebradas. O lugar havia sido completamente esvaziado. Keri caminhou pelo complexo inteiro, procurando por alguma pista que pudesse estar relacionada a Evie, mas não conseguiu achar nada.

Ela se ajoelhou, esperando que uma perspectiva diferente pudesse oferecer algo novo. Não percebeu nada de extraordinário, apesar de haver algo um tanto estranho na extremidade mais distante do armazém. Uma cadeira dobrável de metal apoiava uma pilha de uns 30 centímetros de placas de gesso sobre o assento, delicadamente equilibradas. Era improvável que aquilo tenha sido criado sem ajuda.

Keri caminhou até lá e examinou mais de perto. Sentia como se estivesse buscando conexões onde não havia nenhuma. Ainda assim, moveu a cadeira para o lado, ignorado a pilha de gesso, que oscilou brevemente antes de cair no chão.

Ela ficou surpresa com o som que fez ao bater no concreto. Ao invés do baque esperado, houve um eco típico de algo oco por baixo. Com o coração batendo mais rápido, Keri afastou os restos com o pé e pisou forte no local onde o gesso havia caído — outro som de eco veio de um buraco oco. Ela passou a mão pelo chão e descobriu que o local que estava sob a cadeira dobrável de metal não era realmente concreto, mas madeira pintada de cinza para se misturar ao restante do piso.

Tentando não perder o fôlego, ela tateou pelo pedaço de madeira até sentir uma pequena saliência levantada. Então, empurrou-a, ouviu o som de um ferrolho se abrindo, e sentiu uma extremidade do tampo de madeira pular. Ela pôs a mão por baixo e puxou a cobertura quadrada, com o tamanho aproximado de uma tampa de bueiro, do seu local de encaixe.

Abaixo, havia um espaço de cerca de 25 centímetros de profundidade, sem nada dentro. Nenhum papel, nenhum equipamento. Era pequeno demais para conter uma pessoa. No máximo, podia ter abrigado um pequeno cofre.

Keri tateou pelas bordas, procurando por mais um botão escondido, mas não achou nada. Ela não tinha ideia do que poderia ter estado aqui antes, mas tinha sumido agora. Então, sentou-se no concreto duro ao lado do buraco, sem saber ao certo o que fazer.

Ela olhou para o relógio. Eram 13h15. Deveria estar em Beverly Hills em 15 minutos. Mesmo que saísse agora, chegaria em cima da hora. Frustrada, ela rapidamente colocou a cobertura de madeira de volta no lugar, deslizou a cadeira para o ponto em que estava e saiu do prédio, olhando mais uma vez para a placa no chão.

Preservação de Itens Inestimáveis. O nome da empresa é um tipo de pista ou algum idiota cruel está só brincando comigo? Alguém está me dizendo o que preciso fazer para preservar Evie, meu item mais precioso?

Esse último pensamento disparou uma onda de ansiedade pelo corpo de Keri. Ela sentiu os joelhos fraquejarem e caiu no chão desajeitadamente, tentando evitar mais lesões ao seu braço esquerdo, que estava aninhado, imóvel, na tipoia sobre seu peito. Ela usou a mão direita para evitar colapsar por completo.

Curvada, com uma nuvem de poeira subindo ao redor, Keri fechou os olhos com força e tentou afastar os pensamentos sombrios que tentavam envolvê-la. Uma breve visão de sua pequena Evie invadiu sua mente.

Em sua mente, ela ainda tinha oito anos, com rabos de cavalo loiros balançando em sua cabeça, seu rosto lívido de terror. Estava sendo jogada dentro de uma van branca por um homem loiro com uma tatuagem no lado direito do pescoço. Keri ouviu o baque quando seu pequeno corpo bateu contra a parede da van. Ela viu o homem loiro esfaquear um adolescente que tentou detê-lo. Viu a van arrancar e disparar pela rua, deixando-a muito atrás enquanto tentava alcançá-la com pés descalços e sangrando.

Ainda era tão vívido. Keri engoliu as lágrimas enquanto afastava a lembrança, tentando forçar-se a voltar ao presente. Após alguns momentos, conseguiu se controlar novamente e respirou fundo algumas vezes. Sua visão clareou e ela se sentiu forte o bastante para ficar de pé.

Foi o primeiro flashback que ela tinha em semanas, desde antes do confronto com Pachanga. Parte dela tinha a esperança de que tinham sumido para sempre... mas Keri não teve essa sorte.

Ela sentiu uma dor lancinante em sua clavícula quando esticou o braço para se proteger durante a queda. Frustrada, puxou a tipoia. Naquele momento, era mais um impedimento do que uma ajuda. Além disso, ela não queria parecer fraca quando se encontrasse com o Dr. Burlingame.

A entrevista com Burlingame... tenho que ir!

Ela conseguiu cambalear até seu carro e arrancou em direção ao tráfego, desta vez, sem a sirene. Ela precisava de silêncio para a ligação que ia fazer.

CAPÍTULO QUATRO

Keri sentiu um pouco de nervosismo enquando digitava o número do quarto de hospital de Ray e esperava chamar. Oficialmente, não havia motivo para ela se sentir nervosa. Afinal, Ray Sands era seu amigo e seu parceiro na Unidade de Desaparecidos da polícia de LA.

Enquanto o telefone continuava a tocar, sua mente divagou até a época antes deles serem parceiros, quando ela era profesora de criminologia na Universidade Loyola Marymount e prestava serviços como consultora para a polícia, ajudando em alguns casos. A parceria tinha dado certo desde o início e ele havia retribuído o favor profissional dando palestras nas aulas dela, ocasionalmente.

Depois que Evelyn foi raptada, Keri caiu num buraco negro de desespero. Seu casamento desmoronou, ela começou a beber muito e a dormir com vários estudantes da universidade, até que foi demitida.

Logo depois disso, quando ela estava quase quebrada, bêbada e vivendo numa casa-barco decrépita na marina, que Ray reapareceu. Ele a aconselhou a se inscrever na academia da polícia, como ele tinha feito quando sua própia vida havia se despedaçado. Ray ofereceu a ela uma corda salva-vidas, uma maneira de se reconectar com o mundo e encontrar sentido para existir. Ela aceitou.

Depois de se formar e servir como uma oficial fardada, ela foi promovida a detetive policial, e pediu para ser transferida para a Pacific Division, que cobria a maior parte do oeste de Los Angeles. Era onde ela morava e a área que mais conhecia. Era também a divisão de Ray. Ele solicitou que ela fosse sua parceira e eles vinham trabalhando juntos por um ano quando o caso Pachanga terminou levando-os ao hospital.

Mas não era a recuperação de Ray que deixava Keri nervosa. Era o status do relacionamento deles. Algo mais do que amizade havia se desenvolvido no último ano, enquanto trabalhavam tão próximos. Ambos sentiam, mas nenhum queria reconhecer em voz alta. Keri sentiu pontadas de ciúme quando ligou para o apartamento de Ray e uma mulher atendeu. Ele era um notório mulherengo e não se envergonhava disso, então não deveria ter sido uma surpresa para ela, mas o ciúme ainda estava lá, apesar dos melhores esforços de Keri.

E ela sabia que ele se sentia da mesma forma. Ela havia visto os olhos dele faiscarem quando ambos estavam num caso e uma testemunha deu em cima dela. Ela pôde quase sentir ele ficando tenso ao seu lado.

Mesmo depois dele ter sido baleado e corrido risco de vida, nenhum dos dois teve coragem de lidar com a questão. Parte de Keri pensou que era inadequado focar em tais trivialidades quando ele estava se recuperando de lesões tão graves. Mas outra parte estava simplesmente aterrorizada com o que aconteceria se as cartas fossem postas na mesa.

Então, ambos ignoraram seus sentimentos. E porque nenhum dos dois estava acostumado a esconder coisas um do outro, ficou estranho. Enquanto Keri ouvia o telefone tocar no quarto de hospital de Ray, metade dela esperava que ele atendesse e metade esperava que não. Ela precisava conversar com ele sobre a ligação anônima e sobre o que ela havia descoberto no armazém. Mas não sabia como começar uma conversa.

Acabou não importando. Após chamar dez vezes, ela desligou. O telefone do hospital não tinha secretária eletrônica, o que significava que Ray provavelmente não estava no leito. Ela decidiu não tentar o celular. Ele provavelmente estava no banheiro ou na sessão de fisioterapia. Ela sabia que ele estava ansioso para andar novamente e tinha finalmente conseguido a liberação para começar a fisio há dois dias. Ray era um ex-lutador de boxe profissional e Keri tinha certeza de que passaria cada momento disponível trabalhando para ficar em forma novamente, para lutar, ou, pelo menos, para trabalhar.

 

Apesar de ainda pensar em seu parceiro, Keri tentou afastar a ida até o armazém de sua mente e focar no caso que tinha nas mãos: Kendra Burlingame, pessoa desaparecida.

Com um olho na estrada e outro no GPS do celular, Keri rapidamente seguiu pelas tortuosas ruas de Beverly Hills até a parte mais reservada do bairro. Quanto mais ela subia as montanhas, mais as estradas ficavam sinuosas e mais afastadas as casas ficavam da rua. Ao longo do caminho, ela revisou o que sabia do caso até agora. Não era muito.

Jeremy Burlingame, apesar de sua profissão e de onde morava, não gostava de aparecer. Foi necessária uma investigação rápida de seus colegas na delegacia para descobrir que o homem de 41 anos era um renomado cirurgião plástico conhecido tanto por seu trabalho cosmético em celebridades quanto por oferecer cirurgias de graça para crianças com o rosto deformado.

Kendra Burlingame, 38 anos, já trabalhou como publicitária em Hollywood. Mas depois de se casar com Jeremy, havia criado e posto toda a sua energia numa organização sem fins lucrativos chamada All Smiles, que levantava fundos para as cirurgias das crianças e coordenava todo o cuidado pré e pós-operatório para elas.

Eles eram casados há sete anos. Nenhum dos dois tinha ficha criminal. Não havia histórico de brigas, nem de abuso de álcool ou de drogas. No papel, pelo menos, eram o casal perfeito. Keri achou imediatamente suspeito.

Após virar várias vezes no lugar errado, ela finalmente encostou o carro perto da casa, no final da Tower Road, às 13h41, onze minutos atrasada.

Chamar a residência de casa era pouco. Parecia mais um condomínio numa propriedade que cobria vários metros quadrados. Daquele ponto, ela podia ver toda a cidade de Los Angeles espalhada logo abaixo.

Keri levou um momento para fazer algo raro: colocar maquiagem extra. Remover a tipoia havia ajudado a sua aparência, mas o hematoma amarelado perto de seu olho ainda podia ser notado. Então, tentou disfarçá-lo com um pouco de corretivo até ficar quase invisível.

Satisfeita, chamou pelo interfone ao lado do portão de segurança. Enquanto esperava uma resposta, ela notou o Cadillac marrom e branco do detetive Frank Brody estacionado na entrada da casa.

Uma voz feminina veio do interfone.

"Detetive Locke?"

"Sim".

"Sou Lupe Veracruz, a governanta dos Burlingames. Por favor, entre e estacione ao lado do seu parceiro. Vou levá-la até ele e o Dr. Burlingame".

O portão se abriu e Keri entrou, estacionando ao lado do veículo imaculadamente bem cuidado de Frank. O Caddy era o bebê dele. Ele se orgulhava de seu esquema de cores ultrapassado, do fato do carro consumir muita gasolina, e de seu tamanho monumental. Para ele, era "um clássico". Para Keri, o veículo, como seu dono, era um dinossauro.

Quando abriu a porta do carro, uma mulher pequena com uns quarenta e tantos anos, de aparência hispânica, veio encontrá-la. Keri saiu rapidamente, sem querer que ela notasse sua dificuldade ao se movimentar com o ombro direito machucado. Daquele ponto em diante, Keri se considerava em território inimigo e numa potencial cena de crime. Não queria revelar qualquer senso de fraqueza para Burlingame ou qualquer um ao redor dele.

"Por aqui, detetive", Lupe disse, indo direto ao assunto e levando Keri ao longo de um caminho de pedras, margeado por flores extremamente bem cuidadas. Keri tentou acompanhar enquanto caminhava com cuidado. Com as lesões em seu olho, ombro e costelas, ela ainda se sentia insegura em terreno irregular.

Elas passaram por uma piscina enorme com dois trampolins e uma pista de corrida contornando-a. Bem perto havia um grande buraco, com uma imensa massa de terra ao seu lado. Uma mini-escavadeira Bobcat estava parada junto ao fosso. Lupe notou a curiosidade dela.

"Os Burlingames estão instalando uma banheira de hidromassagem. Mas o azulejo marroquino que eles encomendaram ainda não chegou, por isso, o projeto inteiro está atrasado".

"Estou tendo o mesmo problema", Keri disse. Lupe não riu.

Após vários minutos, elas chegaram até a entrada lateral da casa principal, que levava até uma grande e ventilada cozinha. Keri podia ouvir vozes masculinas. Lupe a dirigiu até o que parecia ser a sala de café da manhã. O detetive Brody estava de pé, voltado na direção de Keri, falando com um homem de costas para ela.

O homem parecia ter sentido a chegada dela e se virou antes de Lupe ter a chance de anunciá-la. Keri, entrando em seu modo investigativo, focou nos olhos dele enquanto Burlingame a avaliava. Seus olhos eram castanhos e acolhedores, levemente vermelhos nas bordas. Ou ele tinha sérias alergias ou havia chorado recentemente. Ele forçou um sorriso estranho no rosto, parecendo pego entre a responsabilidade inesperada de ser um bom anfitrião e a ansiedade da situação.

Sua aparência era agradável, mas não era muito bonito, apesar de ter um rosto simpático, que dava-lhe uma qualidade um tanto ansiosa, juvenil. Apesar dele estar usando um blazer esportivo, Keri podia ver que estava em boa forma. Ele não era muito musculoso, mas tinha a estrutura esbelta de um atleta de resistência, talvez um maratonista ou triatleta. Ele tinha uma altura média, talvez 1,77 m, e uns oitenta quilos. Seu cabelo castanho curto só agora começava a apresentar minúsculos traços grisalhos.

"Detetive Locke, obrigado por vir", ele disse, dando um passo à frente e estendendo a mão. "Estou conversando com seu colega".

"Keri", Frank Brody disse, cumprimentando-a brevemente com um aceno de cabeça. "Ainda não entramos nos detalhes. Estava esperando você chegar".

Era uma indireta sutil sobre o atraso dela, mascarado pelo que parecia polidez profissional. Keri, fingindo não notar, manteve o foco no médico.

"É um prazer conhecê-lo, Dr. Burlingame. Sinto muito por ser em circunstâncias tão difíceis. Se não se importa, por que não começamos imediatamente? Num caso de pessoa desaparecida, cada minuto é crucial".

Do canto do olho, Keri viu Brody fechar a cara, claramente aborrecido por ela ter assumido. Ela realmente não dava a mínima.

"É claro", Burlingame disse. "Por onde começamos?"

"O senhor nos deu um esboço do que houve ao telefone. Mas eu gostaria que nos conduzisse com mais detalhes, se puder. Por que não começa com a última vez em que viu sua esposa?"

"Certo, foi ontem de manhã e nós estávamos no quarto..."

Keri interrompeu.

"Desculpe interromper, mas pode nos levar até lá? Gostaria de estar no quarto enquanto você descreve os eventos que aconteceram no recinto".

"Sim, é claro. Lupe deve vir também?"

"Falaremos com ela separadamente", Keri disse. Jeremy Burlingame assentiu e foi guiando o caminho pelas escadas até o quarto. Keri continuava a observá-lo atentamente. Sua interrupção um momento antes era apenas em parte pela razão que ela deu.

Ela também queria avaliar como um médico poderoso, reconhecido, reagia ao receber repetidamente ordens de uma mulher. Pelo menos até agora, não parecia perturbá-lo. Ele estava disposto a fazer ou dizer o que quer que ela lhe pedisse, se fosse ajudar.

Enquanto caminhavam, ela fez mais perguntas.

"Sob circunstâncias normais, onde sua mulher estaria neste momento?"

"Aqui em casa, imagino, preparando-se para o evento de arrecadação de fundos de hoje à noite".

"Que evento é esse?" Keri perguntou, fingindo ignorância.

"Temos uma fundação que financia cirurgias reconstrutoras, principalmente para crianças com irregularidades faciais, mas, algumas vezes, para adultos se recuperando de queimaduras ou acidentes. Kendra dirige a fundação e realiza dois grandes jantares de gala por ano. Um estava agendado para hoje à noite, no Peninsula Hotel".

"O carro dela está na casa?" Brody perguntou enquanto começavam a subir um longo lance de escadas.

"Sinceramente, não sei. Nem acredito que não me ocorreu conferir. Deixe-me perguntar a Lupe".

Ele pegou seu celular e usou o que pareceu ser uma função do tipo walkie-talkie.

"Lupe, você sabe se o carro de Kendra está na garagem?"

A resposta foi quase imediata.

"Não, Dr. Burlingame. Eu conferi quando o senhor ligou mais cedo. Não está lá. Também, notei que uma de suas pequenas malas de viagem estavam faltando do armário quando eu fui pendurar algumas roupas".

Burlingame parecia perplexo.

"Isso é estranho", ele disse.

"O quê?" Keri perguntou.

"Não entendo por que ela levaria uma mala a algum lugar. Ela tem uma bolsa que usa quando vai à academia e uma bolsa protetora em que coloca vestidos de festa, quando planeja se trocar no local de um evento de gala. Mas só usa as malas quando realmente estamos viajando".

Depois de subir o lance de escadas e caminhar por um longo corredor, eles chegaram até o quarto principal. Brody, sem fôlego pelo longo trajeto, colocou as mãos nos quadris, inflou o peito e respirou com dificuldade.

Keri deu uma olhada no quarto. Era enorme, maior que sua casa-barco inteira. A cama king size com dossel estava arrumada. Um tecido leve e delicadamente decorado a envolvia, fazendo-a parecer uma nuvem quadrada. A varanda grande, com a porta bem aberta, era voltada para o oeste, com vista para o Oceano Pacífico.

Uma imensa TV de tela plana, com cerca de 75 polegadas, pendia da parede. As outras paredes eram decoradas com bom gosto com pinturas e fotos do feliz casal. Keri caminhou até uma delas.

Eles pareciam estar de férias, em algum lugar tropical, com o mar ao fundo.

Jeremy usava uma camisa de botões rosa fora da calça, impecável, com uma bermuda xadrez combinando. Ele usava óculos de sol e seu sorriso era um pouco amarelo e forçado, o sorriso de um homem desconfortável ao tirar uma foto.

Kendra Burlingame usava uma canga turquesa com sandálias de salto, amarradas ao redor dos tornozelos. Sua pele bronzeada se destacava contra o tecido. Seu cabelo negro estava amarrado num rabo de cavalo frouxo e seus óculos escuros descansavam sobre a cabeça. Ela tinha um sorriso largo, como se tivesse acabado de conter uma risada. Era tão alta quanto o marido, com pernas longas e olhos azuis que combinavam com o mar atrás de si. Os braços dele envolviam casualmente a cintura da esposa, apoiando-a. Kendra era incrivelmente bonita.

"Então, qual a última vez em que viu sua mulher?" Keri perguntou. Ela estava de costas para Burlingame mas podia ver seu reflexo na moldura de vidro.

"Aqui", ele disse, seu rosto preocupado sem esconder nada, pelo que ela podia dizer. "Foi ontem de manhã. Tinha que sair mais cedo para ir até San Diego supervisionar um procedimento complicado. Ela ainda estava na cama quando lhe dei um beijo de despedida. Era provavelmente por volta de 6h45".

"Ela estava acordada quando você saiu?" Brody perguntou.

"Sim. A TV estava ligada. Ela estava assistindo ao noticiário local para ver como estaria o tempo para o evento de hoje à noite".

"E essa foi a última vez em que a viu, ontem de manhã?" Keri perguntou novamente.

"Sim, detetive", ele disse, parecendo levemente aborrecido pela primeira vez. "Já respondi a isso várias vezes. Posso fazer uma pergunta?"

"É claro".

"Sei que temos que pasar por tudo metodicamente aqui. Mas, enquanto isso, você poderia pedir ao seu pessoal para checar o GPS no celular e no carro de Kendra? talvez isso possa ajudar a localizá-la".

Keri estava esperando que ele fizesse essa pergunta. É claro que Hillman havia ordenado que os especialistas em tecnologia na delegacia começassem o processo no momento em que abriram ocaso. Mas ela vinha segurando esse detalhe para este momento. Queria avaliar a reação dele à sua resposta.

"É uma boa ideia, Dr. Burlingame", ela disse, "tanto que já fizemos isso".

"E o que descobriram?" Burlingame perguntou, esperançoso.

"Nada".

"Como assim, nada?"

"Parece que o GPS foi desligado, tanto no telefone quanto no carro".

 

Keri, completamente, alerta, observava a reação de Burlingame de perto.

Ele ficou olhando para ela, atônito.

"Desligado? Como isso é possível?"

"Só é possível se foi feito intencionalmente, por alguém que não queria que o celular ou que o carro fossem encontrados".

"Isso significa que foi um sequestrador que não queria que ela fosse encontrada?"

"É possível", Brody respondeu. "Ou pode ser que ela não quisesse ser encontrada".

A expressão de Burlingame passou de atônita para incrédula.

"Você está sugerindo que minha mulher foi embora por conta própria e tentou esconder aonde estava indo?"

"Não seria a primeira vez", Brody disse.

"Não. Isso não faz nenhum sentido. Kendra não é o tipo de pessoa que faz isso. Além do mais, ela não tinha motivos. Nosso casamento é bom. Amamos um ao outro. Ela adora o trabalho na fundação. Ama aquelas crianças. Não iria apenas fugir e abandonar tudo. Eu saberia se houvesse algo errado. Eu saberia".

Para o ouvido de Keri, ele parecia quase suplicar, como um homem tentando convencer a si mesmo. Parecia totalmente perdido.

"Tem certeza disso, doutor?" ela perguntou. "Às vezes, escondemos coisas, mesmo daqueles que amamos. Haveria mais alguém em quem ela confiasse, além de você?"

Burlingame parecia não estar ouvindo-a. Ele sentou na borda da cama, meneando lentamente a cabeça, como se, de alguma forma, isso fosse afastar a dúvida de sua mente.

"Dr. Burlingame?" Keri perguntou novamente, com calma.

"Hã... sim", ele disse, voltando a si. "Sua melhor amiga é Becky Sampson. Elas se conhecem desde a faculdade. Foram a um encontro de ex-alunos do ensino médio juntas há umas duas semanas e Kendra voltou um pouco perturbada, mas não disse por quê. Ela mora perto da Robertson Boulevard. Talvez, tenha mencionado algo para ela".

"Certo, vamos entrar em contato", Keri garantiu. "Enquanto isso, uma unidade designada para a cena do crime virá fazer uma busca minuciosa em sua casa. Vamos entrar em contato sobre a última localização conhecida do carro e celular de sua esposa antes do GPS ser desligado. Está me ouvindo, Dr. Burlingame?"

O homem parecia ter entrado num torpor, olhando para um ponto à frente. Ao ouvir seu nome, ele piscou e pareceu voltar a si.

"Sim, unidade fará uma busca pela casa, conferir GPS. Eu compreendo".

"Também precisaremos verificar tudo sobre seu paradeiro ontem, incluindo seu período em San Diego", Keri disse. "Vamos contactar todo mundo com quem o senhor falou enquanto esteve lá".

"É apenas parte do nosso trabalho", Brody acrescentou, numa tentativa desajeitada de ser diplomático.

"Eu compreendo. Tenho certeza de que o marido é geralmente o principal suspeito quando uma mulher desaparece. Faz sentido. Farei uma lista de todo mundo com quem interagi e darei a vocês seus números de telefone. Vocês precisam disso agora?"

"Quanto antes, melhor", Keri disse. "Não quero ser grosseira, mas você está certo, doutor, o marido é, geralmente, o principal suspeito. E quanto antes pudermos eliminar essa possibilidade, mais rápido podemos passar para outras teorias. Alguns policiais virão isolar toda a área. Enquanto isso, gostaria que o senhor e Lupe se juntassem a nós no pátio onde o detetive Brody e eu estacionamos. Vamos esperar lá até a chegada de reforço e que a CSU possa começar a processar a cena do crime".

Burlingame assentiu e saiu vacilante do quarto. Então, de repente, levantou a cabeça e fez uma pergunta.

"Quanto tempo ela tem, detetive Locke, supondo que tenha sido raptada? Eu sei que cada segundo conta nesses casos. Realisticamente, quanto tempo você acha que ela tem?"

Keri o encarou. Não havia malícia na expressão dele. Ele parecia estar sinceramente querendo algo racional e factual no qual se agarrar. Era uma boa pergunta e uma que ela precisa responder para si mesma.

Keri fez um rápido cálculo mental. Os números que encontrou não eram bons. Mas ela não podia ser tão franca com o marido de uma vítima em potencial. Então, suavizou um pouco sem mentir.

"Veja, doutor. Não vou mentir para você, cada segundo conta. Mas ainda temos uns dois dias antes do rastro de evidências começar a ficar frio. E vamos dedicar nossos principais recursos para encontrar sua esposa. Ainda há esperança".

Mas, internamente, os cálculos eram desencorajadores. Geralmente, 72h era o limite máximo. Supondo que ela tivesse sido levada em algum momento da manhã de ontem, eles tinham pouco menos de 48h para encontrá-la. E isso era uma estimativa otimista.