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Oliveira Martins: Estudo de Psychologia

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II
AS PAIZAGENS

Com a imaginação psychologica, possue elle a imaginação physica? O exame das suas paizagens o dirá. Um escriptor como o Sr. Ramalho Ortigão, por exemplo, em quem o dom da representação visual, apparece completo e permanece intacto, procederá nas suas descripções pela transcripção minuciosa, exacta e methodica das impressões taes como foram recebidas, ou antes taes como foram enviadas dos objectos. Se elle descreve um trecho qualquer da realidade, supponhamos uma rua de Amsterdam, começará por calcular-lhe a largura, 3 metros; verá os predios de tres e quatro andares, em tijolo; notará em seguida a côr do tijolo, preto, e a nuance particular, preto côr de sombra ou vermelho tostado; falará das varas pintadas de verde dos enxugadouros, onde pendem riscados brancos, azues e vermelhos; observará as pranchas com vasos, as taboletas sobre as portas, vinte objectos miudos ou dispersos, um gallo branco de crista encarnada, o pão de assucar da tenda, uma chave de broca para o ar, tres queijos sobrepostos, um branco, um dourado, um preto; uma lanterna, um barril, um tamanco; nas janellas, os espelhos quadrados de caixilho de ferro; no chão comprido e varrido da rua, arrumados á parede uma vassoura, baldes, gigas, celhas, o pincel das lavagens, uma roda desembuchada do eixo, uma lança de corvo, uma gaiola de frangos, e n'uma casota, um sapateiro velho, de oculos, sobre a tripeça, curvado a trabalhar, com o tecto em cima do seu bonnet de lontra. E os objectos virão descriptos com uma tão vehemente fidelidade, que enumerando-os parecerá, não que elle redige um rol mas que estampa uma visão. E as manchas da côr, a direcção das linhas, a obtusidade ou a agudeza dos angulos, a disposição e o recuo dos planos visuaes, o systema das apparições corporaes dadas na adaptação dos seus elementos intestinos, e nas combinações ou contrastes com as apparições adjacentes, o peso, a forma, a proveniencia e a utilidade das cousas vistas, serão dictas n'uma prosa de tal sorte adequada pela sua provada firmeza e estructural precisão ao genero de trabalho a que a submettem, que o leitor se lá esteve, sem querer, exclama: S. Nicolas Straat! repetindo o nome que leu e a rua por que passou.

São assim as descripções do Sr. Oliveira Martins? Não são. Na sua Historia Romana, no livro das guerras punicas, encontram-se descripções admiraveis que rivalisam em colorido e nitidez com as melhores do Sr. Ramalho Ortigão; mas a influencia litteraria é visivel n'ellas, são reminiscencias intelligentes da Salammbo de Flaubert. Ha porém nos seus livros paizagens vistas cuja originalidade é incontestavel. N'essas o processo descriptivo é bem diverso. O Sr. Oliveira Martins não nos diz o que observou, mas o que sentiu. Os aspectos physicos não lhe apparecem senão como signaes de forças e fontes de emoções. E a emoção que elle procura e acha na visão. Se elle observa uma arvore não lhe vê a côr das folhas nem os contornos dos troncos, e se o faz é com intenção e esforço; nota-lhe a expressão moral: «Os campos sobem em terraços viçosos, assombrados pela oliveira doce e pallida, dando com a sua folhagem minuscula, um tom aereo, um tom grego á paizagem…» Ou ainda «o aloés orgulhoso levantando com imperio o seu pennacho de carmim». Falando com precisão elle não reproduz o aspecto das cousas, mas a sua physionomia. As suas paizagens são retratos. Um pedaço qualquer da realidade corporea não é para elle mais que um afloramento de energias latentes e uma causa de sentimentos presentes. O pensamento de Amiel, que uma paizagem é um estado da alma, inexacto para os escriptores de imaginação physica, é absolutamente verdadeiro para os escriptores de imaginação psychologica, como o Sr. Oliveira Martins. Elle encara a natureza não como um pintor mas como um poeta.

Precisemos ainda mais esta analyse. Uma paizagem é um conjuncto de elementos materiaes coordenados de um certo modo no espaço e reflectido de um certo modo no espirito. Dos diversos factos em que ella póde ser resolvida, uns são propriamente objectivos como a grandeza e a figura, outros uma pura sensação individual, como a côr, ou uma fonte directa de emoção como o movimento. D'aqui nascem duas ordens de paizagens, uma a que chamarei descriptiva, outra a que cabe o nome de expressiva. As do Sr. Oliveira Martins são expressivas, como convem a um escriptor de imaginação psychologica. Isto explica tambem porque elle prima na pintura de certas scenas e claudica na descripção de outras. Descreve muito melhor uma batalha do que um assedio, e um naufragio do que uma viagem. As tumultuosas descripções, motins, cavalhadas, procissões, triumphos, combates e festas abundam nos seus livros e são excellentes. Não assim as scenas tranquillas que demandam a lucidez de memoria e segurança de traço e que não provocam senão uma emoção pacifica e duravel. Uma viva preoccupação da força é visivel nas suas grandes descripções e em nenhuma ella se manifesta tão energica como nas magnificas paginas sobre o terremoto.

«Na manhã do 1º de novembro a cidade estremeceu, abalada profundamente e começou a desabar. Eram nove horas, dia de Todos-os-Santos: nas casas ardiam as velas nos oratorios, e as egrejas regorgitavam povo a ouvir missas. Toda a gente, n'uma onda, correu ás praias; mas, rolando em massa, estacou perante a onda que vinha do rio, galgando a inundar as ruas, invadindo as casas. Por sobre este encontro ruidoso, uma nuvem de pó que toldava os ares e escurecia o sol, pairava, formada já pelos detritos das construcções e das mobilias, que o abalo interno da terra vasculhava, e os desabamentos enviavam, em estilhas, para o ar. A onda do povo afflicto, retrocedendo, a fugir do mar, tropeçava nas ruinas; e as quedas, e a metralha dos muros que tombavam, abriam na floresta viva, agitada pelo vento da desgraça, clareiras de morte, montões de cadaveres e poças de sangue dos membros decepados com manchas brancas dos cerebros derramados contra as esquinas. E as casas erguiam se com as paredes desabadas, os tectos abertos sobre o esqueleto dos tabiques, mostrando a nú todos os interiores funestos, n'este dia em que, para muitos, Deus julgara e condemnara Lisboa, como outr'ora fizera a Sodoma. Por isso o rouco trovão dos desabamentos se ouvia cortado pelos ais dos moribundos, e pelos gritos dos homens e das mulheres, abraçadas ás cruzes, aos santos, ás reliquias, soluçando ladainhas, ungindo moribundos, parando esgazeados a cada novo abalo da terra que não cessava de tremer, arrastando-se pelo chão, de joelhos, com as mãos postas a face em lagrimas, a clamar: Misericordia! Misericordia!

«Casas, palacios, conventos, mosteiros, hospitaes, egrejas, campanarios, theatros, fortalezas, porticos, tudo, tudo cahia. «Se visses sómente o palacio real, diz uma testemunha, que singular espectaculo, meu irmão!» Os varões de ferro torcidos como vimes, as cantarias estaladas como vidro! A onda do rio sorvia n'um momento o caes do Terreiro-do-Paço, com os barcos atracados coalhados de gente. Dos andares altos precipitavam-se sobre as lages das ruas. O medo crescia, vinha a loucura; viam-se mortos arrastados pelos vivos, viam-se mutilados coxeando, gente correndo desgrenhada, semi-nua, homens e mulheres, velhos e crianças, dilacerados, sangrentos, arrastando uma perna fracturada, esvahindo-se em sangue por algum membro decepado. Gritos, choros, clamores, imprecações, ais, preces, um borborinho de vozes desvairadas acompanhava os gemidos comprimidos dos soterrados nos escombros. No turbilhão das ruas havia quedas e mortos, abraços e agonias. A mesma loucura dos homens era o desvairamento dos brutos: os machos, desbocados, arrastavam os cavalleiros e as caleças, precipitando-se nos despenhadeiros da cidade montuosa; e as massas de gente viva, moribunda e morta, de envolta com os entulhos, rolavam nas ruas ladeadas pelos esqueletos das casas como uma imagem desolada do que seria o cahos. Quando a terra se subvertia, quando o mar vinha subindo afogar a terra, quando no ar faiscavam as linguas flammiferas rutilantes, que lembrança podia haver das invenções humanas? Abraçados, confundidos, na communidade do pranto, fidalgas e freiras, meretrizes e mães, mendigos e senhores, villões e cavalheiros, traçavam-se na communidade da fome, do frio, da nudez, do terror. De rastos a cidade inteira, sacudida pelo abalo formidando, reunia toda a sua eloquencia numa palavra unica – Misericordia! Misericordia!

«Mas vinha o clarão das chammas com a sua luz sinistra; vinha a labareda fustigar com o lume a pobre gente semi-nua, tiritando sob o açoute de um nordeste frigido; gelava-se e ardia-se a um tempo; suffocava-se em fumo e pó! E as labaredas cresciam, e o incendio lavrava, e aos gritos desvairados dos infelizes ajuntava-se o crepitar das madeiras o estalar das cantarias, a cascalhada dos espelhos, dos crystaes e dos charões, que o fogo devorava. A densa nuvem de pó que escurecia tudo, illuminava-se com os clarões vermelhos que rebentavam por toda a parte, porque Lisboa inteira derrocada era um brazeiro. As linguas orgulhosas das chammas subiam emproadas para o ceo, juntando ás preces lacrimosas dos habitantes como um protesto satanico dos elementos. Outros protestos, mais positivos e egualmente horriveis, atroavam agora os ares: os escravos vingavam-se da sua escravidão, os mendigos da sua pobreza, os maus da sua maldade. O assassinato, o estupro, o roubo, como n'uma terra posta a saque, rolavam de envolta com as ruinas e o fogo: e por entre os destroços ainda apagados, viam-se os perfis negros dos escravos, rindo infernalmente, com os olhos injectados, os dentes brancos, a atiçar tições ardentes para cima das ruinas, augmentando o incendio, acclamando a chamma vingadora!.. Misericordia! Misericordia!»

Estas paginas tem o encanto da desordem e a majestade da força. O que seria defeito na descripção de scenas calmas e de objectos regulares é virtude na pintura de paysagens revoltas e de figuras desmedidas e informes. A violencia extrema da imaginação é adequada ao caracter terrivel do quadro. O sentimento vivo da energia que abunda nos trabalhos do Sr. Oliveira Martins, não podia ter melhor emprego do que na representação dos estragos produzidos pelo desencadeamento da energia. Ajunte-se a estas paginas que transcrevo, outras que calo. Leiam-se as suas descripções de incendios, batalhas, execuções, matanças, sedições populares, tumultos parlamentares. Observe-se que a poesia é a arte que tem por instrumento a palavra, e que a palavra, pela sua origem provavel e pela sua ligação certa com a paixão, é uma expressão natural dos movimentos da alma, que a obra litteraria tem antes um alcance moral do que um valor plastico, e ver-se-á que tive razão quando disse que o Sr. Oliveira Martins procedia na composição das suas paizagens não como um pintor mas como um poeta.

 

Como um poeta e como um geographo. Não só as suas paizagens são sentidas, mas ainda pensadas. Ellas são para elle não só fontes de emoção, mas resultados de forças, constituidas em systemas naturaes pela communidade das causas que as determinam, e pela identidade de effeitos que provocam nos espiritos sobre que actuam. São poemas que se leem, effeitos que resultam, e meios em que se vive. Assim, depois, de ter descripto a largos traços a paizagem italiana, resume: «Ao sul da Italia reinam os vulcões, ao norte imperam os rios; além o constructor da terra é o fogo, aqui a agua.» Leia-se na Historia de Portugal esta descripção do littoral alemtejano.

«As aguas estagnam ou escasseiam nos baixos, as populações definham. Ou torradas pelo arido suão que os areaes ardentes não podem suavisar, e sem montanhas que obriguem os vapores do mar a condensarem-se, ou envenenadas pelos miasmas dos paúes que o sol de fogo põe numa fermentação permanente, as populações amarellidas e magras definham, curvadas pelo mortifero trabalho das marinhas de sal, ou da cultura do arroz. São o contraste das baixas do norte do paiz, estas baixas do sul. Além, copiosas chuvas e uma humidade criadora; aqui, o ar secco (500 a 700 mill. annuaes, 30 a 50 no estio; humidade 30 a 80 %), duro e carregado de emanações mephiticas. Além uma temperatura branda, aqui um calor excessivo (med. 17°). Além uma população exuberante; aqui as solidões e os areaes nus, matisados pela traiçoeira cevadilha, e pelo aloés orgulhoso, levantando com imperio o seu pennacho de carmim. Além homens laboriosos e familias; aqui esfarrapadas tribus em choupanas, tiritando com o frio das sezões n'uma atmosphera de fogo, mulheres esqualidas, crianças verde-negras, homens na indifferença da desolação, ou na vertigem do crime!» Eil-o que penetra na paizagem fazendo reflexões de geographia e meteorologia, munido de um udometro e de um hygrometro. A imaginação não fica abafada sob os dados numericos e technicos, e o quadro com ser instructivo não deixa de ser artistico.

Dos dois caracteres que notamos nas paizagens do Sr. Oliveira Martins, o ser uma transcripção de emoções e o ser a explicação de um mechanismo o ultimo predomina no trecho que acabamos de citar, o primeiro no que antes citaramos; ambas apparecem n'um justo equilibrio no que passamos a citar.

«Aquem Tamega o scenario muda. A humidade cria em toda a parte vegetações abundantes; não ha um palmo de terra d'onde não brote um enxame de plantas; mas como o solo é breve, como a rocha afflora em toda a parte, e os campos nascem do terreno vegetal formados nas anfractuosidades do granito pelas folhas e ramos decompostos e nos estuarios dos rios pelos sedimentos das cheias, a vegetação é rasteira e humilde, o pinho maritimo de uma constituição debil, o carvalho um pygmeu, enleado ainda pelas varas das vides suspensas. A densidade da população completa a obra da natureza, numa região onde o vinho não amadurece: o acido picante dá-lhe uma semelhança das bebidas fermentadas do norte, cidra ou cerveja, e com ella, ao genio do povo caracteres tambem semelhantes aos dos bretões e flamengos. A vegetação de si mesquinha, é amesquinhada ainda pela mão dos homens; as necessidades implacaveis da população abundante, produzem uma cultura que é mais horticola do que agricola: pequeninos campos circumdados por pequeninos valles, orlados de carvalhos pygmeus decotados, onde se penduram os cachos das uvas verdes. No meio d'isto formiga a familia: o pae, a mãe, os filhos, immundos atraz d'uns boisinhos anões que lavram uma amostra de campo, ou puxam a miniatura de um carro. Sob um ceu ennevoado quasi sempre, pisando um chão quasi sempre alagado, encerrado n'um valle abafado em milhos, dominado em torno por florestas de pinheiros sombrios, sem ar vivificante, nem abundante luz, nem largos horizontes, o formigueiro dos minhotos não podendo despegar-se da terra como que se confunde com ella; e com os seus bois, os seus arados e enxadas forma um todo, donde se não ergue uma voz de independencia moral, embora a miude se levante o grito da resistencia utilitaria. A paizagem é rural não é agricola; a poesia dos campos é naturalista, não é idealmente pantheista. Quem uma vez subiu a qualquer das montanhas do Minho e dominou d'ahi as lombadas espessas d'arvoredo, sem contornos definidos, e os valles quadriculados de muros e renques de carvalhos recortados, sentiu de certo a ausencia de um largo folgo de ideal, de uma viva inspiração de luz: apenas aqui e acolá, no meio da monotonia da côr dos milhos, um canto do alegre verde do linho, vem lembrar que tambem no coração do minhoto ha um logar para o idyllio infantil do amor.»

Se eu quizesse resumir o que penso das paizagens do Sr. Oliveira Martins, diria que ellas revelam uma percepção mediocre da linha, e uma percepção maior da côr, um sentimento vivo dos movimentos, uma visivel tendencia para traduzir os aspectos physicos em impressões moraes, e uma aptidão activa para explicar os aspectos physicos como mechanismos naturaes; traços estes que dão ás suas paizagens o valor de um elemento da Historia. Ellas são productos da imaginação psychologica e da razão abstracta do auctor, e depois de termos largamente examinado a primeira estudando os seus retratos, vamos analysar a segunda, estudando as suas theorias.