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Oliveira Martins: Estudo de Psychologia

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«Não o mata o scepticismo, mata-o o excesso de uma incompleta doutrina. Não descrê, e é por cada vez mais acreditar em si, que foge a um mundo rebelde a ouvir a verdade. A morte não é pois um acto de desespero, é um acto de fé. Só a differença dos tempos fez com que no suicidio de Herculano não entrasse o ferro como entrou nos suicidios estoicos da Antiguidade. A vida assim coroada, o homem assim transfigurado n'um typo, e a sua palavra e o seu exemplo n'um protesto, superior ao mundo e ás suas fraquezas, ficam aureolados com o forte clarão dos heroes, lume que aos navegantes, errando no mar escuro da vida, guia a derrota e indica o porto.»

Marcado com firmeza e analysado com perspicacia o facto capital d'este espirito, o critico passa a estudar-lhe as origens, porque sabe que nos homens cultos a educação é uma segunda natureza. E no caso presente, como succede quasi sempre na historia dos homens fóra do commum, a cultura concorda com o temperamento e exalta o valor das qualidades innatas. O estoicismo ingenito, exasperado pelo kantismo apprendido, determinam o corpo das suas opiniões sociaes, politicas, religiosas e economicas, e depois de fundir as idéias ao pensador, fabricam o estylo ao escriptor. O Sr. Oliveira Martins considera-o sob todos estes pontos de vista com uma lucidez de expressão e uma nitidez de comprehensão, que surprehendem tanto mais que o nosso critico discorda do auctor que explica, a ponto de combatel-o. Esta sagacidade é ainda mais notavel no curto juizo sobre as qualidades da prosa de Herculano, quando se pensa que elle é emittido por um homem que não prima pela posse d'aquillo a que cabe rigorosamente o nome de dotes litterarios.

«O racionalismo kantista foi o molde onde se vasaram em systema as tendencias naturaes do espirito de Herculano, – um D. João de Castro da burguezia e do seculo XIX. O antigo stoicismo portuguez era catholico e monarchico; o estoico de agora foi romantico e individualista, – exprimindo a reacção, geral na Europa, contra a religião dos jesuitas a contra a doutrina da Razão-de-Estado que depois de ter feito as monarchias absolutas, fizera a Convenção e Napoleão.

«O kantismo como philosophia, o individualismo como politica, o livre-cambio como economia, – eis ahi as tres phases da doutrina que, por ser um philosopho, Herculano media em todo o seu alcance.»

Mas a aptidão superior que o leva a marcar n'um espirito o facto capital é acompanhada pelo tino da realidade que lhe impede de fazer derivar tudo d'este unico facto; ao lado d'esta causa primordial o Sr. Oliveira Martins restabelece os principios subsidiarios que a modificam, limitando-a, e combinando-se com ella originam uma alma real, capaz de viver entre cousas reaes e de produzir obras reaes. Por este sentimento intenso do concreto o Sr. Oliveira Martins nos apparece como um verdadeiro artista, e não como um simples combinador de abstracções.

«… Não basta o principio individualista para explicar a physionomia intellectual de Herculano. Varias causas concorriam para o temperar ou desviar das suas logicas conclusões. O saber é uma d'essas, mas a principal é o seu temperamento estoico. Para Herculano, e em geral para o estoicismo, uma doutrina não é um producto da intelligencia pura, que póde ser ou não amado e vivido. O estoico vive com o que pensa; o seu pensamento está no seu coração: é a carne da sua carne, o sangue do seu sangue; é uma fé, não é apenas uma opinião. Eminentemente forte, é por isso mesmo positivo e pratico. As doutrinas são para elle realidades, não são abstracções; e nada valem quando nada representam na esphera da consciencia e da moral, quando nada valham na do direito e da economia. Por isso as extremas conclusões do individualismo, irrealisaveis, praticamente absurdas, immoraes até, repugnantes para o proprio instincto, contradictadas pelo saber mais mesquinho, essas conclusões, delicia d'espiritos seccos, de philosophos abstrusos, de ingenuos ignorantes, – não podia Herculano, sabio e estoico, abraçal-as. Parava, pois, afim de conciliar a sua opinião com o seu sentimento; e se em resultado sahiam inconsequencias, ellas não fazem senão demonstrar a verdadeira nobreza da sua alma e a tempera rija da sua intelligencia.

«Lado algum das suas idéias mostra isso mais do que o economico. Tão livre-cambista como individualista: ou ainda mais, porque o socialismo, cujo crescer sentia e temia, vendo ahi um positivo e declarado inimigo, e o vivo problema do futuro, ou ainda mais, dizemos, porque não parava, nem limitava as conclusões ultimas, Herculano era radical no free-trade, pois firmemente acreditava n'elle como numa panacia. Estoico sempre, a doutrina da concorrencia apparecia-lhe principalmente por um lado, – secundario para os economistas. O livre-cambio, proclamado como a melhor receita para crear a riqueza, era para Herculano sobre tudo a melhor fórma de a distribuir. Queria que as leis pulverisassem o solo, no qual não reconhecia outro valor senão o que o trabalho consolidava n'elle, e esperava que a concorrencia, desembaraçada de todas as peias, creasse uma sociedade proudhoniana, em que todos fossem capitalistas e proprietarios. Como estoico, era um socialista; mas o seu socialismo realisar-se-ia pela liberdade, pela concorrencia. E quando se lhe contavam os casos repetidos, actuaes, do sem numero de monopolios de facto, nascidos, não das leis, mas sim da guerra natural economica, – elle parava, scismava e não respondia.

«Via-se que lá dentro luctavam a doutrina e a lucidez; em se convencer, sem mudar, apparecia o moralista invectivando os vencedores d'essa lucta donde elle esperava a justiça e donde apenas sahia o dolo. Ninguem o excedia então; e ao ouvil-o, dir-se-ia algum fugido de Paris, dos tempos da Communa, – porque nos referimos agora aos seus ultimos annos, ás vesperas da sua morte, quando a agiotagem livre de Lisboa e Porto provocou uma crise bancaria. Quiz então o governo cohibir a liberdade de emissão, mas não o pôde.»

E transcriptos uns trechos de carta em que o individualista defende a sua doutrina, mesmo contra argumentos tirados d'um campo, em que as consequencias d'ella são promptas e fulminantes, o critico prosegue.

«Mas se essa liberdade, expressa na concorrencia economica, – e na franca emissão de notas, no caso especial tomado para exemplo; mas se essa liberdade conduz a taes resultados, sendo em si excellente, força é que haja um vicio no mechanismo das instituições. E ha, sem duvida, diz Herculano, – é o anonymato.

«Na essencia, a bank-note é a expressão do credito que o individuo attribue a si. Que se reunam 7, 70 ou 700 individuos para sommarem essas avaliações; que se chame banco e que exprimam collectivamente o total, isso não muda a essencia da cousa. Supprimia todas as responsabilidades limitadas. A responsabilidade é de sua natureza illimitada até onde chegam os recursos e pessoa do responsavel. Non habet in posse, dicat in corpore, é maxima que se não devia desprezar n'esta questão do abuso do credito. Note-se que eu desejaria supprimidas todas as responsabilidades limitadas, tacitas ou expressas, manifestas ou disfarçadas.»

«Nós vimos antes como o espirito do erudito historiador corrigia em certo ponto a doutrina individualista; vemos aqui o jurista a corrigir o livre-cambio; vamos ver o canonista a corrigir para a direita o ultramontanismo, para a esquerda o atheismo. A educação do homem temperava os principios do philosopho; e essas correcções eram-lhe indispensaveis para que os seus pensamentos se mantivessem de accordo com os seus rectos instinctos, com as suas bellas aspirações, – eram-lhe indispensaveis, porque o estoico não admitte divergencias entre a intelligencia e a moral, entre o mundo das idéias e o das realidades.

«Com fundado motivo dizia Herculano que perante os principios, – liberal e socialista, ou individualista e collectivista, – era indifferente a questão das fórmas do governo: «pouco me incommoda que outrem se sente n'um throno, n'uma poltrona, ou n'uma tripeça». Mas essa questão da republica ou da monarchia, é para elle um problema não só historico, mas tambem religioso.

«Pondo de parte a questão de opportunidade no momento d'uma crise, a republica não parecia a Herculano adequada «á velha Europa, sobretudo a estas sociedades meio-germanicas na indole e celto-romanas na raça que estanceiam ao occidente educadas pelo catholicismo que na pureza da sua indole é o typo da monarchia representativa.»

«A tradição religiosa – ou antes aquella tradição religiosa d'um catholicismo liberal inventada pelo romantismo, – servia, pois, ao philosopho para temperar o seu individualismo, para o conciliar com um resto de auctoridade social consagrada nas prerogativas do throno representativo. De tal modo se combinava o racionalismo, e este traço é o que dá a Herculano, ou antes á sua doutrina um caracter d'individualidade original, depois do ensino, apenas racionalista de Mousinho da Silveira.

«Tambem entrava ao lado da educação, o temperamento para acabar de afeiçoar a physionomia religiosa de Herculano. O mechanismo do frio Deus kantista não bastava á sua indole peninsular. A imaginação pedia-lhe a antiga historia tradicional; o sentimento reclamava que quer que é d'affectuoso e meigo, – a doce caridade catholica; e o bom-senso exigia o culto e a pompa que impressionam as massas. O protestantismo, alvo das suas acerbas satyras, não satisfazia a sua alma, nem as suas exigencias de canonista. Nada propenso ao mysticismo, e até rebelde a comprehendel-o fóra da caridade pratica, não via na religião mais do que uma Egreja, – instituição e disciplina…

«A Liberdade, supposto principio que para elle resumia a essencia d'um espirito racional e absolutamente consciente, era afinal o seu verdadeiro e intimo deus. É essa a religião do estoico; e o Deus da Harpa do Crente é um ser eminentemente livre que por um acto de vontade absoluta creou tudo o que existe: o deus do estoico é a divinisação do estoicismo. E como todos sabem por quanto esta antiga philosophia entrou na formação do christianismo, é desnecessario mostrar desenvolvidamente como e até que ponto Deus era para Herculano o Deus christão.

 

«Obras de tres naturezas diversas nos revelam pelo estylo tres phisionomias. A primeira, official e grave, são os seus trabalhos historicos, onde o periodo redondo e classico, mas sem affectação quinhentista, se desenvolve alimentado pelos caldos de Vieira que nos receitava a nós os moços, para educar a mão; a segunda são os seus romances e escriptos humoristicos, onde mal ataviado o periodo jesuitico, ás vezes combinado com fórmas e tours estrangeirados, transparece sempre o goût du terroir, o cunho do portuguezismo duro e pesado, mais aggressivo do que de comedia. Na terceira, finalmente, em nossa opinião a mais bella, nos escriptos de polemista a phrase rotunda é quente, a aggressão é viva, as palavras tem calor, e a dureza do genio lusitano acha nos sentimentos expressos em orações duras, uma convicção, uma independencia que a ennobrecem. Ouve-se a voz do estoico, e ha uma harmonia perfeita entre o pensamento profundo, grave e forte, e o estylo redondo, sobrio e nobre. A rethorica classica é o molde proprio do classico pensamento estoico. Mas entre estas obras ha uma, uma unica (Carta á Academia das Sciencias), onde apparece o homem intimo, sensivel, caridoso e simples, esse homem que nós esboçamos fugitivamente, porque a vida, a educação, o temperamento, de mãos dadas concorriam para o subalternisar ao homem estoico; ha uma dizemos, em que as palavras não falam apenas, choram e vociferam, tem lagrimas e imprecações e ironias. Ferido no vivo coração da sua existencia, o homem poz no papel o melhor do seu sangue. O que o genio do artista obtem com a intuição, consegue-o o poeta com a emoção. A Carta á Academia é tão bella como as melhores das poesias intimas de Herculano.

«Para elle que, como lusitano, nada tinha de artista (prova, os seus romances), a litteratura era uma missão e não um dilletantismo. O universo, a historia, a sociedade, não se lhe apresentavam como assumpto de estudos subtis e curiosos, de observações finas ou profundas, de quadros brilhantes, vivos ou commoventes; mas como objecto de affirmações ou negações inspiradas pela convicção estoica. Nos seus livros póde seguir-se ao mesmo tempo o desenvolvimento do seu pensamento e a historia da sua consciencia. São o retrato da alma do auctor, ora apaixonada, ora melancholica, quasi sempre triste, raras vezes contente, mas sempre convicta, energica e franca.

«As Poesias e o Eurico revelam-nos o crente na providente liberdade d'um poderoso e justo Deus; a alma rijamente temperada contra o funesto acaso; o coração aberto ás emoções da natureza que se lhe manifesta com o caracter d'uma fatalidade cruel e d'um cego desabrimento. Deus, a Natureza, o Homem, são, n'essas obras, personnagens d'uma tragedia biblica, com a tempestade rouca por musicas e por fundos de scena bulcões de opacas nuvens cobrindo o azul do ceo.

«Vem depois as obras polemicas, vasta e riquissima collecção que patenteia a omnimoda actividade do pensamento de Herculano, e lhe dá o caracter d'um philosopho, cujo pensamento em vez de se manifestar em tratados, se exprime em controversias. Profissionalmente, era historiador. A Historia de Portugal e os trabalhos que com ella formam o corpo dos estudos do erudito são a obra mais importante do escriptor e solido fundamento do seu immorredouro nome na historia litteraria portugueza. Reunindo a um vasto e forte saber geral a paciencia do erudito e o escrupulo do critico, esses trabalhos não respiram a pedante seccura do especialismo, e se não constituem, nem podem constituir uma historia nacional, fizeram com que os problemas das origens sociaes e politicas da nação portugueza fossem por uma vez resolvidos. A historiographia peninsular tem em Herculano o seu mais illustre nome: um nome que se conservará ao lado do de Guizot, de quem tinha os golpes de vista comprehensivos, e do de Thierry, a quem acompanhava na faculdade de representar vivas, nos seus habitos, costumes e leis (senão em sua alma como um Michelet) as passadas gerações, – avantajando-se a ambos na coragem com que arcou com o trabalho improbo de colligir, coordenar, traduzir, interpretar os monumentos historicos d'um povo que não tivera benidictinos eruditos. Robinson de nova especie, Herculano achou-se como n'um paiz deserto e teve de descobrir os materiaes antes que pudesse pôr mãos á obra.

«Prodigio de trabalho, de saber, de paciencia, de talento, a Historia de Portugal, é um monumento; entretanto, – devemos dizel-o, se quizermos ser inteiramente justos. – mais de uma cousa lhe falta, para poder ser considerada um typo, e o seu auctor um grande historiador como Ranke. Falta-lhe ar na contextura sobrecarregada de eruditas discussões; falta-lhe, sobre tudo, aquella alta e serena imparcialidade, aquelle ponto de vista rigorosamente objectivo, aquella isenção critica, impassivel perante as escholas, os systemas, os partidos; e sem a qual a historia deixa de o ser.

«Além d'isto, ha uma falta de nexo na Historia de Portugal, resultado do modo como primeiro foi concebido… as duas faces do livro se não ligam… os factos e os homens nos apparecem como um appendice, subalterno, indifferente, dando a impressão de que se tivessem sido outros e diversos, nem por isso a vida anonyma das sociedades poderia ter seguido rumo differente. E se nem a acção dos elementos voluntario-individuaes e dos fortuitos, sobre os elementos sociaes, nem a inversa, nos apparece, tirando assim á historia o seu caracter eminente de realidade; juxtapondo artificialmente a uma chronica, veridica, desinçada dos erros e das invenções fradescas, uma dissertação erudita sobre o desenvolvimento das instituições: tambem a apreciação dos elementos moraes, – crenças individuaes, phenomenos de psychologica collectiva, – é feita á luz de doutrinas quasi voltaireanas; e no avaliar das lendas religiosas, da acção do clero, o historiador prescinde de profundar os motivos moraes, ou cede a palavra ao sectario que nos bispos e em Roma não vê outra cousa mais do que sacerdotes da astucia e uma Babylonia de perversão.».

N'este magnifico retrato se vê em alto relevo todos os recursos do auctor. No arcar com uma empresa difficil se mede toda a força disponivel. Tendo de estudar uma natureza complexa e eminente, o psychologo desenvolveu n'esse trabalho todos os recursos do seu eminente e complexo espirito. Eminente e differente, o espirito estudado vê-se que quem o estuda, nem philosopho por officio, nem stoico por temperamento, é capaz de, pela imaginação psychologica, perceber as idéias geraes e as paixões moraes. Quiz transcrever quasi na integra, estas paginas numerosas, mas que se lêem d'um fôlego, porque um bom exemplo se não é um ramo legitimo de prova, é um instrumento optimo de exposição, e convem expor com a lucidez maxima, aquella que reputo a faculdade matriz do espirito que analyso, e que nenhum escriptor portuguez contemporaneo possue em tão alto grau como o Sr. Oliveira Martins.