Mestres da Poesia - Olavo Bilac

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Z serii: Mestres da Poesia #3
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Mater

Tu, grande Mãe!... do amor de teus filhos escrava,

Para teus filhos és, no caminho da vida,

Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava

À longe Terra Prometida.

Jorra de teu olhar um rio luminoso.

Pois, para batizar essas almas em flor,

Deixas cascatear desse olhar carinhoso

Todo o Jordão do teu amor.

E espalham tanto brilho as asas infinitas

Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,

Que o seu grande clarão sobe, quando as agitas,

E vai perder-se entre as estrelas.

E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,

Fogem da humana dor, fogem do humano pó,

E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,

Que é como a escada de Jacó.

Incontentado

Paixão sem grita, amor sem agonia,

Que não oprime nem magoa o peito,

Que nada mais do que possui queria,

E com tão pouco vive satisfeito...

Amor, que os exageros repudia,

Misturado de estima e de respeito,

E, tirando das mágoas alegria,

Fica farto, ficando sem proveito...

Viva sempre a paixão que me consome,

Sem uma queixa, sem um só lamento!

Arda sempre este amor que desanimas!

Eu, eu tenha sempre, ao murmurar teu nome,

O coração, malgrado o sofrimento,

Como um rosal desabrochado em rimas.

Sonho

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade

Solto para onde estás, e fico de ti perto!

Como, depois do sonho, é triste a realidade!

Como tudo, sem ti, fica depois deserto!

Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.

Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:

De cada estrela de ouro um anjo se debruça,

E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.

Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.

E, como sobre um leito um alvo cortinado,

Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.

Porém, subitamente, um relâmpago corta

Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta

E, sorrindo, serena, aparecer à porta,

Como numa moldura a imagem de uma Santa...

Primavera

Ah! quem nos dera que isto, como outrora,

Inda nos comovesse! Ah! quem nos dera

Que inda juntos pudéssemos agora

Ver o desabrochar da primavera!

Saíamos com os pássaros e a aurora.

E, no chão, sobre os troncos cheios de hera,

Sentavas-te sorrindo, de hora em hora:

"Beijemo-nos! amemo-nos! espera!"

E esse corpo de rosa recendia,

E aos meus beijos de fogo palpitava,

Alquebrado de amor e de cansaço...

A alma da terra gorjeava e ria...

Nascia a primavera... E eu te levava,

Primavera de carne, pelo braço!

Dormindo

De qual de vós desceu para o exílio do mundo

A alma desta mulher, astros do céu profundo?

Dorme talvez agora... Alvíssimas, serenas,

Cruzam-se numa prece as suas mão pequenas.

Para a respiração suavíssima lhe ouvir,

A noite se debruça... E, a oscilar e a fulgir,

Brande o gládio de luz, que a escuridão recorta,

Um arcanjo, de pé, guardando a sua porta.

Versos! podeis voar em torno desse leito,

E pairar sobre o alvor virginal de seu peito,

Aves, tontas de luz, sobre um fresco pomar...

Dorme... Rimas febris, podeis febris voar...

Como ela, num livor de névoas misteriosas,

Dorme o céu, campo azul semeado de rosas;

E dois anjos do céu, alvos e pequeninos,

Vêm dormir nos dois céus dos seus olhos divinos...

Caravana, que Deus pelo espaço conduz!

Todo o vosso clarão nesta pequena alcova

Sobre ela, como um nimbo esplêndido, se mova:

E, a sorrir e a sonhar, sua livre cabeça

Como a da Virgem Mãe repouse e resplandeça!

Noturno

Já toda a terra adormece.

Sai um soluço da flor.

Rompe de tudo um rumor,

Leve como o de uma prece.

A tarde cai. Misterioso,

Geme entre os ramos o vento.

E há por todo o firmamento

Um anseio doloroso.

Áureo turíbulo imenso,

O ocaso em púrpuras arde,

E para a oração da tarde

Desfaz-se em rolos de incenso.

Moribundos e suaves,

O vento na asa conduz

O último raio da luz

E o último canto das aves.

E Deus, na altura infinita,

Abre a mão profunda e calma,

Em cuja profunda palma

Todo o Universo palpita.

Mas um barulho se eleva...

E , no páramo celeste,

A horda dos astros investe

Contra a muralha da treva.

As estrelas, salmodiando

O Peã sacro, a voar,

Enchem de cânticos o ar...

E vão passando... passando...

Agora, maior tristeza,

Silêncio agora mais fundo;

Dorme, num sono profundo,

Sem sonhos, a natureza.

A flor-da-noite abre o cálix...

E, soltos, os pirilampos

Cobrem a face dos campos,

Enchem o seio dos vales:

Trêfegos e alvoroçados,

Saltam, fantásticos Djins,

De entre as moitas de jasmins,

De entre os rosais perfumados.

Um deles pela janela

Entre no teu aposento,

E pára, plácido e atento,

Vendo-te, pálida e bela.

Chega ao teu cabelo fino,

Mete-se nele: e fulgura,

E arde nessa noite escura,

Como um astro pequenino.

E fica. Os outros lá fora

Deliram. Dormes... Feliz,

Não ouves o que ele diz,

Não ouves como ele chora...

Diz ele: "O poeta encerra

Uma noite, em si, mais triste

Que essa que, quando dormiste,

Velava a face da terra...

Os outros saem do meio

Das moitas cheias de flores:

Mas eu saí de entre as dores

Que ele tem dentro do seio.

Os outros a toda parte

Levam o vivo clarão,

E eu vim do seu coração

Só para ver-te e beijar-te.

Mandou-me sua alma louca,

Que a dor da ausência consome,

Saber se em sonho o seu nome

Brilha agora em tua boca!

Mandou-me ficar suspenso

Sobre o teu peito deserto,

Por contemplar de mais perto

Todo esse deserto imenso!"

Isso diz o pirilampo...

Anda lá fora um rumor

De asas rufladas... A flor

Desperta, desperta o campo...

Todos os outros, prevendo

Que vinha o dia, partiram,

Todos os outros fugiram...

Só ele fica gemendo.

Fica, ansioso e sozinho,

Sobre o teu sono pairando...

E apenas, a luz fechando,

Volve de novo ao seu ninho,

Quando vê, inda não farto

De te ver e de te amar,

Que o sol descerras do olhar,

E o dia nasce em teu quarto...

Virgens mortas

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,

Nova, no velo engaste azul do firmamento:

E a alma da que morreu, de momento em momento,

Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento

Do campo, conversais a sós, quando anoitece,

Cuidado! – o que dizeis, como um rumor de prece,

Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando

De beijos, perturbando o campo sossegado

E o casto coração das flores inflamando,

— Piedade! elas vêem tudo entre as moitas escuras...

Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado

Das que viveram sós, das que morreram puras!

O cavaleiro pobre

(Pouchkine)

Ninguém soube quem era o Cavaleiro Pobre,

Que viveu solitário, e morreu sem falar:

Era simples e sóbrio, era valente e nobre,

E pálido como o luar.

Antes de se entregar às fadigas da guerra,

Dizem que um dia viu qualquer cousa do céu:

E achou tudo vazio... e pareceu-lhe a terra

Um vasto e inútil mausoléu.

Desde então, uma atroz devoradora chama

Calcinou-lhe o desejo, e o reduziu a pó.

E nunca mais o Pobre olhou uma só dama,

— Nem uma só! nem uma só!

Conservou, desde então, a viseira abaixada:

E, fiel à Visão, e ao seu amor fiel,

Trazia uma inscrição de três letras, gravada

A fogo e sangue no broquel.

Foi aos prélios da Fé. Na Palestina, quando,

No ardor do seu guerreiro e piedoso mister,

Cada filho da Cruz se batia, invocando

Um nome caro de mulher,

Ela rouco, brandindo o pique no ar, clamava:

"Lumen coeli Regina!" e, ao clamor dessa voz,

Nas hostes dos incréus como uma tromba entrava,

Irresistível e feroz.

Mil vezes sem morrer viu a morte de perto,

E negou-lhe o destino outra vida melhor:

Foi viver no deserto... E era imenso o deserto!

Mas o seu Sonho era maior!

E um dia, a se estorcer, aos saltos, desgrenhado,

Louco, velho, feroz, — naquela solidão

Morreu: — mudo, rilhando os dentes, devorado

Pelo seu próprio coração.

Ida

Para a porta do céu, pálida e bela,

Ida as asas levanta e as nuvens corta.

Correm os anjos: e a criança morta

Foge dos anjos namorados dela.

Longe do amor materno o céu que importa?

O pranto os olhos límpidos lhe estrela...

Sob as rosas de neve da capela,

Ida soluça, vendo abrir-se a porta.

Quem lhe dera outra vez o escuro canto

Da escura terra, onde, a sangrar, sozinho,

Um coração de mão desfaz-se em pranto!

Cerra-se a porta: os anjos todos voam...

Como fica distante aquele ninho,

Que as mães adoram... mas amaldiçoam!

Noite de inverno

Sonho que estás à porta...

 

Estás – abro-te os braços! – quase morta,

Quase morta de amor e de ansiedade...

De onde ouviste o meu grito, que voava,

E sobre as asas trêmulas levava

As preces da saudade?

Corro à porta... ninguém! Silêncio e treva.

Hirta, na sombra, a Solidão eleva

Os longos braços rígidos, de gelo...

E há pelo corredor ermo e comprido

O suave rumor de teu vestido,

E o perfume subtil de teu cabelo.

Ah! se agora chegasses!

Se eu sentisse bater em minhas faces

A luz celeste que teus olhos banha;

Se este quarto se enchesse de repente

Da melodia, e do clarão ardente

Que os passos te acompanha:

Beijos, presos no cárcere da boca,

Sofreando a custo toda a sede louca,

Toda a sede infinita que os devora,

— Beijos de fogo, palpitando, cheios

De gritos, de gemidos e de anseios,

Transbordariam por teu corpo afora!...

Rio aceso, banhando

Teu corpo, cada beijo, rutilando,

Se apressaria, acachoado e grosso:

E, cascateando, em pérolas desfeito,

Subiria a colina de teu peito,

Lambendo-te o pescoço...

Estrela humana que do céu desceste!

Desterrada do céu, a luz perdeste

Dos fulvos raios, amplos e serenos;

E na pele morena e perfumada

Guardaste apenas essa cor dourada

Que é a mesma cor de Sírius e de Vênus.

Sob a chuva de fogo

De meus beijos, amor! terias logo

Todo o esplendor do brilho primitivo;

E, eternamente presa entre meus braços,

Bela, protegerias os meus passos,

— Astro formoso e vivo!

Mas... talvez te ofendesse o meu desejo...

E, ao teu contacto gélido, meu beijo

Fosse cair por terra, desprezado...

Embora! que eu ao menos te olharia,

E, presa do respeito, ficaria

Silencioso e imóvel a teu lado.

Fitando o olhar ansioso

No teu, lendo esse livro misterioso,

Eu descortinaria a minha sorte...

Até que ouvisse, desse olhar ao fundo,

Soar, num dobre lúgubre e profundo,

A hora da minha morte!

Longe embora de mim teu pensamento,

Ouvirias aqui, louco e violento,

Bater meu coração em cada canto;

E ouvirias, como uma melopéia,

Longe embora de mim a tua idéia,

A música abafada de meu pranto.

Dormirias, querida...

E eu, guardando-te, bela e adormecida,

Orgulhoso e feliz com o meu tesouro,

Tiraria os meus versos do abandono,

E eles embalariam o teu sono,

Como uma rede de ouro.

Mas não bens! não virás! Silêncio e treva...

Hirta, na sombra, a Solidão eleva

Os longos braços rígidos de gelo;

E há, pelo corredor ermo e comprido,

O suave rumor de teu vestido

E o perfume subtil de teu cabelo...

Vanitas

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,

Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,

E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada

De gritos de triunfo e gritos de agonia.

Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,

Trabalha... E a obra, por fim, resplandece acabada:

"Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!

Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,

Arranquei-te da vida ao ádito profundo,

Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!" E o Poeta

Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,

E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia...

Tercetos

I

Noite ainda, quando ela me pedia

Entre dois beijos que me fosse embora,

Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:

"Espera ao menos que desponte a aurora!

Tua alcova é cheirosa como um ninho...

E olha que escuridão há lá por fora!

Como queres que eu vá, triste e sozinho,

Casando a treva e o frio de meu peito

Ao frio e à treva que há pelo caminho?!

Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!

Não arrojes à chuva e à tempestade!

Não me exiles do vale do teu leito!

Morrerei de aflição e de saudade...

Espera! até que o dia resplandeça,

Aquece-me com a tua mocidade!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça

Repousar, como há pouco repousava...

Espera um pouco! deixa que amanheça!"

— E ela abria-me os braços. E eu ficava.

II

E, já manhã, quando ela me pedia

Que de seu claro corpo me afastasse,

Eu, com os olhos em lágrimas , dizia:

"Não pode ser! não vês que o dia nasce?

A aurora, em fogo e sangue, as nuvens corta...

Que diria de ti quem me encontrasse?

Ah! nem me digas que isso pouco importa!...

Que pensariam, vendo-me, apressado,

Tão cedo assim, saindo a tua porta,

Vendo-me exausto, pálido, cansado,

E todo pelo aroma de teu beijo

Escandalosamente perfumado?

O amor, querida, não exclui o pejo...

Espera! até que o sol desapareça,

Beija-me a boca! mata-me o desejo!

Sobre o teu colo deixa-me a cabeça

Repousar, como há pouco repousava!

Espera um pouco! deixa que anoiteça!"

— E ela abria-me os braços. E eu ficava.

In extremis

Nunca morrer assim! Nunca morrer num dia

Assim! de um sol assim!

Tu, desgrenhada e fria,

Fria! postos nos meus os teus olhos molhados,

E apertando nos teus os meus dedos gelados...

E um dia assim! de um sol assim! E assim a esfera

Toda azul, no esplendor do fim da primavera!

Asas, tontas de luz, cortando o firmamento!

Ninhos cantando! Em flor a terra toda! O vento

Despencando os rosais, sacudindo o arvoredo...

E, aqui dentro, o silêncio... E este espanto! e este medo!

Nós dois... e, entre nós dois, implacável e forte,

A arredar-me de ti, cada vez mais, a morte...

Eu, com o frio a crescer no coração, — tão cheio

De ti, até no horror do derradeiro anseio!

Tu, vendo retorcer-se amarguradamente,

A boca que beijava a tua boca ardente,

A boca que foi tua!

E eu morrendo! e eu morrendo

Vendo-te, e vendo o sol, e vendo o céu, e vendo

Tão bela palpitar nos teus olhos, querida,

A delícia da vida! a delícia da vida!

A alvorada do amor

Um horror grande e mudo, um silêncio profundo

No dia do Pecado amortalhava o mundo.

E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo

Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,

Disse:

"Chega-te a mim! entre no meu amor,

E à minha carne entrega a tua carne em flor!

Preme contra o meu peito o teu seio agitado,

E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!

Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,

Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê! tudo nos repele! a toda a criação

Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...

A cólera de Deus torce as árvores, cresta

Como um tufão de fogo o seio da floresta,

Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;

As estrelas estão cheias de calefrios;

Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,

Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!

Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;

Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;

Surjam feras a uivar de todos os caminhos;

E, vendo-te a sangrar das urzes através,

Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés...

Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,

Ilumina o degredo e perfuma o deserto!

Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,

Levo tudo, levando o teu corpo querido!

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:

— Tudo renascerá cantando ao teu olhar,

Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,

Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!

Rosas te brotarão da boca, se cantares!

Rios te correrão dos olhos, se chorares!

E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,

Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu,

Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah! bendito o momento em que me revelaste

O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!

Porque, livre de Deus, redimido e sublime,

Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,

— Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!"

Vita nuova

Se ao mesmo gozo antigo me convidas,

Com esses mesmos olhos abrasados,

Mata a recordação das horas idas,

Das horas que vivemos apartados!

Não me fales das lágrimas perdidas,

Não me fales dos beijos dissipados!

Há numa vida humana cem mil vidas,

Cabem num coração cem mil pecados!

Amo-te! A febre, que supunhas morta,

Revive. Esquece o meu passado, louca!

Que importa a vida que passou? Que importa,

Se ainda te amo, depois de amores tantos,

E inda tenho, nos olhos e na boca,

Novas fontes de beijos e de prantos?!

Manhã de verão

As nuvens, que, em bulcões, sobre o rio rodavam,

Já, com o vir de manhã, do rio se levantam.

Como ontem, sob a chuva, estas águas choravam!

E hoje, saudando o sol, como estas águas cantam!

A estrela, que ficou por último velando,

Noive que espera o noivo e suspira em segredo,

— Desmaia de pudor, apaga, palpitando,

A pupila amorosa, e estremece de medo.

Há pelo Paraíba um sussurro de vozes,

Tremor de seios nus, corpos brancos luzindo...

E, alvas, a cavalgar broncos monstros ferozes,

Passam, como num sonho, as náiades fugindo.

A rosa, que acordou sob as ramas cheirosas,

Diz-me: "Acorda com um beijo as outras flores quietas!

Poeta! Deus criou as mulheres e as rosas

Para os beijos do sol e os beijos dos poetas!"

E a ave diz: "Sabes tu? Conheço-a bem... Parece

Que os Gênios de Oberon bailam pelo ar dispersos,

E que o céu se abre todo, e que a terra floresce,

— Quando ela principia a recitar teus versos!"

E diz a luz: "Conheço a cor daquela boca!

Bem conheço a maciez daquelas mãos pequenas!

Não fosse ela aos jardins roubar, trêfega e louca,

O rubor da papoula e o alvor das açucenas!"

Diz a palmeira: "Invejo-a! ao vir a luz radiante,

Vem o vento agitar-me e desnastrar-me a coma:

E eu pelo vento envio ao seu cabelo ondeante

Todo o meu esplendor e todo o meu aroma!"

E a floresta, que canta, e o sol, que abre a coroa

De ouro fulvo, espancando a matutina bruma,

E o lírio, que estremece, e o pássaro, que voa,

E a água, cheia de sons e de flocos de espuma,

Tudo, — a cor, o clarão, o perfume e o gorjeio,

Tudo, elevando a voz, nesta manhã de estio,

Diz: "Pudesses dormir, poeta! No seu seio,

Curvo como este céu, manso como este rio!"

Dentro da noite

Ficas a um canto da sala,

Olhas-me e finges que lês...

Ainda uma vez te ouço a fala,

Olho-te ainda uma vez;

Saio... Silêncio por tudo:

Nem uma folha se agita;

E o firmamento, amplo e mudo,

Cheio de estrelas palpita.

E eu vou sozinho, pensando

Em teu amor, a sonhar,

No ouvido e no olhar levando

Tua voz e teu olhar.

Mas não sei que luz me banha

Todo de um vivo clarão;

Não sei que música estranha

Me sobre do coração.

Como que, em cantos suaves,

Pelo caminho que sigo,

Eu levo todas as aves,

Todos os astros comigo.

E é tanta essa luz, é tanta

Essa música sem par,

Que nem sei se é a luz que canta,

Se é o som que vejo brilhar.

Caminho em êxtase, cheio

Da luz de todos os sóis,

Levando dentro do seio

Um ninho de rouxinóis.

E tanto brilho derramo,

E tanta música espalho,

Que acordo os ninhos e inflamo

As gotas frias do orvalho.

E vou sozinho, pensando

Em teu amor, a sonhar,

No ouvido e no olhar levando

Tua voz e teu olhar.

Caminho. A terra deserta

Anima-se. Aqui e ali,

Por toda parte desperta

Um coração que sorri.

Em tudo palpita um beijo,

Longo, ansioso, apaixonado,

E um delirante desejo

De amar e de ser amado.

E tudo, — o céu que se arqueia

Cheio de estrelas, o mar,

Os troncos negros, a areia,

— Pergunta, ao ver-me passar:

"O Amor, que a teu lado levas,

A que lugar te conduz,

Que entras coberto de trevas,

E sais coberto de luz?

 

De onde vens? Que firmamento

Correste durante o dia,

Que voltas lançando ao vento

Esta inaudita harmonia?

Que país de maravilhas,

Que Eldorado singular

Tu visitaste, que brilhas

Mais do que a estrela polar?"

E eu continuo a viagem,

Fantasma deslumbrador,

Seguido por tua imagem,

Seguido por teu amor.

Sigo... Dissipo a tristeza

De tudo, por todo o espaço,

E ardo, e canto, e a Natureza

Arde e canta, quando eu passo,

— Só porque passo pensando

Em teu amor, a sonhar,

No ouvido e no olhar levando

Tua voz e teu olhar...

Campo-Santo

Os anos matam e dizimam tanto

Como as inundações e como as pestes...

A alma de cada velho é um Campo-Santo

Que a velhice cobriu de cruzes e ciprestes

Orvalhados de pranto.

Mas as almas não morrem como as flores,

Como os homens, os pássaros e as feras:

Rotas, despedaçadas pelas dores,

Renascem para o sol de novas primaveras

E de novos amores.

Assim, às vezes, na amplidão silente,

No sono fundo, na terrível calma

Do Campo-Santo, ouve-se um grito ardente:

É a Saudade! é a Saudade!... E o cemitério da alma

Acorda de repente.

Uivam os ventos funerais medonhos...

Brilha o luar... As lápides se agitam...

E, sob a rama dos chorões tristonhos,

Sonhos mortos de amor despertam e palpitam,

Cadáveres de sonhos...

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