Conquista Da Meia-Noite

Tekst
0
Recenzje
Przeczytaj fragment
Oznacz jako przeczytane
Czcionka:Mniejsze АаWiększe Aa

Com um suspiro profundo, ele assentiu.

— Concederei.

Davina abriu a boca, e seu coração mergulhou para as profundezas de seu âmago.

— Com uma condição: todos ficarão aqui, como nossos hóspedes, por quinze dias ou mais. Desejo passar um tempo com minha filha, e que ela tenha uma chance de alívio. Assim como um período de observação para seu filho. — Parlan apontou um dedo para o rosto de Munro e rosnou: — Entretanto, se eu vir o menor sinal de tristeza nos olhos da minha filha, qualquer indício de marcas em seu corpo, se eu não vir seu comportamento mudar para o de uma mulher contente e feliz em pouco tempo, eu anularei este casamento, não importa o escândalo ou o prejuízo que tal ação me traga.

Munro apertou a mandíbula, e seus olhos ficaram frios.

— Sim, tenho certeza de que escândalo é algo com que está bem-acostumado a lidar, considerando seu histórico.

O rosto de Parlan ficou vermelho.

— Mesmo desconsiderando de onde venho — ele rangeu os dentes. —, ainda sou aquele que tem conexões com a coroa, e não apenas através do meu nascimento ilegítimo. Ser primo e ter crescido lado a lado daquele que está hoje no trono tem seus privilégios.

Os dois homens se encararam em uma competição silenciosa, mas um largo sorriso por fim apareceu no rosto de Munro.

— Não se preocupe, meu amigo! Não ficará desapontado. Ian será um genro modelo e teremos muitos netos dos quais nos orgulhar!

Os tapas vigorosos de Munro nas costas de Parlan não fizeram nada para apagar a linha determinada da boca de Parlan, mas ele ainda assentiu.

Davina engoliu em seco as novas lágrimas de consternação que ameaçavam delatá-la. Afastando-se da porta, ela caminhou em silêncio pelo corredor, para longe desta reunião de homens, esta dominação masculina que gerava um destino cheio de condenação para a vida dela. Enquanto cambaleava pela cozinha, ia até o pátio vazio e passava atrás dos estábulos, seu coração afundou ainda mais com a ideia da proteção de Munro na qual ela não tinha fé. Ela nunca disse uma palavra ao pai, e Parlan sabia que Ian a estava maltratando pelas poucas visitas que os pais haviam feito, ou nas breves visitas deles à casa do pai. Como Munro pôde ficar ali, fingindo ignorar o que acontecia sob seu próprio teto? Ela afundou em uma pequena pilha de palha atrás de alguns barris para coleta da chuva, puxou os joelhos contra o peito e enterrou o rosto nos braços, deixou as lágrimas rolarem.

Nenhuma vez durante esse horror e farsa de casamento ela confidenciou ao irmão Kehr. Mesmo agora, ela não podia ir até ele, já que ele estava em Edimburgo, a pelo menos três dias de viagem da casa deles em Stewart Glen. Por que ela nunca compartilhou nenhuma de suas angústias em relação a Ian com o irmão? Ela não conseguia raciocinar neste momento. Compartilhava tudo com ele, incluindo as fantasias de ser a esposa do cigano vidente. Não os detalhes íntimos, é claro, mas a ideia de ele voltar e declarar seu amor por ela. Ela sentia-se grata porque o irmão aceitava os devaneios dela, embora a provocasse de vez em quando. Kehr sempre a apoiou, mas a alertou para não ficar muito presa aos sonhos. Afinal, era uma fantasia.

Respirando fundo, ela acalmou o coração que batia forte e apertou as mãos, buscando suas fantasias para aliviar a preocupação. Que impressão ele causara nela, o gigante vidente cigano. Ela havia aproveitado muitas viagens ao acampamento cigano durante a última estada deles aqui, conversou com Amice, tomaram chá perto do fogo. Quase sem olhar para Davina, Broderick ia e vinha, contando o futuro e cuidando de seus negócios. Muito tímida para se dirigir a ele de maneira direta, Davina aproveitava cada oportunidade que o via, a paixão crescendo. E quando ele se dirigia a ela, ela não conseguiu formar mais do que duas palavras sem uma onda de risos. Contudo, memorizou cada traço do rosto de Broderick: a curva de seu nariz aquilino, o ângulo bonito das maçãs do rosto, a linha definida da mandíbula quadrada. Na tenra idade de treze anos, a inocência e a inexperiência temperaram seus devaneios com passeios pelas florestas enluaradas e beijos roubados. Conforme ela crescia, essas fantasias amadureceram e queimavam com abraços cheios de paixão. Amice disse que eles voltariam. Nos oito anos desde que ela o conheceu, cada caravana de ciganos que viajava pela pequena vila de Stewart Glen colocava seu coração em chamas, que logo se apagavam pela decepção por ele não estar entre eles. Quando seu pai firmou o contrato de casamento com Munro, dando a mão dela a Ian, ela se forçou a abandonar os sonhos, e chegou à conclusão realista que precisava deixar os caprichos de lado, como seu irmão encorajou.

A realidade sombria da união com Ian, entretanto, ressuscitou tais fantasias, e ela se agarrava como se pudessem salvar sua vida.

Gatinhos miaram em algum lugar nos estábulos, gritinhos indefesos chamando a atenção dela e fazendo curvar os lábios em simpatia. Ela suspirou. Pelo menos seu coração parou de retumbar acelerado, e as mãos estavam firmes mais uma vez.

Apoiando a cabeça contra a estrutura de madeira dos estábulos, ela olhou para as pedras da parede do perímetro do outro lado… pedras que seu pai colocara com suas próprias mãos. Ela sorriu ao se lembrar da tentativa dele de projetar a abertura secreta localizada no lado norte da parede do perímetro, na parte de trás do terreno, à sua esquerda. Ele reclamou como os mecanismos eram imperfeitos. Kehr e Davina adoravam usar a passagem secreta para se divertir ao longo dos anos, embora com a severa advertência do pai para não revelar o local exato. Mesmo que a casa não tenha sido projetada para ser uma fortaleza formidável contra um exército, os muros os mantinham seguros por levar todo o tráfego para os portões da frente. Parlan sempre se preocupou com a família, como um pai responsável deve fazer.

Ela se assustou com um barulho do outro lado da parede que se encostava e levou a mão ao peito, forçando a respiração a desacelerar. Sem mover um músculo ou ousar respirar, ela esperou por qualquer outro som para revelar o que aconteceu. O sangue sumiu de seu rosto quando os resmungos de Ian chegaram aos ouvidos dela. Protestos profundos e nervosos ecoaram dos cavalos nos estábulos enquanto Ian chutava o que parecia ser baldes ou bancos.

— Megera! É tudo culpa dela! — o tilintar de fivelas e arreios soou em meio à comoção. — Fique quieto, seu animal estúpido!

Davina se agachou ainda mais no chão e espiou pelas fendas nas venezianas da abertura acima dela. Ian se atrapalhava para selar seu cavalo. Ela estremeceu a cada puxão e empurrão que o cavalo suportava do mestre, até que o cavalariço Fife pigarreou ao se aproximar da baia.

— Posso ajudar, Mestre Ian?

Ian recuou ao ouvir a voz de Fife e respirou fundo para se acalmar, afastando-se do cavalo.

— Sim, Fife, eu agradeceria.

O coração de Davina se contraiu ao ver o belo sorriso de Ian e o ar encantador. Ele agira assim com ela, durante o namoro, mas agora mostrava esse lado de sua personalidade a todos, menos a ela. As pessoas não suspeitavam do homem cruel por trás de um exterior atraente.

— Algo o incomoda, Mestre Ian? — Fife esfregou o nariz grande e redondo, semicerrando os olhos marcados pela idade enquanto dava tapinhas no pescoço do cavalo e contornava o outro lado para prender as tiras de couro.

— Oras, só um pequeno desentendimento com meu pai. Nada grave. — Ian sorriu e balançou a cabeça. — Será que em algum momento deixamos de ter desentendimentos com os nossos pais, eu me pergunto?

Fife riu e balançou a cabeça, baixando a guarda.

— É uma batalha sem fim que devemos suportar a vida toda, rapaz. Uma vida inteira. — ambos compartilharam uma risada ante tal sabedoria. Fife passou as rédeas para Ian. — Pegue leve com ela, Mestre Ian. Corra um pouco para aliviar a tensão dela, e volte na hora do jantar.

Ian balançou a cabeça com bom humor e subiu na sela de maneira elegante.

— Sinto que tenho mais de um pai por aqui com a maneira como você e Parlan me amam.

— Só estou cuidando de você, Mestre Ian. — Fife acenou enquanto observava Ian virar o cavalo e se dirigir ao portão da frente. — Bom rapaz. — ele sussurrou enquanto arrumava os estábulos.

Davina mordeu o lábio inferior em frustração. Ela era a única que via a crueldade de Ian? Cerrando os punhos, ela saiu de trás dos estábulos e voltou para o castelo, Fife lançou um olhar perplexo quando ela fechou a porta. Não, ela não era a única. O pai dela tinha olhos atentos, e ela estava certa de que ele conhecia a extensão da brutalidade de Ian.

Ela voltou direto para a sala de estar, mas a encontrou vazia, o fogo ainda queimando na lareira. Girando nos calcanhares, ela quase trombou com a mãe.

— Ora! Davina, você me deu um susto! — Lilias levou a mão ao peito e prendeu a respiração. — Seu pai me mandou buscar você.

— Estava procurando por ele agora mesmo.

Pegando a filha pela mão, Lilias conduziu Davina pelo andar térreo da casa até o primeiro andar, que comportava os cômodos privados. A cada pedra que passavam no caminho para o quarto dos pais lembrava Davina do orgulho que sentia pelos esforços do pai e da confiança em sua sabedoria para ouvir seus apelos.

Quando a mãe abriu a porta do quarto deles, Lilias conduziu Davina, fechou a pesada porta atrás delas e sentou-se no sofá perto da lareira, assumindo um lugar tranquilo, mas de apoio ao lado do marido. Parlan estava de pé junto à lareira, de costas para a porta, da mesma forma que na sala de estar.

— Não tenho certeza do quanto você ouviu fora da sala, Davina, mas lamento que a conversa tenha lhe causado tanto sofrimento. — ele se virou para encará-la, as sobrancelhas franzidas de tristeza. — Não tenha medo, fui o único que testemunhou sua retirada chorosa. As últimas palavras foram um sussurro reconfortante.

 

Davina puxou o lábio trêmulo entre os dentes para controlá-lo e manter-se firme diante do pai.

— O senhor não me causou nada, pai. Sinto-me grata por saber que está ciente da minha situação. — a voz dela tremeu, mas ela limpou a garganta e manteve as lágrimas sob controle. — Eu estava a caminho da sala de estar, para buscar meu bordado quando meu sogro implorava perdão a você por meu marido.

As sobrancelhas de Parlan se ergueram, parecia surpreso por ela ter ouvido tanto. Ele assentiu.

— Então você sabe da punição de Ian por sua incapacidade de gerenciar suas responsabilidades.

Ela assentiu.

Depois de uma longa pausa, ele disse:

— Sei que dada a condição desse arranjo parece que estou mandando você de volta para a cova dos leões. — Parlan estudou o couro marrom macio de suas botas antes de voltar seu olhar para ela. — Ian não está nada feliz com o esvaziamento de seus bolsos, algo em que eu confio que Munro irá cumprir. É por isso que insisto que fiquem aqui sob meu teto, para que eu possa lhe dar uma parcela de segurança e garantia de que você estará protegida.

Davina soltou a torrente de tristeza.

— Pai, por favor, não me deixe suportar mais um momento desta união! Não podemos fazer como disse e dissolver este casamento?

Parlan apertou a mandíbula e voltou os olhos tristes para a esposa. Lilias agarrou a mão dele, parecendo dar-lhe apoio.

— Davina, os Russell oferecem imensas oportunidades de negócios, tanto para mim quanto para seu irmão, e não posso contar com meu primo Rei para sempre. Devemos fazer esforços para aumentar nosso patrimônio por conta própria. — concentrando-se mais uma vez em Davina, ele deu um passo na direção dela e envolveu as mãos dela com as dele. — Lamento que tenha sofrido mais do que qualquer mulher com a mão pesada de seu marido. Agora que não posso mais negar o tratamento que ele dispensou a você, espero que me perdoe por não a ter defendido antes. Vou tomar medidas para garantir que esteja protegida e, com sua ajuda, creio podermos fazer isso funcionar.

Davina fez um grande esforço para falar, apesar do nó que se formava na garganta.

— Ser a mão gentil que domará a besta. — ela sussurrou, repetindo as palavras do sogro.

Parlan assentiu.

— Está óbvio que Munro fez um péssimo trabalho em ensinar a Ian como ser um homem. A sua estada, e a deles, aqui será indefinida. Ian e Munro ficarão nos quartos de hóspedes acima, e você terá, mais uma vez, seu quarto só para você neste andar. Fiz pressão em Munro quanto a isso, e nós dois estaremos atentos ao comportamento de Ian nas próximas longas semanas. Munro aceitou, com humildade, minha orientação como pai e de Lilias como mãe, para colocar Ian no caminho certo. Apenas quando virmos melhorias, você poderá se aventurar a estar de volta à casa deles. Somente quando eu estiver certo de que você será querida e cuidada como a mulher preciosa que é, você terá permissão para ir com eles.

Embora aliviada com o fim das surras e dos compromissos sexuais cruéis, o mundo de Davina ainda desmoronava acima dela.

— Pai, você não conhece o verdadeiro Ian. Ele é um mestre em vestir uma máscara de charme para esconder o monstro que é. Ele…

— Davina, de jeito nenhum vou deixar que ele a machuque. Concordo que ele leva as responsabilidades longe demais ao exercer seu domínio como marido, mas ele não é um perigo para sua vida. Caso eu considerasse que sim, acabaria com este casamento agora. Nós iremos protegê-la. — Davina odiou perceber que a família acreditava que ela era dramática. Ele a beijou na testa e puxou-a para um abraço apertado. — Não vou deixar que ele a machuque. Deve fazer isso por sua família. Um dia, quando Ian aprender bem o papel e deveres de um marido, você aprenderá a perdoá-lo e amá-lo. Se não, ao menos terá consolo nos filhos que terão um dia.

Ela deixou suas lágrimas rolarem, molhando a túnica do pai e segurando-o com força enquanto se submetia às ordens dele. Ela seria o cordeiro sacrificial para a estabilidade do futuro de sua família.

* * * * *

O aço colidindo com o aço ecoou no ar, ricocheteando nas paredes e no teto alto do Salão Principal, que se misturava aos grunhidos, ofegos e gemidos de Kehr e Ian enquanto duelavam. Kehr defendeu o impulso de Ian, se virou e golpeou o lado aberto de Ian, provocando um grunhido dele. Com um sorriso no rosto, Ian empurrou Kehr para frente, e Kehr retribuiu o sorriso com seu próprio impulso. No entanto, Ian obteve um bloqueio efetivo ao usar o escudo.

— Bom! — Kehr encorajou.

— Obrigado! — Ian disse com outro golpe da espada, que Kehr se esquivou.

Davina sorriu para o irmão, animada com a presença dele. Por fim ele voltava para casa depois de uma longa estada em Edimburgo visitando a corte. Havia chegado tarde na noite anterior, e embora ela antecipasse a chegada dele e a oportunidade de passar um tempo juntos, a notícia da aparição do rei James a fez desanimar.

Toda a Escócia estava alvoroçada com a experiência do rei, e Kehr contara a história com uma grande encenação na sala. Com o fogo alto na lareira que lançava sombras sinistras pelo cômodo, a família se sentou em um círculo, concentrada na encenação dramática de Kehr.

Curve-se perante o Rei da Escócia!, o conselheiro do rei berrou enquanto perseguia o homem que invadiu as câmaras de oração privadas do rei. — Kehr imitou o marechal, John Inglis, correndo atrás do intruso. — Entretanto, o rei levantou a mão e interrompeu seus conselheiros porque o homem parou antes de alcançar Sua Majestade.

Ondas de riso circularam pelo cômodo, e Davina colocou a mão na boca para abafar as próprias risadas.

— E vocês dizem que sou eu que tenho uma queda por drama! — ela provocou.

Kehr riu da interrupção, mas continuou.

Basta, disse o rei, deixe-o falar, e depois que eles se encararam por um longo período de silêncio, o homem avançou… — Kehr imitou as ações do intruso, inclinando-se com o punho diante dele. — … e puxou Sua Majestade pela túnica, dizendo: Senhor Rei, minha mãe me enviou a você, desejando que não vá aonde se propõe. — a testa de Kehr se franziu com a grave mensagem que o homem entregou ao rei. — Caso faça isso, não se sairá bem em sua jornada, nem ninguém que esteja com você.

Kehr caminhou em frente das pessoas sentadas ao redor da sala, olhando cada uma delas nos olhos. Davina balançou a cabeça ante a pausa que ele usou para causar efeito. Kehr centrou-se diante da audiência.

— E assim, do nada… — Kehr estalou os dedos. — O homem desapareceu como em um piscar de olhos! — a família arfou e murmurou entre si. Kehr encolheu os ombros. — E então o rei decidiu não declarar guerra à Inglaterra.

Davina se acalmou enquanto a respiração deixava o peito de uma só vez… enquanto todos os outros aplaudiam, torciam e celebravam a grande ocasião. Agarrando seu hidromel, Kehr acenou com a cabeça para Davina e ergueu a caneca. Ela retribuiu o aceno com um sorriso forçado. O irmão dela sentou-se em meio aos aplausos, e a família o parabenizou pelo desempenho e pela notícia maravilhosa.

Davina havia feito de tudo para parecer feliz, assim como agora, lutou para manter o sorriso como uma máscara, agarrada ao conhecimento de que, afinal, Kehr e seu pai não iriam para a guerra. Felizmente, falar de guerra sempre a mantinha longe da corte, lugar em que ela detestava estar. Além disso, ela queria Ian no campo de batalha… não seu irmão e pai.

— Aguente firme, Ian. — Kehr avisou e desencadeou um ataque de balanços, confrontos e avanços que fizeram Ian recuar por toda a extensão do cômodo. Sem prestar atenção aos próprios passos, Ian tropeçou e caiu para trás, mas logo recuperou o equilíbrio e se virou para evitar o ataque de Kehr.

— Fascinada pela empolgação, minha sobrinha?

O irmão de sua mãe, Tammus, parou ao lado de Davina.

Davina percebeu estar agarrada ao encosto de uma cadeira enquanto observava o irmão e o marido se engajando na batalha simulada, parte do treinamento de Ian. Ela só percebeu a dor em seus dedos ao soltar a madeira dura. Olhou para o tio, cujo rosto brilhava com um tom quente e laranja à luz das tochas colocadas no corredor.

— Sim, tio. Eu me preocupo com os dois. — ela mentiu.

Tammus colocou um braço quente sobre os ombros dela e a abraçou de lado.

— Ora, não se preocupe, moça. Uma simulação de batalha com certeza difere do combate real, que no final, felizmente, não precisamos vivenciar.

— Sim, tio. — ela sorriu e voltou a prestar atenção ao par que duelava.

Quando Kehr piscou para ela, de costas para Ian, o marido deu um tapa no traseiro de Kehr com a parte plana de sua espada, fazendo seu irmão gritar. Ian ergueu as sobrancelhas fingindo surpresa, e Kehr começou a perseguir Ian, que fugiu gritando como uma garotinha, circundando a vasta extensão do cômodo. Todos explodiram em gargalhadas com a cena cômica, exceto Davina.

A exibição de Ian a deixava nauseada. Ao longo das últimas seis semanas, desde a punição recebida que lhe custou o dinheiro que recebia, Ian demonstrava um desempenho estelar em conquistar a família dela em todas as oportunidades. Embora não permitissem que os dois ficassem sozinhos, para grande alívio dela, nos raros momentos em que ele podia lançar um olhar para ela, ou encurralá-la no castelo, ele a deixou ciente de que, em particular, tudo o que ele estava passando voltaria para assombrá-la assim que ele alcançasse o objetivo de retomar o controle e o dinheiro.

— É um jogo delicioso de gato e rato, não é? — ele perguntou uma vez em uma dessas emboscadas.

— Não será capaz de enganar minha família. — disse Davina, segura de si.

Ele se aproximou dela, fazendo-a encostar-se no canto da escada e apoiando os braços nas paredes.

— Eles pensam que me controlam… — ele sibilou. — que sou uma marionete presa aos dedos deles, distribuindo porções escassas de moedas? Vejamos se gostarão de ser controlados. Há demasiada confiança neles, assim como em você.

Ele a amaldiçoou com um sorriso maligno e se afastou. Ela começou a carregar uma adaga na bota depois daquele encontro. Observando a família agora, comendo nas mãos de Ian, a declaração dele parecia bastante verdadeira. Ian gostava dessa mascarada, gostava de manipular as pessoas para que pensassem e agissem da maneira que ele queria, um jogo que ele adorava aperfeiçoar. Até onde ele iria?

Kehr conseguiu fazer Ian tropeçar, e ele se esparramou no chão de pedra. Todos correram em seu socorro, Kehr à frente da multidão, se desculpando. Ian ficou atordoado por um momento, e Davina se permitiu um sorriso secreto. Recuperando a compostura, Ian limpou o sangue do lábio inferior e olhou para ela. Erguendo uma sobrancelha, ele deu um breve sorriso, apenas o tempo suficiente para que ela percebesse, antes de seu rosto ficar sombrio. Ian baixou o olhar como se estivesse com o coração partido. Olhando para Davina, ele se levantou do chão e espanou as calças. O leve gesto fez com que seu irmão e seu pai se voltassem para Davina. Antes que ela soubesse o estratagema de Ian, Davina foi pega se regozijando pelo acidente de seu marido, exatamente como Ian queria.

Calor subiu em suas bochechas. Parlan olhou para ela, fazendo com que o resto do grupo também se virasse na mesma direção. Pedindo licença para sair da cena, Davina saiu do Salão Principal e foi para o corredor que passava pela sala, pela cozinha e seguia na direção dos estábulos, sempre sufocando os soluços. O crepúsculo se instalava ao redor do castelo, lançando tons de cinza em tudo. Halos de luz âmbar circundavam as tochas colocadas no terreno, iluminando ao menos o bastante para guiar o caminho. Ela adentrou os estábulos aos pisões e chutou um balde vazio no chão. A comoção acordou os gatinhos, e eles se mexeram.

— Como eles podem acreditar na farsa dele? — ela sibilou e cruzou os braços sob os seios, cerrando os punhos e andando de um lado para o outro.

Após o primeiro incidente, Davina procurou seu pai para explicar o plano de Ian, e ele acreditou nela. Mas quando Ian foi levado perante Munro, Parlan e Davina para dar explicações, Ian alegou que Davina o entendera mal e se desculpou por escolher mal as palavras, por não explicar corretamente. No início, até ela acreditava que não ouvira bem, até que ele a encurralou outra vez. Não havia engano em nada. Depois de um tempo, seu pai passou a acreditar que Davina estava tentando desacreditar Ian enquanto ele tentava, com afinco, mudar. No entanto, essas falhas não a desencorajaram de continuar tentando.

 

Três gatinhos emergiram de debaixo da caixa na parte de trás da área de trabalho de Fife. Davina parou e ficou olhando, esperando. Onde estavam os outros gatinhos? Ela se agachou nos calcanhares, perscrutando a escuridão. Mais um gatinho saiu se arrastando, miando. Cresceram tanto nas últimas seis semanas…, mas apenas em tamanho. O número cada vez menor de filhotes era o que preocupava Davina. Quando ela viu os gatinhos pela primeira vez, ela contou oito. Uma semana depois, uma semana após o início da punição e supervisão de Ian, a contagem foi de sete. Ela descartou a diferença de números como um erro na contagem anterior dela. Quando o segundo gatinho desapareceu na semana seguinte, ela imaginou que a pobre criatura poderia ter sido agarrada por uma coruja ou outro predador.

Outro predador, de fato.

Fife contou do terceiro gatinho desaparecido duas semanas depois, dizendo que Ian o trouxe para ele quase com o coração partido. A cabeça havia sido esmagada… por um cavalo, supôs Fife. Davina tentou contar a Fife de suas suspeitas, mas com tom de conselho paternal, ele disse que ela estava sendo muito dura com o Mestre Ian, que precisava aprender a perdoá-lo pelas transgressões passadas, e contou como Ian confidenciou as tentativas de ser um marido melhor.

Muitos gatinhos desapareceram para ela não suspeitar, apesar do que Fife dizia. Ela se agachou, esperando que o quinto gatinho emergisse da caixa. Nada ainda. Tirando uma das tochas da parede, ela trouxe a luz para a escuridão crescente da noite que caía, para a área de trabalho de Fife. A caixa estava vazia. Quatro gatinhos vagavam ao redor dela. Quatro de oito. Onde estava o quinto?

Ela recolocou a tocha no lugar e deu duas voltas completas ao redor da área em frente às baias antes de entrar no portão de seu cavalo, Heather. Agarrando a sela, ela a ajustou no lombo de Heather.

— Indo a algum lugar? — a voz de Ian a fez pular, estocadas de gelo dançara pela espinha dela.

Ela fechou os lábios, e se concentrou em puxar as tiras de couro com força, esforçando-se para ouvir as ações dele acima das batidas incessantes de seu coração. Arrastando-se para o outro lado do animal, o pé dela pousou em algo macio, e ela saltou para trás com um grito, pensando que tinha pisado em um rato. Nada se moveu. Com a ponta da bota, ela tocou a palha onde pisou. Ainda sem se mexer, ela se ajoelhou, estendeu a mão trêmula e ergueu a palha. O quinto gatinho.

— Ahhhh. — Ian disse, parecendo desamparado, mas quando ela o viu espiando por cima da baia, viu o sorriso dele. — Outro?

Ela ficou abismada de terror em como ele conseguia fazer a voz soar amorosa ou preocupada sem tirar o sorriso tão ameaçador do rosto. Ela sentiu os pelos na nuca se arrepiaram.

— Por quê? — ela choramingou. — Por que está fazendo isso?

Ele olhou por cima do ombro e sorriu.

— Ingênua até o fim. — ele sussurrou e piscou.

Ela pegou um pedaço de pano pendurado na parte de trás da baia e pegou o corpo frio. Soluçou enquanto mostrava o gatinho para ele.

— Tem tanta raiva dentro de você que deve descontar em animais inocentes, já que não pode descontar em mim?

— Davina, o que está dizendo? — Ian deu um passo para trás em direção à abertura dos estábulos. — Está me dizendo que eu… — Ian balançou a cabeça, parado do lado de fora da entrada do estábulo. Os olhos dele se encheram de tristeza e refletiram a luz bruxuleante da tocha, aumentando a aura demoníaca em torno dele. — Sei que fiz mal a você, mas não fiz tudo o que podia para provar que mudei? O que mais…

— Calma, calma, Mestre Ian. — disse Fife, entrando nos estábulos. — O que o deixou tão chateado, rapaz?

— É isso que você pensa de mim, Davina? — Ian disse, abatido pela tristeza.

— Fife! Olhe! Outro gatinho! — ela soluçava de forma incontrolável. Temia o resultado de tudo isso. — É como eu disse a você! Ele me viu encontrar o gatinho e não demonstrou remorso!

Fife a olhava boquiaberto, e então olhou para Ian com pesar. Davina passou correndo por eles, deu a volta nos estábulos e colocou o gatinho sobre uma pequena pilha de palha. Chorando, ela lavou o sangue das mãos e jogou a água fria do barril de chuva no rosto para tentar acalmar a mente. Descansando as mãos na borda do barril, ela ofegou, tentando pensar em como lidaria com a situação.

Era só... isso não poderia estar acontecendo! Por que isso está acontecendo?

Na borda do barril de chuva, uma crosta marrom parecia uma impressão palmar parcial. A marca de uma mão ensanguentada.

Ian a agarrou pelos ombros e a girou tão depressa que sua cabeça girou. Segurando-a contra a parede de trás do estábulo, ele disse alto o suficiente para que Fife ouvisse, em uma voz cheia de afeto tão sincero que ela quase acreditou nas palavras dele… se não fosse pela expressão sinistra em seu rosto.

— Você é tão delicada quanto aqueles gatinhos. Eu odiaria ver algo assim acontecer com você. Eu ficaria destruído. Ele apertou os ombros dela com mais força ao dizer a palavra “destruído” para dar ênfase.

Através das janelas à sua esquerda, acima do barril de chuva, passos recuando enfraqueceram, e Ian esperou que Fife estivesse fora do alcance da voz.

— Ingênua até o fim, Davina. — ele zombou. — Farei com que me aceitem na sua família, e será você que se verá controlada. Pode ser até que a considerem louca quando eu terminar.

O mundo se fechava em torno dela, ela o empurrou e correu em direção ao castelo. Entrado como um raio pela cozinha, ela disparou pelo corredor até a sala de estar e parou na porta. Sua família estava sentada e espalhada, os olhos arregalados e questionadores. Fife estava à sua esquerda, ao lado do pai, esmagando o chapéu nas mãos nervosas, culpa no rosto.

— Fife, o que contou?

Davina pousou as pontas dos dedos frios nas bochechas úmidas e vermelhas.

O pai cruzou os braços.

— Que história é essa de Ian estar matando gatinhos?

Ela correu para agarrar o antebraço de seu pai.

— Pai, ele está descontando a raiva nesses pobres animais indefesos em vez de em mim. — ela não conseguia controlar os soluços enquanto implorava.

— Agora, Senhora Davina. — Fife advertiu baixo. — Mestre Ian disse que não poderia machucar aqueles gatinhos tanto quanto não poderia machucar a senhora. Apenas entendeu mal o que ele disse.

— Obrigado por me defender, Fife, mas creio ser inútil continuar tentando. — Ian parou na porta, a tristeza puxando os cantos de sua boca. — Creio que ela está certa, Parlan. Devemos dissolver essa união. Ela nunca vai me perdoar, não importa o quanto eu tente mudar.

— Por que está fazendo isso? — ela gritou na cara de Ian.

— Agora você me quer? Qual é o seu jogo, Davina?

Ian ergueu as mãos em frustração e se arrastou até o centro da sala para defender seu caso, deixando Davina à porta.

— Não, não é isso que eu quero dizer, sabem bem disso! Por que você está tentando fazer minha família me ver como louca?

Ian deixou cair o queixo como se tivesse levado um tapa. Fechando a boca e depois os olhos, ele assentiu.

— Parlan, eu tentei. — ele olhou para o pai dela com tanta tristeza que a mãe soluçou. — Eu amo sua filha e esperava que pudéssemos fazer essa união funcionar, mas está claro que ela não vai me perdoar. — Virando-se para o pai, Munro, ele disse: — Vou ao meu quarto arrumar meu baú. É melhor partirmos amanhã. — de frente para Davina, ele deu um passo, ainda de costas para a sala, e abriu aquele sorriso particular e maligno que jamais era traído pela voz. — Adeus, Davina. — ele sussurrou, e partiu.